Acórdão nº 781/11.6TBMTJ.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelFERNANDA ISABEL PEREIRA
Data da Resolução02 de Junho de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório: A Herança aberta por óbito de AA, representada pelos herdeiros BB, CC, DD, EE, FF, GG, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra a Herança aberta por óbito de HH, representada pelos herdeiros II, JJ e KK.

Peticionou a autora que: a) se declarasse que pertence, em exclusivo, à herança aberta por óbito de AA a "Quinta", correspondente aos prédios rústicos inscritos na matriz predial rústica da freguesia de Canha sob os art. 27 e art. 28 da secção AH (que anteriormente eram parte do art. 10 da secção AH da mesma freguesia de Canha) e descritos na Conservatória do Registo Predial do Montijo sob a ficha n.

o 008…/… da mesma freguesia de Canha (correspondendo à anterior descrição n.

o 21.115 do Livro 6-62).

  1. se condenassem os "herdeiros do falecido HH" a reconhecer que aqueles prédios rústicos sempre foram propriedade exclusiva de AA e que actualmente fazem parte da herança aberta por seu óbito; c) se ordenasse o cancelamento de registos na Conservatória do Registo Predial do Montijo, devendo, em sua substituição, consignar-se a aquisição a favor do falecido AA "ou, e desde já, em comum e sem determinação de parte ou direito em nome de todos os ora AA., por força da sucessão hereditária por morte do falecido AA"; d) e o cancelamento da titularidade fiscal dos prédios rústico a favor do falecido HH e dos seus herdeiros.

    Para o efeito, alegou, em síntese, que o falecido AA pretendeu adquirir terreno com recurso ao sistema de poupança-emigrante, que lhe era mais favorável.

    Como apenas aquele e o seu filho mais novo podiam ser titulares de conta poupança-emigrante, o falecido HH, com o estatuto de emigrante, disponibilizou-se a assumir formalmente a posição de comprador e peticionário do financiamento, passando procuração ao seu genro CC (ora co-autor), que era, por sua vez, filho do falecido AA.

    Apesar de agir formalmente como procurador do sogro (HH), CC actuou ao longo dos anos por conta do seu pai, AA, o qual pagou todos os encargos e exerceu com a sua mulher a posse pública e pacífica, cultivando a terra, por si ou através de empregados, tal como posteriormente os herdeiros o fizeram, até que, após a morte de HH, o seu filho KK pôs em causa que o AA fosse o único e exclusivo dono da Quinta.

    Apenas KK apresentou contestação.

    Alegou existir uso anormal do processo, porquanto alguns dos herdeiros de AA são igualmente herdeiros de HH. Mais alegou que a propriedade registada em nome do falecido HH foi comprada e paga exclusivamente pelo próprio.

    Concluiu pela improcedência da acção e deduziu incidente de verificação da causa.

    Após audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os réus dos pedidos contra si formulados.

    Desta sentença apelou a autora.

    O Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão de 17 de Dezembro de 2015, julgou a apelação procedente e revogou aquela sentença, julgando a acção procedente nos seguintes termos: « declara-se que pertence, em exclusivo à herança aberta por óbito do Sr. AA, a "Quinta", correspondente aos prédios rústicos inscritos na matriz predial rústica da freguesia de Canha sob os art. 27 e art. 28 da secção AH (que anteriormente eram parte do art. 10 da secção AH da mesma freguesia de Canha) e descritos na Conservatória do Registo Predial do Montijo sob a ficha nº. 008…/… da mesma freguesia de Canha (correspondendo à anterior descrição nº. 21.115 do Livro 6-62).

    - condenam-se os "herdeiros do falecido HH" a reconhecer que aqueles prédios rústicos sempre foram propriedade exclusiva do Sr. AA e que actualmente fazem parte da herança aberta por seu óbito; - Ordena[r]-se o cancelamento do registo na Conservatória do Registo Predial do Montijo».

    Inconformado, recorreu KK para este Supremo Tribunal de Justiça.

    Na sua alegação de recurso aduziu a seguinte síntese conclusiva: «A. A não aceitação da (fantasiosa) tese da simulação, invocada pelos AA., deixou sem justificação nem explicação a desconsideração da escritura aquisitiva celebrada em 17.12.1984 a favor de HH, e o afastamento da presunção registral de que beneficiava este (como autor da sucessão que legitima o R. ora recorrente).

    1. Tendo em conta que a questão suscitada pelos RR., só nasceu quando estes acederam à herança de AA e interpuseram acção contra os herdeiros de HH, nunca tendo essa questão sido contenciosa na vida dos dois, segue-se que ou a escritura aquisitiva (e a presunção registral) da propriedade deste último eram verdadeiras (como alegam os RR., e a 1.a instância reconheceu) - ou eram falsas (e só se podiam explicar por simulação - como pretendiam os AA.).

    2. A decisão ora recorrida logrou, porém, recusar ambas as coisas: ignorando totalmente a escritura de aquisição a seu favor, considerou falsa a presunção registral de que beneficiava HH, ao mesmo tempo que considerou que a simulação que poderia explicar a inscrição da propriedade em seu nome não tinha sido invocada/não era relevante.

    3. Acabou, assim: a. por desconsiderar o conteúdo de um documento autêntico, com base em prova testemunhal, em violação do disposto no artigo 393.° do CC ("Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunha) b. por afastar a presunção da propriedade conferida pelo registo, com base em coisa nenhuma.

    4. O que veio a calhar para não ter de enfrentar as dificuldades que adviriam de ter de provar a simulação sem recurso à prova testemunhal (proibida entre simuladores - ou seus sucessores - pelo disposto no n.º 2 do artigo 394.° do CC), uma vez que, a ter existido simulação, os simuladores eram o "aparente adquirente" HH (de quem os RR. são herdeiros) e o "oculto adquirente" AA (de quem os AA. são herdeiros).

    5. Quer dizer que a recusa de aceitar a simulação invocada pelos AA. foi instrumental para lhes dar razão, mesmo que à custa de uma total omissão de justificação da recusa em dar relevo a um documento autêntico (a escritura pública de aquisição a favor de HH) e à presunção de titularidade do direito decorrente do registo.

    6. Perante estas deficiências e omissões o acórdão recorrido padece pelo menos de uma das nulidades previstas no artigo 615.°, n.º 1 - seja a da alínea c) seja a da alínea b) - aplicáveis por força do disposto no n.º 1 do artigo 666.° do CPC.

    7. Tendo havido alteração (e muito substancial) da matéria de facto na 2.a instância (na medida em que o que foi considerado provado foi o oposto do que antes tinha sido), a restrição dos fundamentos do recurso de revista (fixados nos n.ºs 1 e 3 do artigo 674.° do CPC), redundam na...

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