Acórdão nº 7487/11.4TBVNG.P2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelJOSÉ RAINHO
Data da Resolução21 de Junho de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo nº 7487/11.4TBVNG.P2.S1 Revista Tribunal recorrido: Tribunal da Relação do Porto + Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção): I - RELATÓRIO AA e mulher BB demandaram oportunamente (12 de agosto de 2011), pelas Varas Mistas do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia e em autos de ação declarativa com processo na forma ordinária, CC, peticionando a condenação deste no reconhecimento do direito de propriedade e posse dos Autores sobre o terreno que identificam, abstendo-se de praticar qualquer ato ou facto que impeça o exercício desse direito. Mais peticionaram a condenação do Réu no pagamento da quantia de €20.000,00 a título de indemnização.

Alegaram para o efeito, em síntese, que, na sequência de compra feita em 11 de agosto de 2000, adquiriram o terreno destinado a construção urbana que melhor descrevem. Tal aquisição está registada a favor dos Autores desde 17 de agosto de 2000. Sucede que em novembro de 2010 o Réu invadiu tal terreno, destruiu estruturas aí colocadas pelos Autores e procedeu nele à abertura de um buraco, da mesma forma que passou a ameaçar o Autor para ali não entrar. Os Autores tinham o terreno em venda, perdendo o negócio por causa dos descritos comportamentos do Réu, razão pela qual sofreram o prejuízo de €20.000,00.

Contestou o Réu, concluindo pela improcedência da ação.

Disse, em síntese, que o dito terreno não pertence aos Autores, antes faz parte de prédio que ele e mulher compraram em 2 de agosto de 2010.

Mais deduziu reconvenção, peticionando a condenação dos Autores no reconhecimento do Réu como dono e possuidor do terreno e a absterem-se de perturbar os inerentes direitos. Pediu ainda a condenação dos Autores na indemnização de €250,00 mensais pelo uso e fruição indevidos do mesmo terreno.

Replicaram os Autores, concluindo pela improcedência da reconvenção.

Foi feita intervir na causa, e interveio, a mulher do Réu, DD.

Seguindo o processos seus devidos termos, veio a final a ser proferida sentença que julgou parcialmente procedente a ação, sendo os Réus condenados no reconhecimento do direito de propriedade dos Autores sobre a dita parcela de terreno e a absterem-se de praticar qualquer ato ou facto que impeça os Autores de exercerem os direitos subjacentes àquela titularidade. No mais pedido, foi a ação julgada improcedente.

A reconvenção foi julgada improcedente.

Inconformados com o assim decidido, apelaram os Réus.

Fizeram-no com parcial êxito, pois que a Relação do Porto revogou a sentença da 1ª instância na parte em que os Autores haviam tido ganho de causa (reconhecimento como titulares do direito de propriedade sobre o terreno). No mais foi mantido o decidido.

É agora a vez dos Autores trazerem a presente revista.

Da respetiva alegação extraem os Recorrentes as seguintes conclusões: 1ª. Os Recorrentes estão em profunda discordância com o acórdão proferido pois este não resolve o cerne da discussão, ou seja, a situação que levou a que a presente ação fosse intentada, nomeadamente atribuindo o direito de propriedade sobre o terreno aqui em discussão, sofrendo este acórdão de nulidades nos termos do artigo 615º, 614º do CPC, devendo ser alterado nos termos do artigo 616° do CPC.

  1. Diz-nos o referido acórdão (que aqui se recorre) que: - “Para o efeito, não basta a qualquer delas alegar e provar que comprou aquele terreno, tem que demonstrar a respetiva aquisição originária e que o direito já existia no transmitente.

    Nem na petição inicial, nem na reconvenção, ou mesmo em qualquer outro articulado, as partes alegaram a prática sobre aquele determinado espaço de atos de posse e, menos ainda com as características atrás apontadas e suscetíveis de conduzir à usucapião, forma de aquisição esta que também nenhuma delas invocou”; - “Salvo o devido respeito por posição contrária, como vimos, o direito de propriedade não se pode demonstrar assim. Aquelas referências podem, efetivamente, ter relevância, mas como factos instrumentais probatórios e acessórios nas situações em que se invoca um modo de aquisição originária do direito real. Não valem por si só”.

  2. Ao contrário do que dizem os Senhores Juízes Desembargadores (“Nem na petição inicial, nem na reconvenção, ou mesmo em qualquer outro articulado, as partes (Autores) alegaram a prática sobre aquele determinado espaço de atos de posse e, mais ainda com as características atrás apontadas e suscetíveis de conduzir à usucapião”), os Autores alegaram a posse sobre o imóvel aqui em discussão.

  3. Na sua P.I. os Autores referem que: - “Em 2007 os Autores decidiram vender o referido prédio”; - “De imediato (...) alguém a seu mando colocou duas placas suas no terreno dos Autores a dizer vende-se”; - “Para além de lá ter colocado placas a dizer vende-se, também o terreno foi entretanto (2007 e 2008) devidamente vedado com arame pelos Autores”.

  4. A este respeito diz-nos o Exmo. Senhor Juiz a quo na sentença que deu por provado que “desde, pelo menos, o ano de 2007 que os AA praticam atos possessórios sobre o terreno em questão, nomeadamente vedando-o e nele colocando placas para venda (factos dados como provados e que não foram atacados pelos Réus nas suas alegações), como referiu, entre outras, a testemunha EE, o que foi, aliás, admitido pela testemunha FF, cunhado do Réu. E, até Agosto de 2010, nunca ninguém (...) se insurgiu contra tais atos praticados pelos AA” (facto constitutivo da usucapião).

  5. E continua a referida sentença, a dizer nos factos dados como assentes: “o) Em 2007 os Autores decidiram vender o referido prédio (...); p) A pedido dos AA, EE colocou duas placas suas no terreno dos Autores a dizer "vende-se" (...); q) Desde 2007 até Novembro de 2010 sempre no terreno permaneceram essas duas placas (...); r) Para além de lá ter colocado placas a dizer “vende-se”, também o terreno foi entretanto (2007 e 2008) vedado com arame, pelos Autores” 7.

    ª.

    A esse respeito tenha-se em consideração o depoimento da testemunha EE o qual relatou as diligências efetuadas, a pedido dos aqui Requerentes, para venda do terreno em causa, confirmando a colocação, em tal terreno, das placas para venda e a vedação do terreno efetuado pelos Requerentes.

  6. Conforme é referido no procedimento cautelar interposto pelos aqui Recorrentes, que deu origem à presente ação declarativa, no seu artigo 11º diz-se que: “Desde que em 1998 entraram na posse do terreno e sobretudo a partir do dia da compra em 2000, os Recorrentes foram tratando e cuidando minimamente do seu terreno, quer cortando algum mato que ia crescendo, quer sobretudo aparando ramos das árvores existentes no mesmo, o que fizeram por si ou por interpostas pessoas” (a usucapião é um conceito jurídico que não carece de ser invocado pelos Autores mas apenas sendo termo conclusivo só lhes competia, como o fizeram, provar e alegar a posse, pública e pacifica (durante 10 anos) para terem como sua propriedade). Procedimento cautelar que obteve total ganho de causa.

  7. Por todo o alegado anteriormente fica provado que o direito já existia nos Recorrentes que até serem esbulhados exerceram a posse sobre o terreno (de 1998 até 2010 (inclusive) - vide procedimento cautelar provado conjugado com a sentença de 1ª instância).

  8. Cite-se a este propósito o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 16 de Maio de 2006, “A posse, conforme definição do artigo 1251.° do CC é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real, acolhendo, assim, o legislador um conceção subjetivista da posse (...) que a posse é integrada por dois elementos: o corpus e o animus sibi habendi.

    O corpus consiste no domínio de facto sobre a coisa, traduzindo-se no exercício efetivo de poderes materiais sobre ela ou na simples possibilidade física desse exercício, desde que neste ultimo caso, a coisa esteja virtualmente dentro do âmbito do poder de facto do possuidor. Ao corpus bastam atos de mera fruição da coisa, sem necessidade da sua detenção, ou seja, o contacto físico ou virtual, embora normalmente se conjuguem, uma vez que a posse pode ser exercida por intermédio de outrem. (...) Já o elemento animus sibi habendi da posse consiste na intenção de exercer sobre a coisa como seu titular, o direito real correspondente aquele domínio de facto.” 11ª. Os Recorrentes desde 1998, data em que fizeram o contrato promessa de compra e venda, que se encontram na posse dos terreno aqui em questão (pelo menos até serem esbulhados em Novembro de 2010) uma vez que preenchem os dois elementos supra referidos, 12ª. Os Recorrentes preenchem os requisitos da usucapião uma vez que não só demonstraram a sua posse sobre o imóvel, como preenchem o requisito do decurso de tempo - 10 anos se a posse for titulada e de boa-fé (o caso aqui em apreço, e desde 1998 até Novembro de 2010, são 13 anos!!!).

  9. A sua qualidade de possuidores e o facto de a posse ser de boa-fé, perdurando há mais de 12 anos (1998 a 2010), possibilita o conhecimento da aquisição originária do direito de propriedade por usucapião, nos termos do art. 1296º do CC.

  10. Provados que foram a usucapião no procedimento cautelar e ademais igualmente nas duas sentenças proferidas na primeira instância e nunca postos em crise tais factos de corpus e animus, tanto basta para ser reconhecido aos Recorrentes o direito de propriedade sobre o predial descrito nos autos (artigo …325 na Conservatória e …120-P na matriz urbana de …).

  11. Ora perante tudo o que foi dito anteriormente podemos concluir que os Recorrentes, além de terem adquirido o prédio por escritura de compra e venda, já o tinham adquirido por usucapião no ano de 2007 (pois que o esbulho só ocorreu em Novembro de 2010) (e pelas sucessivas e antecedentes transmissões do prédio).

  12. Nessa conformidade, os Recorrentes além de provarem que compraram aquele terreno, também provaram, embora não tenham feito nenhum pedido nesse sentido, que preenchiam a figura da usucapião. Esta posse, e consequentemente, a aquisição originária, ficou...

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