Acórdão nº 2303/08.7TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução07 de Junho de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]: “AA – TRANSACÇÕES IMOBILIÁRIAS, LDA”, com a atual denominação de “BB – Investimentos Imobiliários, S.A.”, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra “Rede Ferroviária Nacional Refer – EP”, pedindo que, na sua procedência, a ré seja condenada, em alternativa, a celebrar a escritura, sob a égide da execução específica [a] a devolver à autora o dobro do que esta prestou, mais os €250.000,00, mencionados, supra, em 202 e 203 (custos que a autora teve de suportar, ao nível dos projectos, das taxas municipais e de tudo o mais que despendeu na prossecução dos dois processos de licenciamento incidentes sobre o decorrente prédio urbano), tudo acrescido de juros de mora, à taxa máxima legal, agora e no futuro, desde a citação e até pleno cumprimento, alegando, para tanto, em síntese, que celebrou com a ré, no dia 2 de março de 1996, um contrato–promessa, no qual esta prometeu vender uma parcela de terreno, com a área de 8.119m2, que, apesar de só incluir bens imóveis não adstritos ao serviço público ferroviário, estava afeta ao domínio público, mas cuja desafetação e inscrição no registo predial a ré ficou incumbida de realizar, de acordo com o clausulado do mesmo contrato, e a autora prometeu comprar, pelo preço de 200.000.000$00.

Mais ficou a ré obrigada a promover a desocupação das casas de função na parcela de terreno, sendo que, decorrido um ano contado da data da assinatura do contrato sem que aquelas condições ocorressem, o contrato caducaria, automaticamente, com a obrigação de devolução, em singelo, da quantia entregue pela autora, salvo se esta manifestasse, de forma expressa, a sua vontade de manutenção do contrato, e, caso ainda assim, no prazo de um ano, após esta manifestação, não se verificassem as condições de eficácia, operar-se-ia a caducidade automática do contrato.

Tendo a ré logrado a desafetação do domínio publico e a inscrição no registo predial, não procedeu à desocupação das casas de função, antes de decorridos os aludidos prazos de caducidade, não obstante, mesmo assim, as partes terem decidido pela prossecução do contrato, sendo que as diversas reuniões e correspondência mantidas traduzem esta conduta das partes, tal como todas as diligências desenvolvidas, em ordem à desocupação das casas de função, que culminaram com a saída dos seus ocupantes, em finais de Maio, inícios de Junho de 2008.

No entanto, a ré, apesar de desonerada de promover a referida desocupação, acabou por responder à autora, declarando não aceitar que a desocupação fosse concedida, através da entrega de dinheiro pela autora aos funcionários da REFER, recusando-se a celebrar a escritura.

Na contestação, a ré invoca, em suma, a excepção de incompetência do tribunal, em razão da matéria, arguindo ainda a exceção de caducidade, por se mostrarem ultrapassados os prazos que o contrato-promessa previa, a menos que ocorresse manifestação de interesse, por parte da ré, na manutenção do contrato, antes do decurso do prazo de caducidade, o que não aconteceu.

Na réplica, a autora defende a improcedência das exceções de incompetência e de caducidade.

No despacho saneador, foi julgada improcedente a exceção de incompetência, em razão da matéria, e foi relegado para momento ulterior a apreciação e decisão da exceção de caducidade.

A sentença “decid(e-se)iu, na procedência da excepção peremptória de abuso de direito, na modalidade de «venire contra factum proprium» e parcial procedência desta acção, declarar resolvido o contrato-promessa celebrado entre a Autora BB – Investimentos Imobiliários, SA, ex AA – Transacções Imobiliárias, Lda. e a Ré Rede Ferroviária Nacional Refer – EP., e, consequentemente, condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de € 1.447.115,00, acrescida de juros à taxa legal”.

Desta sentença, a ré interpôs recurso de apelação independente e a autora recurso de apelação subordinado, tendo o Tribunal da Relação decidido, “na procedência da excepção peremptória de abuso de direito, na modalidade de «venire contra factum proprium» e parcial procedência desta acção, [1.] declarar resolvido o contrato-promessa celebrado entre a Autora BB – Investimentos Imobiliários, SA, ex AA – Transacções Imobiliárias, Lda. e a Ré Rede Ferroviária Nacional Refer – EP., e, consequentemente, condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de €1.197.115,00, acrescida de juros de mora vencidos, à taxa legal sucessivamente vigente, nos termos previstos no art.º 559.º do CC, ex vi art.º 102.º § 2.º do Cód. Comercial, desde a citação da ré, em 02-09-2008, até efectivo e integral pagamento; e [2.] condenar a ré a pagar à autora a quantia que se vier a liquidar relativa a compensação dos valores despendidos pela Autora e constantes dos pontos 17, 31, 33 e 54, até ao limite de € 250.000,00”.

Deste acórdão da Relação de Lisboa, a ré interpôs agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, na parte em que condena a ré no pagamento de indemnização adicional à autora, a liquidar, com o limite de €250000,00, formulando as seguintes conclusões que, parcialmente, no segmento que ainda interessa considerar para o julgamento do objeto da revista, se transcrevem: 1ª – (18a) Relativamente ao recurso de apelação subordinado da A. e que o acórdão recorrido julgou procedente revogando-se a decisão de 1a instância, decidiu-se que, por existir abuso de direito por parte da R. recorrente, está a mesma obrigada ao pagamento dos investimentos realizados pela A. no pressuposto da celebração do contrato de venda, a liquidarem momento ulterior.

  1. – (19ª) Ora, desde logo, a matéria apurada é totalmente omissa a esse respeito, nada se tendo apurado ou provado a esse propósito, pelo que se trata aqui de uma condenação sem fundamento nos factos provados.

  2. – (20ª) Além disso as partes não estipularam qualquer indemnização em caso de incumprimento contratual, pelo que não poderia a A. receber mais do que o sinal em dobro, tendo, assim, a decisão recorrida violado o disposto no artigo 442 n° 4 do C. Civil.

  3. – (21ª) Além de, da matéria provada, não poderia a A. deixar de ter incerteza quanto à realização da escritura, pelo que a sentença recorrida ao determinar que a recorrente tem de indemnizar a A., além da devolução do sinal em dobro, violou os artigos 227, 334 e 442 n° 2 e 4 do C. Civil.

Nas suas contra-alegações, a autora defende que deve ser rejeitado o recurso ou, caso assim se não entenda e, em qualquer circunstância, deve ser negado provimento ao mesmo, mantendo-se o acórdão recorrido.

O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2, do Novo Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz: 1. A autora dedica-se à compra, venda e construção de imóveis.

  1. A ré tem por objeto a gestão da parte imobiliária da rede ferroviária portuguesa.

  2. A CP-Caminhos de Ferro Portugueses, E.P. (“CP”) tinha, sob sua jurisdição, uma parcela de terreno, localizada em …, com a área total de 8.119 m2, que, apesar de só incluir bens imóveis não adstritos ao serviço ferroviário, estava afeta ao domínio público.

  3. Para além da aludida afetação, a referida parcela estava livre de quaisquer ónus ou encargos.

  4. A “CP”, através da INVESFER-Promoção e Comercialização de Terrenos e Edifícios, S.A. (“INVESFER”), apresentou à Câmara Municipal de … (“CM…”) um Pedido de Informação Prévia, nos termos do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro.

  5. O qual foi aprovado por aquela Edilidade, através do ofício n.º …547, de 09/05/95.

  6. “CP” e a autora., em 1996-03-02, outorgaram um contrato, por força do qual aquela prometeu vender a esta, que prometeu comprar, a referida parcela, pelo preço de 200.000.000$00, através da subscrição do documento junto, sob o nº 5, a fls. 64 e segs.

  7. E sob as seguintes condições: «a) A Promitente Vendedora vai solicitar a desafectação do domínio público da parcela de terreno identificada, através do Despacho Conjunto dos Ministros das Finanças e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações; b) Obtido o despacho mencionado no número Um anterior e de acordo com a previsão do artigo 1.º do diploma citado, a Promitente Vendedora, ao abrigo do disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 269/92, promoverá a inscrição matricial e a descrição predial do imóvel que nele vier a ser identificado; c) A CP promoverá a desocupação das casas na parcela de terreno identificada, para que a mesma possa ser transmitida livre de pessoas e bens».

  8. E sujeito a prazos sucessivos de caducidade: «d) A plena eficácia do presente Contrato-Promessa depende, cumulativamente, do acto de desafectação do domínio público ferroviário, nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 269/92, de 28 de Novembro, e dos actos a que se referem os números Dois e Três da Cláusula Segunda; e) A não verificação no prazo de 12 (doze) meses, contados da data da assinatura do presente Contrato-Promessa, da condição referida no número anterior, determina a caducidade automática deste instrumento, sem necessidade de qualquer declaração judicial, com a obrigação da devolução em singelo, pela Promitente Vendedora, da quantia recebida correspondente ao pagamento referido na Cláusula Quarta, salvo se a Promitente Compradora manifestar de forma expressa a sua vontade de manutenção do Contrato; f) Não se verificando as condições de eficácia, e tendo decorrido doze meses sobre a manifestação de vontade a que se refere o número anterior, operar-se-á a caducidade automática do presente Contrato, nos mesmos termos nele previstos;».

  9. Todas as condições estavam a cargo da “CP”.

  10. Quanto às duas primeiras – alíneas a) e b) – a “CP”, depois de ter sido atendida a desafetação da referida parcela do domínio público, em 1997-04-11, através de despacho ministerial, promoveu as atinentes inscrição matricial e descrição predial.

  11. Esta última aconteceu...

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