Acórdão nº 1707/14.OJAPRT de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelPIRES DA GRAÇA
Data da Resolução01 de Junho de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça _ Como consta do relatório do acórdão recorrido: Nos autos de processo comum com intervenção do tribunal colectivo que correram termos pela Secção Criminal – J1 da Inst. Central de Vila Real, foi o arguido AA, por decisão de 14/07/2015 (fls. 906 a 974), condenado pela prática de um crime de homicídio p. p. pelo ar.º 131º do Código Penal (a partir de agora, apenas designado por CP), crime a que acresce a agravante p. no art.º 86º n.ºs 3 e 4 da L. 5/2006, de 23/02, na pena de 18 anos de prisão, e a pagar aos demandantes civis BB, CC, DD e EE as quantias respectivas de 96.200,00, 38.400,00, 30.000,00 e 30.000,00 euros, a título de indemnização civil pelos prejuízos sofridos com a morte da vítima.

Deste douto acórdão interpôs o arguido recurso (fls. 987 a 1096), no qual, e nas suas conclusões (pelas quais se afere o âmbito do recurso): Alega não se conformar com a pena que lhe foi aplicada, designadamente porque o crime não deveria ter sido agravado nos termos do art.º 86º n.ºs 3 e 4 da Lei das Armas, sustentando que lhe deveria ter sido aplicada uma pena de 13 anos de prisão, face às atenuantes que a seu favor militam, nem com parte da indemnização civil arbitrada. Alega ainda haver erro de julgamento nas matérias de facto provada e não provada, concretamente nos n.ºs 3, 4, 6, 7, 9, 12, 16, 17, 30 e 36 da primeira e nos pontos 3 e 5 da segunda, face à ausência de prova de algumas das primeiras, designadamente pela ausência do filho menor da vítima, às suas declarações e aos depoimentos das testemunhas FF, BB, bem como a prova documental junta aos todos, tal como, a indicação das comunicações das chamadas que a vítima fez para si de fls. 261 a 307, as fotografias de fls. 204 a 206, os registos fotográficos realizados pela P.J. (fls. 61), fls. 477, 478 e 482, o auto de noticia de fls. 92, a informação da S.S. de fls. 728 a 731, e os documentos de fls. 23, 24 e 939, que comprovam que era titular de licença de uso e porte de arma. Acrescenta ter o filho da vítima prestado declarações completamente contraditórias entre si (as lidas em audiência de fls. 189 a 191 e as prestadas na mesma diligência).

Quanto às indemnizações civis arbitradas põe em causa o montante de 54.600,00 euros, sendo 46.200,00 euros para o filho menor e 8.400,00 euros, a título dos alimentos perdidos com a morte da mãe, por não se ter apurado o vencimento mensal que esta auferia, e sem conceder, alega serem aqueles montantes excessivos, além de superiores ao pedido, por no pedido ter sido considerado o montante mensal de 200,00 euros, enquanto no acórdão recorrido se considerou o de 300,00 euros, e de não ter sido tomada em conta a sua situação económica, pelo que, aquele montante indemnizatório deveria ter sido fixado no máximo de 31.200,00 euros.

Por fim, insurge-se quanto ao perdimento a favor do Estado das armas e munições apreendidas, por as mesmas serem legais e não terem sido usadas na prática do crime de homicídio cometido, sustentando que as mesmas lhe devem ser entregues, e acrescenta estar o acórdão recorrido afectado do vício do erro notório na apreciação da prova.” _ O Tribunal da Relação de Guimarães, que por seu acórdão de 11 de Janeiro de 2016, decidiu “julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguidoAA, e consequentemente, mantendo no mais o acórdão recorrido, em alterar: 1 - O facto provado 36º, do qual se ordena a expurgação da expressão “sendo que o demandado bem sabia da sua presença no local”.

2 - A pena que foi aplicada ao arguido em 1ª instância para 14 anos de prisão.

3 - As indemnizações arbitradas aos demandantes civis BB e CC, a título de alimentos perdidos com a morte da sua falecida mãe, em respectivamente, 26.400,00 e 4.800,00 euros.

Sem custas, quanto à parte crime, e quanto à parte cível, na proporção do decaimento, que deve ser aferido pelos montantes fixados àquele título pelo tribunal de 1ª instância.” _ Inconformados com a decisão do Tribunal da Relação, dela recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça: -O Ministério Público, através da Exma Procuradora da República, que, conclui a motivação de recurso, com as seguintes conclusões: “1. O douto acórdão recorrido, na procedência parcial do recurso interposto pelo arguido da decisão proferida pelo Tribunal da 1ª instância, reduziu a pena de 18 anos de prisão em que havia sido condenado, pela prática de um crime de homicídio simples agravado, p. e p. pelos arts. 131º do Cód. Penal e 86º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, para 14 anos de prisão, com fundamento na alteração da matéria de facto que efectuou, o que se traduzia numa diminuição da sua culpa, e de não ter considerado como agravante a circunstância de o arguido ser casado e com família constituída.

  1. Assim, considerando todas as atenuantes que militavam a favor do arguido, designadamente o facto de não se ter apurado se sabia que o menor estava com a mãe, no momento em que disparou o projéctil mortal contra a mesma, e de à data dos factos se encontrar em tratamento psicológico a depressão (conforme resulta de fls. 174 a 176), o Tribunal recorrido entendeu mais adequada, proporcionada e justa a pena de 14 anos de prisão, por só esta não exceder a culpa daquele, designadamente face às mitigadas razões de prevenção especial que no caso militam.

  2. No entanto, a alteração da matéria de facto operada por este Tribunal da Relação incidiu sobre a matéria civil, pelo que não tem qualquer relevância para efeitos da decisão de direito quanto à matéria penal, nomeadamente quanto à medida da pena.

  3. Por outro lado, apesar de o facto de o arguido ser casado e de a vítima ser outra mulher, que matou por ciúmes, não importar qualquer violação dos deveres impostos ao agente, relevante para efeito da culpa, nos termos da alínea a) do n.º 2 do art. 71º do Cód. Penal, verificam-se, no caso concreto, outras circunstâncias agravantes, sendo a ilicitude da sua conduta e a sua culpa muito elevadas, tal como entendeu o Tribunal de 1ª instância.

  4. A doutrina e a jurisprudência têm vindo a entender que, primordialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, face ao caso concreto, devendo pena deve ser fixada dentro de uma moldura limitada, no máximo, pelo ponto óptimo da satisfação das necessidades de prevenção geral positiva e das expectativas comunitárias, sem ultrapassar a culpa do agente, e, no mínimo, pela medida ainda ajustável àquelas necessidades, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr em causa a sua função tutelar, sendo as exigências de prevenção especial que ditarão a pena concreta.

  5. No caso em apreço, atenta a matéria de facto dada como provada e os factores de medida da pena de carácter geral, relevantes para efeito da culpa ou da prevenção, enumerados no n.º 2 do art. 71º do Cód. Penal, é muito intensa a culpa do arguido, que agiu com dolo directo, merecedora de um elevado grau de censura e de reprovação, o que permite fixar o limite máximo da pena concreta consentido pela culpa próximo do limite máximo previsto no tipo do crime (art. 40º, n.º 2, do Cód. Penal), sendo, por seu lado, elevadíssimas as exigências de prevenção geral.

  6. Com efeito, o grau de ilicitude do facto é muito elevado, já que o arguido foi à residência da vítima GG munido de um revólver devidamente municiado e apto a ser disparado, tendo batido à porta, dizendo que pretendia falar com ela e, como a mesma não lha tivesse aberto, em virtude de esta estar trancada por fora, decidiu, logo, tirar-lhe a vida.

  7. E quando a vítima, que estava na tranquilidade do seu lar, abriu, confiante, em alternativa à porta, a portada da janela, o arguido aproximou-se da janela e disparou sobre a mesma, sobre o peito, apanhando-a completamente desprevenida e não lhe dando quaisquer hipóteses de defesa.

  8. Além do mais, apesar de ter ficado ciente de que a atingira mortalmente, o arguido fugiu, de imediato, do local, deixando a vítima abandonada à sua sorte.

  9. Acresce que era de noite e a vítima vivia numa casa isolada só na companhia dos seus filhos menores, de 16 e 7 anos de idade, o que era do conhecimento do arguido, apenas estando em casa, na altura, o seu filho de 7 anos de idade, que viu a sua mãe a perder a vida sem que conseguisse obter o socorro que se impunha.

  10. O motivo que determinou o arguido foi o ciúme, o sentimento de posse que sentia pela vítima GG, que o levou a não aceitar que esta tivesse posto fim à relação amorosa que mantinha consigo e tivesse iniciado novo relacionamento com outro homem.

  11. O arguido demonstrou, assim, um enorme desprezo pela vida da vítima, pela qual não teve a mais pequena parcela de misericórdia, tendo-a matado de forma fria e abandonado à sua sorte, denotando indiferença pelas consequências do seu acto e revelando uma personalidade mal formada, não conforme ao direito.

  12. Por outro lado, o arrependimento posterior sentido pelo arguido, considerado como circunstância atenuante pelo Tribunal, não se concretizou em quaisquer actos, nomeadamente na reparação dos lesados, pelo que tem pouco relevo para o efeito.

  13. E apesar de o arguido não ter antecedentes criminais e de ter boa inserção socioprofissional, não são despiciendas as exigências de prevenção especial, atenta a sua personalidade, que resulta dos factos dados como provados, a carecer de socialização, sendo certo que a circunstância de o arguido à data dos factos se encontrar em tratamento psicológico a depressão, considerada no douto acórdão recorrido como atenuante, não consta da matéria de facto dada como provada.

  14. Assim, pese embora as considerações de índole moral tecidas no acórdão da 1ª instância, a pena 18 anos de prisão em que o arguido fora condenado, pela prática de um crime de homicídio simples agravado, p. e p. pelos arts. 131º do Cód. Penal e 86º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, cuja moldura abstracta é de 10 anos e 8 meses a 21 anos e 4...

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