Acórdão nº 704/10.0PVLSB-I.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelSOUSA FONTE
Data da Resolução01 de Junho de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça 1. Relatório 1.1 AA, cidadão [ ...] , foi condenado, por acórdão de 24.01.2012, da ... Vara Criminal de Lisboa, como autor de um crime de homicídio qualificado, na pessoa de seu pai, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, alíneas a) e e) , do CPenal, na pena de 25 anos de prisão.

Dessa decisão interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, pelo acórdão de 18.07.2012 (fls. 187 e segs.), reduziu aquela pena para 22 anos de prisão e confirmou, no mais, o acórdão recorrido.

Ainda inconformado, interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que, pelo acórdão de 05.12.2012 (fls. 259 e segs.), confirmou o acórdão da Relação.

Interpôs ainda recurso para Tribunal Constitucional que foi rejeitado pelo acórdão de 05.03.2013 (fls. 289 e segs.).

1.2.

Em 21.11.2014 interpôs recurso extraordinário de revisão ao abrigo da alínea d) do nº 1 do artº 449º do CPP, alegando, em síntese, «que … tomou agora conhecimento da existência de uma testemunha, de nome BB que eventualmente afirma ter conhecimento direto e participação nos fatos» – o que «constitui elemento probatório de relevo … [e] demonstrará que o que se deu como provado … não aconteceu ou aconteceu de forma diferente». E terminou, pedindo: a) que fosse inquirido o referido BB; b) que fosse efectuada perícia ao veículo “Smart Fortwo «com recurso à mais recente aplicação informática de análise de sinistros automóveis PC Crash – a realizar por entidade doutamente a fixar».

Pelo acórdão de 27.05.2015, da 3ª Secção, fls. 190 e segs. do respectivo apenso, o Supremo Tribunal de Justiça negou a revisão, considerando: a) quanto à perícia, que, «estando a viatura apreendida nos autos, não se trata de um meio de prova novo. … Se entendia que era importante para a sua defesa a perícia, poderia tê-la requerido no inquérito ou mesmo na audiência de julgamento»; b) quanto à indicada testemunha, que «é … manifesta a carência de fundamento do pedido … [pois] o recorrente não justifica por que só agora tomou conhecimento da existência dessa “testemunha”…. E nada diz sobre o que ela pode trazer de novo ao conhecimento dos factos apurados na audiência». 1.3.

Vem agora interpor um segundo recurso extraordinário de revisão invocando novamente a alínea d) do nº 1 do artº 449º do CPP, nos termos seguintes: «… II Acontece que agora se descobriram novos factos e meios de prova que suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação por permitirem concluir que a realidade não foi aquela.

Efetivamente, o adido da administração interna junto da embaixada da ... em Portugal fez saber que um determinado indivíduo, atualmente residente naquele país, atropelou gravemente uma pessoa, com todas as caraterísticas do malogrado pai do condenado, exatamente naquele dia, no mesmo local.

Segundo esta informação, o autor do atropelamento não foi, assim, o condenado, mas sim uma outra pessoa, de naturalidade ... e que presentemente se encontra no seu país de origem.

Acontece que este elemento apenas foi dado a conhecer ao condenado após o trânsito em julgado, mediante incorporação do respetivo expediente no processo, designadamente de uma informação da polícia judiciária, constante de fls 2912, subscrita por CC, elemento desta corporação, que muito bem realça que os elementos enviados pela PSP não incluíam este dado novo.

Cabe indagar por que motivo importa apreciar, enquanto meio de prova, o documento que comunica tais factos às autoridades portuguesa e por que razão há que ouvir BB, como testemunha.

Foi dado como provado que DD foi atropelado a 25 de Outubro de 2010, pelas 21h35m, na Alameda Cardeal Cerejeira.

Agora, segundo o documento surgido, há uma pessoa que surge como o condutor do automóvel.

A este documento acrescem outros três com ele conexos: comunicação à inspeção-geral da polícia ..., comunicação ao advogado ... que representa o Sr. BB e comunicação ao gabinete da Interpol.

De notar que nunca o condenado admitiu, confessou ou reconheceu ter cometido os factos, pelo que tem de ser tida como incorreta qualquer menção que possa constar desses documentos, que seja suscetível de ser interpretada nesse sentido.

Não se pode dissociar a qualidade de condutor com a do agente que praticou os factos, ou seja, o autor do ilícito.

A ética, a moral, a cortesia e o direito fazem recair sobre o condutor a responsabilidade sobre os factos provocados pelo veículo que dirigem.

Do ponto de vista ético, os meios de transporte, nas vias romanas percorridas mediante tração animal, nos mares sulcados pelos bravos navegadores, nas vias férreas em que assentavam as velhas locomotivas a vapor e nos céus rasgados pelas aeronaves dos gloriosos heróis da aviação, sempre obedeceram aos princípios de que o indivíduo a comandar o veículo toma a seu cargo as decisões sobre a trajetória que imprime ao mesmo, assumido as consequências, desejadas ou não, das suas resoluções.

Moralmente, as estradas construídas com o advento do automobilismo impuseram a doutrina de que o volante fica nas mãos do condutor, a quem compete estatuir como o mesmo se desloca, cabendo-lhe o ónus de se responsabilizar pelos resultados da sua circulação.

A cortesia e a boa educação determinam que ao motorista cabe o compromisso de não enjeitar os efeitos da sua condução.

Legalmente, numa perspetiva jurídica, o Direito estabelece que todo o veículo tem um condutor que se deve abster da prática de quaisquer atos que sejam suscetíveis de prejudicar o exercício da condução com segurança, sendo sua a responsabilidade pelo cometimento de infrações e incumbindo-lhe proceder ao transporte de modo que não comprometa a segurança da condução.

A este propósito, é mister inquirir, como testemunha, EE, superintendente-chefe das autoridades policiais romenas, em funções diplomáticas em Portugal, como responsável pela administração interna, e que estabeleceu os contactos com o Ministério Público do seu país e encaminhou as instruções fornecidas pelo procurador da república junto do tribunal de .... Quando foi proferida a sentença condenatória, e os posteriores acórdãos decorrentes de recursos ordinários, o condenado ignorava a existência desta pessoa e, aliás, o referido EE desconhecia ter havido um atropelamento no 25 de Outubro de 2010 assim como não sabia que o ministério público romeno investigava tal ocorrência e pretendia contactar as autoridades portuguesas.

III O veículo que se encontrava frequentemente na garagem do prédio habitado pelo condenado, e que está apreendido à ordem dos autos, é efetivamente uma viatura Smart, de cor preta, descapotável, com tejadilho flexível baço.

Porém, não é um carro reluzente nem tão-pouco pertence ou pertenceu ao condenado.

Essa viatura não foi a que atingiu o malogrado ofendido.

Aliás, uma testemunha (FF) referiu que o veículo que atropelou o infeliz DD era do modelo Smart mais recente, já posterior ao restyling, enquanto que o veículo apreendido nos autos é do modelo anterior, sem o referido restyling. Contudo, o tribunal do julgamento, segundo a sua livre convicção, entendeu que tal pormenor não assumia relevância, visto que os factos ocorreram de noite.

O automóvel apreendido apresenta algumas deformações resultantes de embates, mas não causadas no dia em que o infeliz foi atropelado.

Tratavam-se de estragos muito anteriores, resultantes aliás da utilização normalmente dada à viatura, no âmbito do objeto da sociedade comercial que é proprietária do veículo. É uma empresa que visa proporcionar experiências únicas a cidadãos estrangeiras temporariamente em Portugal, incluindo atividades desportivas em praias e em locais que forçam à utilização de estradas e caminhos que não se encontram asfaltados.

Os danos não são compatíveis com os ferimentos causados ao finado.

O carro foi realmente objeto de orçamento para reparação em 13 de setembro de 2010, em virtude dos estragos pré-existentes e causados pela utilização que lhe era dado nessas estradas e nesses caminhos sem asfalto, de terra e macadame, pelo que este orçamento coloca em crise a convicção do tribunal segundo a qual trataram-se de danos causados no dia dos factos.

Estas circunstâncias chegaram agora ao conhecimento do condenado através de GG, único sócio e gerente da sociedade proprietária do veículo, que tinha uma relação muito próxima com o condenado, esbatida com a prisão do condenado, que assim se viu afastado deste indivíduo, tendo agora retomado algum contacto com o mesmo. O orçamento foi pedido e entregue a GG, que somente agora comunicou ao condenado tal facto, pelo que se configura como novo elemento.

Relativamente a esta questão, é vital ouvir a testemunha HH, que prestou depoimento no julgamento, mas que agora importa inquirir a propósito das sucessivas amolgadelas que o veículo em causa foi sofrendo, muito antes da morte do pai do condenado.

De igual modo, é essencial inquirir o Sr. II, em cuja oficina o veículo foi assistido.

E inaplicável o nº 2 do artigo 453º do CPP, mesmo quanto à testemunha GG. Este foi ouvido em sede de inquérito, logo a 27 de outubro de 2010 (fls 52). Na acusação, o Ministério Público arrolou-o como testemunha (fls 403). Só não foi ouvido no julgamento, por então se encontrar em parte incerta, certamente fora de Portugal.

Estes aspetos podem, presentemente, ser esclarecidos mediante perícia com recurso a rotinas informáticas agora existentes no instituto superior técnico e na guarda nacional republicana e que não estavam disponíveis aquando do trânsito em julgado, que terá o seguinte objeto: - os estragos verificados nos componentes do veículo de matrícula ...-JM -... são compatíveis com os ferimentos sofridos por DD? Estes novos elementos são suscetíveis de abalar seriamente a apreciação da prova produzida em sede de julgamento.

IV É verdade que o condenado já interpusera anteriormente recurso extraordinário de revisão mencionando a necessidade de ser inquirido BB. Porém tal recurso não foi admitido por ter sido decidido que a indicação desta...

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