Acórdão nº 1579/14.5TBVNG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução23 de Junho de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

AA intentou acção contra BB, pedindo: 1) A anulação da cessão gratuita de meação e quinhão hereditário celebrada entre CC e a R. em 18/07/2012 por incapacidade acidental ou pelo regime dos negócios usurários; 2) A anulação dos testamentos celebrados por BB em 14/02/2011 e 12/12/2011 por incapacidade acidental ou pelo regime dos negócios usurários. A título subsidiário, pede que sejam declaradas nulas as disposições testamentárias a favor da R. nos mesmos testamentos por aplicação do regime do art. 2194º do Código Civil.

A R. contestou, defendendo-se: por excepção, suscitando a litispendência, porque no processo de inventário nº 10601/10.3TBVNG, do 5º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, o A. deduziu oposição espontânea num incidente de habilitação da cessionária da indicada cessão gratuita de meação e quinhão hereditário; e por impugnação.

No despacho saneador de fls. 139, foi julgada improcedente a excepção de litispendência.

A fls. 182, foi proferida sentença com a seguinte decisão: “Pelo exposto, julga-se totalmente procedente a presente acção e, em consequência declaram-se anulados os negócios referidos em 3), 4) e 7) [testamentos e cessão gratuita de meação e de quinhão hereditário], dos factos provados”.

Inconformada, a R. apelou para o Tribunal da Relação do Porto. O A. contra-alegou, formulando pedido de ampliação do objecto do recurso, no que respeita à matéria de facto dada como provada, que pretendeu ampliar.

Por acórdão de fls. 330, foi negada a ampliação do objecto do recurso do A. por não se verificarem os pressupostos necessários para a ampliação da matéria de facto, e a apelação da R. foi julgada improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

  1. Vem a R. recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, “ao abrigo do disposto no art. 672º, nº 1, als. a) e c), 671º, nº 3, a contrario (…fundamentação essencialmente diferente…) e 674º, todos do Cód. de Proc. Civil”, formulando as seguintes conclusões: 1º. O presente recurso versa sobre os seguintes aspetos: 1º. Contradição do acórdão proferido, com outro já proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, sobre a mesma matéria; 2º. Alteração substancial da fundamentação para a anulação, quer da escritura, quer dos testamentos; 3º. A não apreciação do recurso sobre a matéria de facto, e 4º. Entender que não existe violação do Principio Constitucional da Segurança Jurídica que engloba o da Confiança e o Principio da Igualdade.

    (…) [excluem-se as conclusões relativas ao pressupostos da admissibilidade da revista excepcional] 6º. De acordo com a matéria provada (quer na Instância Central de V.N. de Gaia quer pelo TRP) verificamos que a falecida CC estava cognitivamente e mentalmente bem, logo, dúvidas não existem nesta parte (cfr. sentença da 1ª Instância [mantida pelo TRP nesta parte] "Não há um qualquer facto que demonstre que a falecida não tivesse capacidade para entender e alcançar o teor do que estava a realizar. É certo que padecia de maleitas que serão analisadas nesta sentença em relação a outro instituto jurídico mas quanto à incapacidade mencionada no artigo 2199°, na nossa opinião, a mesma não se apura"), pelo que, com facilidade, concluíram ambos os Tribunais que a falecida CC entendia tudo quanto realizou.

    7º. A Instância Central de Vila Nova de Gaia vai mais longe ao afirmar que "Dos factos provados, não conseguimos retirar que, quer em relação aos testamentos, quer em relação à cessão gratuita do quinhão hereditário, a já falecida outorgante dos mesmos sofresse dessa incapacidade. Desde logo, se assim fosse, poderia ter sido detetada por quem redigiu tais negócios e nada disso se suscitou pois foram lavrados. Por outro lado, mesmo que tal incapacidade pudesse existir e não fosse detetável a terceiros, o certo é que, face à factualidade provada, não vemos que a mesma sofresse dessa incapacidade. Não há um qualquer facto que demonstre que a falecida não tivesse capacidade para entender e alcançar o teor do que estava a realizar." 8º. Dito isto, o Tribunal da Relação, para fundamentar a anulação dos referidos negócios, nomeadamente os testamentos, refere que se deverá aplicar aos mesmos o disposto no art. 282° do Cód. Civil, uma vez que o que releva para a sua aplicação é ..."Para a usura ser relevante tem que haver da parte de alguém a exploração da situação de inferioridade do declarante... o autor do vicio deve ter, tanto a consciência de o declarante se encontrar inferiorizado, como, ainda, do beneficio excessivo ou injustificado que vai obter..." (cfr. pág. 37 do Ac. recorrido), concluindo que, dessa forma e por estes motivos, estavam preenchidos todos os requisitos previstos no art. 282° n. 1 do Cód. Civil, logo, anulou todos os actos por entender serem usurários (em especifico nesta parte, os testamentos).

    9º. Em nosso entender, tal decisão parte, desde logo, de uma errada aplicação de Direito, dado que, o art. 282° n. 1 do Cód. Civil não deverá ser aplicado aos negócios jurídicos unilaterais, nomeadamente testamentos, pois, em nosso entender, tal normativo dirige-se apenas aos negócios jurídicos bilaterais.

    10º. Se atentarmos nos, aliás, doutos acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça invocados pelo TRP, verificamos que no de 12/09/2006, estamos em face de uma situação de cobrança abusiva, excessiva e usurária de juros de mora, num contrato de compra e venda, logo negócio bilateral (mútuo), ao invés do testamento, nos nossos autos, que é unilateral.

    11°. Mas este douto acórdão deixa-nos um ponto importantíssimo, pois o mesmo refere: ..."Por um lado, tem de haver benefícios manifestamente excessivos ou injustificados, isto é, tem de haver uma desproporção entre as prestações, que, segundo todas as circunstâncias, ultrapasse os limites do que pode ter alguma justificação. O critério do dobro do valor parece ser o limiar, a partir de cuja ultrapassagem se vai averiguar a existência das demais circunstâncias objectivas e dos requisitos subjectivos da usura" (vid. Ac. do STJ de 12 de Setembro de 2006, proc. n. 06A1988, negrito nosso), 12°. O critério essencial para descortinar a usura (caso a mesma se aplique aos negócios unilaterais) assenta em saber qual a desproporção, ou seja, o citado "...critério do dobro do valor..." (negrito e sublinhado nosso) mas para tal, teria, o recorrido, que ter alegado e provado o valor do benefício, algo que inexiste nos presentes autos pois, desconhecemos o valor do benefício.

    13°. À falta de tais alegações, em sede de P.I., tal matéria não poderia ser apreciada, daí que, nesta parte, não poderia, nem deveria, o Tribunal da Relação fundamentar a sua decisão com este douto Acórdão, mais a mais quando estava a julgar contra outra decisão (do Tribunal da Relação de Guimarães).

    14°. Quanto ao douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido a 22 de Maio de 2003 (proc. n. 03B1300), com o devido respeito, entendemos que os circunstancialismos em que o mesmo foi proferido, são totalmente diferentes dos presentes autos, dado que, é-nos referido que "Os factos provados revelam, por um lado, que a testadora, pela sua idade e condições psíquicas, estava em situação de grande dependência em relação à recorrida, que dela cuidava a titulo profissional, com intenso receio de, no caso de crise grave de saúde, não poder socorrer-se pelos seus próprios meios. E, por outro, que a recorrida, sabendo das fraquezas, angústias e preocupações da testadora, pelo modo como geriu o seu isolamento, privando-a do contacto telefónico com os familiares e amigos, agravou a dependência acima referida. Por outro lado, está assente, no referido quadro de dependência da testadora em relação à recorrida, ter esta insinuado que, após duas ou três noites mal dormidas, poderia suceder não acordar a tempo de a socorrer." (negrito nosso), ou seja, o enfoque vai para a coação sobre a testadora e o estado psíquico desta.

    15°. Percorrida a matéria de facto dada como provada nos nossos autos, verificamos que, nestes autos, nunca existiu coação e, ao nível psíquico, a testadora estava consciente, era vigorosa, assertiva e sabia o que queria, sendo a anulação fundamentada no problema físico da testadora, que levou à usura.

    16°. Tal douto Acórdão proferido por este Tribunal dirige-se ao instituto da coação e não propriamente, da usura, mais a mais quando, nunca foi, sequer, alegado, nem mesmo dado como provado que a recorrente soubesse dos dois testamentos, dado que, caso soubesse dos mesmos (para se provar a coação), qual o motivo da celebração da escritura de doação?, pois, tal facto seria, em si contraditório, pois, sabendo-se dos testamentos, não era necessário qualquer escritura de doação, para ser beneficiada.

    17°. Só por estes factos, deveria, o Tribunal da Relação do Porto, ter seguido a vertente assente no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, através desta fundamentação.

    18°. Ainda nesta parte, fundamenta-se (transcreve) ainda a Relação do Porto com o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça a 24 de Novembro de 2003 (proc. n. 04B1452), nomeadamente no único paragrafo que refere a usura nos testamentos, ou seja, ..."Ou então, atenta a natureza genérica do art. 282° (negócios usurários) aplicável a qualquer tipo de negócio jurídico, designadamente aos negócios jurídicos unilaterais como é o caso das disposições testamentárias, ficarão sujeitos à anulabilidade advinda do facto de terem explorado a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter do testador para deste obterem a concessão de benefícios excessivos ou injustificados".

    19°. Nada nos é referido quanto ao caso em concreto nos nossos autos, nomeadamente uma situação de uma pessoa que mentalmente estava bem, que sabia o que queria, mas que, por ter decidido instituir sua herdeira (sem sabermos de que herança e qual o seu valor) a recorrente e, infelizmente, passado quase dois anos, a testadora veio a falecer e, o Tribunal quer...

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