Acórdão nº 487/16 0YRLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelMANUEL AUGUSTO DE MATOS
Data da Resolução29 de Junho de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I – RELATÓRIO 1.

O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa promoveu o cumprimento do Mandado de Detenção Europeu, doravante MDE, emitido em 12 de Janeiro de 2016 por autoridade judiciária de Espanha - Juiz do Jusgado Central de Instruccion n.º 5 de Madrid – para procedimento criminal no âmbito do Processo n.º 64/2015-H, contra o agora recorrente, AA.

  1. O MDE foi igualmente inserido no Sistema de Informações de Schengen – SIS, tendo o procedimento criminal a correr termos em Espanha por objecto factos que, segundo a legislação espanhola, integram associação criminosa e branqueamento de capitais, crimes puníveis com pena de prisão superior a 12 meses.

  2. Procedeu-se à audição do detido, nos termos do disposto no artigo 18.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, tendo o mesmo declarado não consentir na execução do MDE e na consequente entrega às autoridades espanholas, nem renunciar ao benefício do princípio da especialidade.

    Conforme consta do auto de audiência (fls. 61-64) após terem sido explicadas ao então detido as razões da sua detenção, foi «elucidado sobre a existência de Mandado de Detenção Europeu e o seu conteúdo».

    Requereu a concessão do prazo de cinco dias para a preparação da defesa e apresentação de meios de prova, o que foi deferido, tendo sido concedido tal prazo para apresentar a sua oposição, nos termos do disposto no artigo 21.º, n.º 4, da Lei n.º 65/2003.

    Por despacho então proferido pela Ex.ma Desembargadora, a detenção efectuada foi validada, «com base na indicação inserida no SIS e no MDE por ter sido efectuada ao abrigo do disposto no art. 1.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto».

    Foi ainda determinada a sujeição do requerido a prestação de TIR e apresentações quinzenais na área da PSP da sua residência.

  3. O detido deduziu oposição à execução do mandado, apresentando os seguintes argumentos, assim condensados no acórdão recorrido: «- esteve detido 40 horas sem saber a razão e sem poder comunicar com a família; - quando foi interrogado não lhe foi dito quais as penas aplicáveis aos crimes por que vem indiciado nos termos do disposto no art. 2º, nº 1 da Lei 65/2003 de 23.08, nem dele constam os requisitos enunciados no art. 3º, nº 1, alínea e) da mesma Lei, pelo que o Mandado é nulo e impede a sua cabal defesa quanto aos fundamentos de recusa obrigatória ou facultativa; - esteve envolvido na BB, participando em algumas reuniões de grupo que foram sempre realizadas em Portugal e sobretudo na Madeira, não tendo poderes de representação da BB ou de outra sociedade e não tendo tido qualquer contacto com cidadãos espanhóis; - não obstante o Mandado de Detenção Europeu ser executado com base no princípio do reconhecimento mútuo, a sua execução deve ser assegurada com respeito pelos direitos, liberdades e garantias individuais, pelo que deve o Estado Português exigir a prestação de mais esclarecimentos quanto às circunstâncias das infracções alegadamente cometidas; - verificam-se causas de recusa facultativa da execução do Mandado: as previstas nas alíneas c), h)i e h)ii, do nº 1 do art. 12º da Lei 65/2003 de 23.08; - as autoridades espanholas devem prestar a garantia referida no art. 13º, nº 1, alínea b) da Lei 65/2003 de 23.08.» O requerido arrolou testemunhas visando provar nunca ter tido contacto, profissional ou de outra natureza, com o território espanhol ou com cidadãos espanhóis, tendo sido indeferida essa audição.

  4. O Ministério Público apresentou resposta à oposição, sustentando que não se verificam quaisquer erros ou imprecisões e que o Estado requerido não tem que fazer qualquer análise de pormenor sobre os factos alegadamente praticados pelo arguido porque no MDE há que ter em consideração apenas a sua conformidade legal, visto que o mesmo se rege por um critério de suficiência e que o desconhecimento dos factos ou o alegado não cometimento dos mesmos não constitui fundamento de oposição. Conclui que não há motivo para negar a cooperação.

  5. Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17 de Maio de 2016, foi decidido julgar improcedentes os fundamentos à oposição e, verificados os pressupostos legais deste MDE, determinar a entrega de AA às autoridades judiciárias de Espanha, ficando a entrega sujeita à prestação por tais Autoridades da garantia consignada no artigo 13.º, alínea c), da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto.

    Consta desse acórdão, em sede de fundamentação: «Da documentação junta aos autos, nomeadamente do teor do MDE e do TIR já prestado pelo arguido, resulta que: a) em 12.01.2016, pelo Mmo. Juiz do Jusgado Central de Instruccion nº 5 de Madrid, foi emitido um Mandado de Detenção Europeu contra o ora requerido, AA, de nacionalidade portuguesa; b) este Mandado de Detenção Europeu solicita a detenção e entrega (para fins de procedimento criminal) do ora requerido no âmbito do processo nº 64/2015-H, onde é investigado por delitos praticados, pelo menos até 2014, de fraude e associação criminosa, crimes a que cabe pena de prisão até 6 anos e 8 anos, respectivamente, e que são p. e p. pelos arts. 248º e 570º, todos do Cód. Penal espanhol; c) do Mandado de Detenção Europeu em causa consta que o crime principal em investigação consiste numa fraude em pirâmide em que um grupo de pessoas (investidores) adquire um produto através de uma empresa intermediária a quem pagam determinada quantia em dinheiro, sendo esse produto utilizado por outras pessoas ou empresas que pagam por esse serviço uma quantia à empresa intermediária e uma pequena parte (benefício) aos primeiros adquirentes. Mais consta que o engano consiste em que o produto adquirido não existe nem as pessoas ou empresas que o utilizariam e pagariam pelo seu serviço, ficando a empresa intermediária com o dinheiro dos investidores. E que estas condutas são levadas a cabo por um conjunto de pessoas perfeitamente estruturadas e integradas no seio de uma organização. Também consta que esta fraude terá atingido 10.572 pessoas em pelo menos 33 países e envolvendo quantia superior a 22 milhões de euros; d) e consta que a fraude foi também realizada através de empresas espanholas e portuguesas, uma das quais a BB; e) e consta que o requerido está vinculado à BB com funções de publicidade, orador e captador de sócios em eventos a favor da BB, tendo relações com os arguidos CC (presumível chefe do grupo) e DD (líder da BB); f) o requerido é cidadão português e reside na ilha da Madeira.

    * O Mandado de Detenção Europeu (MDE) é um instrumento de cooperação judiciária entre autoridades judiciárias dos Estados membros da UE que visa a detenção e entrega por um Estado membro de uma pessoa procurada por outro Estado membro, que emite o mandado, para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade (art. 1º da Lei 65/2003 de 23.08).

    Trata-se de um procedimento em que a cooperação se faz directamente entre as autoridades judiciárias dos Estados membros sem qualquer intervenção do poder executivo e que é executado com base no princípio do reconhecimento mútuo que, por sua vez, assenta na ideia de confiança mútua entre os Estados membros da UE, em conformidade com o disposto naquela Lei e na Decisão Quadro nº 2002/584/JAI, do Conselho, de 13.06).

    O princípio do reconhecimento mútuo significa, segundo Ricardo Jorge Bragança de Matos (“O Princípio do Reconhecimento Mútuo e o Mandado de Detenção Europeu, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 14, nº 3, p. 327 e 328) que uma decisão judicial tomada por uma autoridade judiciária de um Estado membro com base na sua legislação interna será reconhecida e executada pela autoridade judiciária de outro Estado membro, produzindo efeitos pelo menos equivalentes a uma decisão tomada por uma autoridade judiciária nacional. Não obstante, o Mandado de Detenção Europeu está sujeito a uma reserva de soberania que, em alguns casos impõe ao Estado Português a recusa de execução do mandado (art. 11º) e noutros lhe permite que o faça (art. 12º).

    Em causa está um Mandado de Detenção para a detenção e entrega por Portugal de uma pessoa procurada em Espanha (Estado que emite o mandado), para efeitos de procedimento criminal. Este Mandado é emitido por autoridade judiciária – o Exmo. Juiz do Jusgado Central de Instruccion nº 5 de Madrid – por crimes pertencentes ao catálogo dos crimes previstos no nº 2 do art. 2º da Lei 65/2003, (concretamente, as alíneas a) e h) o que dispensa o controlo da dupla incriminação.

    Não se verifica nenhuma das causas de recusa obrigatória do Mandado de Detenção Europeu previstas no referido art. 11º.

    Alega o requerido que esteve detido 40 horas sem saber a razão e sem poder comunicar com a família.

    Nos termos do nº 1 do art. 17º da Lei 65/2003 de 23.08, “a pessoa procurada é informada, quando for detida, da existência e do conteúdo do mandado de detenção europeu, bem como da possibilidade de consentir em ser entregue à autoridade judiciária de emissão”. Desconhecemos se tal informação foi ou não prestada pelos Inspectores da Polícia Judiciária que procedeu à detenção, mas de qualquer forma não é da competência do Tribunal aquilatar de tal questão.

    Nos termos do nº 3 do art. 18º da mesma Lei, “o juiz relator procede à audição do detido, no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção, e decide sobre a validade e manutenção desta, podendo aplicar-lhe medida de coacção prevista no Código de Processo Penal”. Ora se, como alega, o requerido foi ouvido no prazo de 40 horas, não houve qualquer ilegalidade.

    Alega também o requerido que quando foi interrogado não lhe foi dito quais as penas aplicáveis aos crimes por que vem indiciado, como prevê o disposto no art. 2º, nº 1 da Lei 65/2003 de 23.08.

    Nos termos da citada disposição legal, “o mandado de detenção europeu pode ser emitido por factos puníveis, pela lei do Estado membro de emissão, com pena ou medida de segurança privativas da liberdade de duração máxima não inferior a 12...

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