Acórdão nº 3101/13.1TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelRIBEIRO CARDOSO
Data da Resolução30 de Junho de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1]) 1 - RELATÓRIO AA intentou a presente ação para impugnação da regularidade e licitude do despedimento, apresentando o formulário a que aludem os artigos 98º-C e 98º-D do CPT, opondo-se ao despedimento que lhe foi promovido por BB, S.A. e CC, pedindo que seja declarada a ilicitude ou irregularidade do mesmo com as consequências legais.

Teve lugar a audiência de partes sem que tenha sido obtida a conciliação.

As Rés apresentaram articulado de motivação, relatando o percurso do processo disciplinar movido ao Autor e reafirmando o alegado na nota de culpa e na decisão de despedimento, concluindo que o comportamento do Autor viola os deveres laborais a que aludem as alíneas c), e), f) e h) do número 1 do artigo 128º do Código do Trabalho, integrando justa causa de despedimento nos termos do artigo 351º nº 1 e nº 2 alíneas a), d) e e) do Código do Trabalho, pedindo que seja declarada a licitude do despedimento mantendo-se o mesmo nos seus exatos termos.

O Autor contestou por exceção e por impugnação.

Por exceção invocou: - O poder disciplinar foi exercido por sociedade diversa, entendendo que quem o devia ter desencadeado era a BB, S.A., a DD, S.L, a EE e a FF, e não a BB como sucedeu; - A violação do disposto no artigo 354º do CT; - A prescrição do procedimento disciplinar; - A caducidade do procedimento disciplinar; - A violação do princípio da audiência do trabalhador; - A suspensão do contrato de trabalho do Autor.

Por impugnação, o Autor pôs em causa a versão apresentada pelas Rés que considerou conter factos falsos, malversados, incompletos, juízos conclusivos e meras abstrações e afirmando não ter violado quaisquer deveres previstos no artigo 128º do CT, nem quaisquer outras normas legais ou convencionais que regulamentam a sua relação laboral e invocando que, mesmo que assim não fosse, a sanção aplicada viola o princípio da proporcionalidade e adequação da aplicação das sanções disciplinares.

Acrescentou que gostava de trabalhar para as Rés e que não tem outra fonte de rendimento, sendo que, por virtude do seu despedimento, passou a viver angustiado, triste e deprimido, bem como deixou de poder manter o nível de vida a que estava habituado, devido à redução dos seus rendimentos.

Deduziu reconvenção alegando, em síntese, que vinha auferindo a título de retribuição mensal a quantia de € 8.500,00, tinha direito ao uso e fruição, durante 24 horas por dia, de veículo, marca BMW, ao qual atribuía a utilidade económica de € 750,00 mensais, sendo que não necessitava de tal veículo para o exercício das suas funções nas Rés ou nas sociedades de direito privado espanhol, não sendo instrumento de trabalho, tinha direito a telemóvel para utilização pessoal e profissional, sem limite de plafond a que atribuía o valor mensal de € 100,00, tinha direito a combustível no valor de € 400,00 mensais ou € 4.800,00 anuais, para uso pessoal, através do cartão Galp Frota, tinha acesso a Internet com banda larga da TMN, para uso pessoal e profissional, no valor mensal de € 50,00, tinha seguro de saúde Multicare para si, cônjuge e filho, no valor de € 280,00 mensais.

Concluindo no sentido de que o despedimento foi destituído de fundamento legal e, nessa medida ilícito, pediu que a ação e a reconvenção sejam julgadas procedentes e que, em consequência: A) o despedimento seja declarado ilícito e sem justa causa; B) sejam as Rés ou cada uma das Rés condenadas a pagar-lhe o total das remunerações que deveria ter auferido, desde a data do despedimento, até à data da sentença, calculadas nos termos do artigo 390º nº 2, al. b) do CT; C) sejam as Rés ou cada uma das Rés condenadas a reintegrá-lo na 2ª Ré, sem prejuízo da sua antiguidade, salário, categoria profissional e demais contrapartidas ou benefícios; D) sejam as Rés condenadas a pagar-lhe, a título de indemnização por danos não patrimoniais a quantia de € 30.000,00; E) sejam as Rés condenadas no pagamento de juros de mora vencidos e vincendos, sobre todas as quantias peticionadas, vencidas e vincendas e também sobre as que resultarem, eventualmente, da aplicação do disposto no artigo 74º do CPT, desde a data da citação, até integral pagamento; F) sejam as Rés condenadas no pagamento, nos termos do disposto no artigo 829º-A do Código Civil, de uma sanção pecuniária compulsória em montante nunca inferior a € 300,00 por cada dia de incumprimento da decisão judicial que vier a ser proferida até integral e total cumprimento desta.

As Rés responderam pugnando pela inexistência das invocadas exceções, pela inexistência dos pressupostos da responsabilidade civil e pela improcedência da reconvenção. Deduziram também oposição à reintegração invocando que se mostram verificados os requisitos previstos no artigo 392º nº 1 do CT, atenta a detenção pelo Autor de um cargo de direção e o facto do seu regresso ser gravemente prejudicial e perturbador do normal funcionamento da Ré, na medida em que esta deixou de confiar nele, o que inviabiliza o exercício do cargo que desempenhava.

Respondeu o Autor invocando que a oposição à reintegração é extemporânea pois as Rés deveriam ter invocado os fundamentos para a mesma no articulado de motivação do despedimento, além de que não estão preenchidos os pressupostos para que aquela não seja decretada. Realizada a audiência de julgamento foi proferida a sentença na qual se julgaram improcedentes as exceções invocadas pelo A. e foi proferida a seguinte decisão: «Nestes termos, o Tribunal julga a ação procedente e a reconvenção parcialmente procedente e, consequentemente: A) declara ilícito o despedimento efectuado pelas empregadoras BB, S.A. e CC, S.A., condenando as mesmas: 1) a reintegrar o trabalhador AA, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, fixando-se em € 300,00 (trezentos euros), a quantia diária de sanção pecuniária compulsória devida pelas empregadoras, por cada dia de atraso no cumprimento desta obrigação decidida pelo Tribunal; 2) a pagar ao mesmo trabalhador todas as retribuições vencidas desde a data do despedimento e que se vençam até ao trânsito em julgado desta decisão (nelas se incluindo o valor mensal correspondente à atribuição de viatura automóvel e de telemóvel, a liquidar em execução de sentença, o valor mensal de € 50,00 correspondente à internet e de € 280,00 pelos seguros de saúde), deduzindo-se ao montante obtido os valores referidos no artigo 390.º, n.º 2 do CPT e as quantias auferidas pelo trabalhador a título de subsídio de desemprego; 3) a pagar ao trabalhador os juros de mora vencidos e vincendos sobre as quantias referidas em 2), desde a citação até integral pagamento, à taxa legal prevista para os juros civis; B) absolvendo as empregadoras quanto ao demais peticionado.

Custas pelas empregadoras, e pelo trabalhador na proporção do decaimento.

Valor: 68.500,01 € [(30.000,01 da reintegração + € 38.500,00 da reconvenção) - artigo 98.º-P do CPT].

Registe e notifique.

Transitada comunique a presente sentença ao ISS».

Inconformadas com o decisório na parte em que julgou a ação procedente e a reconvenção parcialmente procedente, as Rés apelaram, tendo sido proferida a seguinte deliberação: «Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal e Secção em julgar procedente o recurso de apelação, em revogar a sentença recorrida e, em consequência, julgam improcedente a acção e declaram lícito o despedimento movido pelas Rés ao Autor AA, absolvendo as Rés dos pedidos.

Custas pelo Autor».

Desta deliberação recorre o A. de revista para este Supremo Tribunal, impetrando a revogação do acórdão recorrido.

As RR contra-alegaram invocando, por um lado, a inadmissibilidade do recurso relativamente às questões referidas nas conclusões 1 a 23, pelo facto da decisão que sobre elas recaiu proferida na primeira instância, ter transitado em julgado uma vez que o A. não requereu a ampliação do recurso de apelação, e por outro, a improcedência das demais questões, tendo ainda requerido que este tribunal, em caso de procedência do recurso, conheça das questões que colocara no recurso de apelação e que a Relação considerou prejudicadas pela deliberação tomada quanto à questão da ilicitude do despedimento.

Juntaram parecer jurídico.

Cumprido o disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, o Exmº Procurador-Geral-‑Adjunto emitiu douto parecer no sentido da negação da revista e consequente confirmação do acórdão recorrido.

Notificadas as partes, apenas o recorrente se pronunciou mantendo a posição assumida nas suas alegações.

Prevenindo a possibilidade do não conhecimento das questões suscitadas nas conclusões 1 a 23, foi dado cumprimento ao contraditório, tendo as RR reiterado o seu entendimento de que não podia este tribunal conhecer de tais questões.

O A. pronunciou-se no sentido de que este tribunal podia e devia conhecer das mesmas pois só assim fica salvaguardado o direito ao duplo grau de jurisdição.

Formulou o recorrente as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([2]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal: ”1- Ambas as notas de culpa e posterior decisão de despedimento, fazem referência e imputam alegadas condutas do A., na qualidade de titular ou membro de órgão estatutário de sociedade comercial ou seja, administrador, em concreto de duas sociedades de direito espanhol, não imputando ao A. qualquer conduta, comissiva ou omissa, enquanto trabalhador das sociedades de direito privado português titular do poder disciplinar.

2- As RR., as verdadeiras e autênticas entidades empregadoras do A., deduziram contra o mesmo, duas notas de culpa e uma decisão de despedimento, pelo A. ter incumprido com o normativo da sociedade denominada por "FF", no âmbito do exercício da sua actividade como Administrador em duas sociedades de direito privado espanhol, em território espanhol e por alegadas condutas omissivas do A; 3- A alocação do poder disciplinar e respectiva delimitação assume particular importância, pois é mediante tal...

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