Acórdão nº 3987/10.1TBVFR.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Junho de 2016
Magistrado Responsável | TOMÉ GOMES |
Data da Resolução | 02 de Junho de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. AA e cônjuge BB (A.A.) instauraram, em 19 de agosto de 2010, junto do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra o Fundo de Garantia Automóvel (FGA), alegando, no essencial, que: .
Em 30/08/2007, na Rua … em Rio Meão, no Município de Santa Maria da Feira, ocorreu um acidente de viação que envolveu um veículo automóvel de matrícula portuguesa e o ciclomotor de matrícula 2-VFR-…-…, conduzido pelo A.; .
O acidente deveu-se a culpa exclusiva do condutor do veículo automóvel, o qual, circulando na esteira do ciclomotor, veio a embater violentamente na traseira lateral esquerda deste; .
Em virtude de tal embate, o ciclomotor e o A. foram projetados, tendo este caído no solo, onde ficou prostrado; .
Após o embate, o condutor do automóvel pôs-se em fuga, não sendo possível a sua identificação; .
Em resultado de tal embate, o A. sofreu lesões graves que lhe determinaram incapacidade absoluta e permanente para o exercício da sua atividade profissional e para qualquer outro trabalho ou tarefa, tendo ainda deixado de falar coerentemente, padecendo de desorientação e de alterações de comportamento, tornando-se pessoa sobressaltada e revoltada, carecendo de medicação diária, passando a depender de terceiros para as tarefas quotidianas, ficando também sexualmente impotente e, por tudo isso, suportando grande sofrimento físico e psicológico; .
Ao tempo do acidente, o A. trabalhava como motorista e pesados com o que auferia a quantia mensal de € 1.500,00; .
Com o auxílio de terceira pessoa que tem vindo a ser prestado, despende o A. a quantia mensal de € 500,00; .
Por sua vez, a A., sua mulher, sofre profundo desgosto em razão de ter ficado impedida de com ele se relacionar sexualmente.
Concluíram os A.A. pedindo a condenação do R. a pagar, acrescidas de juros à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento, as seguintes quantias: a) - Ao A. AA, o total de € 640.000,00, equivalente à soma de € 174.000,00 para despesas com o auxílio de terceira pessoa, € 54.000,00 pela perda dos rendimentos do trabalho, durante 36 meses até à propositura da ação, € 342.000,00 pela perda de capacidade de ganho futuro e € 70.000,00 a título de danos não patrimoniais; b) - À A. BB, a quantia de € 30.000,00 a título de dano não patrimonial.
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O R., FGA, apresentou contestação em que, além de invocar a prescrição e o limite da sua responsabilidade ao valor do capital seguro ao tempo do acidente (€ 599,454,00), impugnou o alegado pelos A.A., no respeitante à produção do acidente de viação e aos danos, sustentando que: .
Recebida a participação do acidente, foi desencadeado um processo de averiguações, em que se concluiu pela falta de demonstração da intervenção de outro veículo automóvel; .
Não obstante isso, sempre o A. contribuiria para os danos por ele sofridos, em percentagem não inferior a 30%, uma vez que circulava sem capacete; Concluiu assim pela improcedência da ação, tendo ainda requerido a intervenção principal do Hospital Geral Santo António (Porto), do Hospital da Santa Casa da Misericórdia de Castelo de Paiva, do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia e do Instituto de Segurança Social, IP.
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Os A.A. replicaram a pugnar pela improcedência da exceção de prescrição e a impugnar o alegado pelo R., relativamente à circulação sem capacete.
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Admitidas as intervenções requeridas e citadas as chamadas: - O interveniente Instituto da Segurança Social, IP (ISS, IP) pediu a condenação do R. no pagamento da quantia de € 2.915,27, a título de reembolso: - O interveniente Centro Hospitalar do …, EPE (Hospital de CC) pediu a condenação do R. no pagamento de uma indemnização no valor de € 32.455,99, acrescido de juros de mora vincendos, com fundamento no custo pela assistência prestada ao A., através dos Serviços de Urgência.
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O R. contestou tais pedidos, excecionando a prescrição dos direitos invocados por aqueles intervenientes e impugnando o demais alegado.
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Findos os articulados, foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual foram julgadas improcedentes as exceções de prescrição quanto ao direito dos A.A. e do interveniente Centro Hospitalar do …, EPE, e procedente a prescrição relativamente ao pedido de reembolso formulado pelo ISS, IP, tendo-se procedido à seleção da matéria de facto tida por relevante com organização da base instrutória (fls. 134-142).
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Realizou-se a audiência final, com gravação da prova, no decurso da qual os A.A. deduziram articulado superveniente a pedir a ampliação do pedido inicial no valor de € 269.200,00, relativo a outros danos patrimoniais futuros, o que foi admitido.
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Seguidamente, foi proferida sentença a fls. 736-764, datada de 27/11/2014, em que foi inserida a decisão de facto e a respetiva motivação, julgando-se improcedentes, por não provadas, tanto a pretensão deduzida pelos A.A. como a formulada pelo Centro Hospitalar do …, EPE, com a consequente absolvição do R. FGA dos correspondentes pedidos.
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Inconformados com tal decisão, quer os A.A. quer o interveniente Centro Hospitalar do …, EPE, apelaram dela para o Tribunal da Relação do Porto, que, conforme o acórdão proferido a fls. 902-992, datado de 29/06/2015, julgou parcialmente procedente o recurso dos A.A. e procedente o recurso do interveniente Centro Hospitalar do …, EPE, revogando-se a sentença recorrida e, em sua substituição, condenando-se o R. FGA a pagar: A - Ao A. AA, as quantias de: a) - € 37.500,00 (€ 50.000,00 x 75%), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data do acórdão até integral pagamento; b) - € 101.250,00 (€ 135.000,00 x 75%), a título de danos patrimoniais futuros pela perda da capacidade de ganho, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento; c) - € 234.570,00, por outros danos patrimoniais futuros, correspondente a 75% de € 312.760,00 (€ 21.600,00 + € 17.280,00 + € 51.840,00 + € 51.840,00 + € 49.200,00 + € 108.000,00 + € 13.000,00), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação da ampliação do pedido e até integral pagamento; B - À A. BB, a quantia de € 11.250,00 (€ 15.000,00 x 75%), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data do acórdão até integral pagamento; C - Ao interveniente Centro Hospitalar do .., EPE, a quantia de € 24.340,00 (€ 32.455,99 x 75%), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
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Desta feita, vieram agora recorrer de revista tanto os A.A. como o R. FGA, formulando as seguintes conclusões: 10.1. Por parte dos A.A.: 1.ª - Face à matéria dada como provada, resulta que o acidente se ficou a dever em exclusivo ao condutor do veículo atropelante; 2.ª - Sendo que é dado como provado que o A. circulava na sua mão de trânsito, o que não permite imputar-lhe responsabilidade; 3.ª - De facto, estando o condutor do veículo atropelante a realizar uma manobra de ultrapassagem, é-lhe imposto que só a realiza em condições e segurança e sem que colida com qualquer veículo que circule no mesmo sentido ou em sentido contrário, em respeito pelo art.º 38.º do Código da Estrada (CE); 4.ª - Ao não agir assim, como não agiu, o condutor do veículo atropelante, agiu com culpa; ainda que o A. Recorrente não seguisse na sua mão de trânsito (e seguia), ainda assim, tal não justifica a realização da manobra de ultrapassagem em violação dos normativos legais, nomeadamente os artigos 38.º e n.º 3 do 18.º do CE; 5.ª - Sendo que o próprio comportamento e modo como ocorreu o acidente demonstram a culpa do veículo atropelante, sendo que nada nos autos revela que o A. tenha concorrido para a ocorrência do acidente; 6.ª - Sendo que, há que extrair consequências pelo normal devir dos factos e das presunções judiciais, do facto do atropelante ter-se posto em fuga do local do acidente, do que resulta que o condutor se sentiu culpado do sinistro, pois doutro modo prestaria o devido auxílio, como se lhe impunha; 7.ª - Devendo considerar-se o veículo atropelante como responsável exclusivo do acidente e por essa via, ser o R. obrigado a indemnizar todos os danos decorrentes do sinistro; 8.ª - O A. padece de profundíssimos, irreversíveis e dolorosíssimos danos a nível físico, emocional e psicológico e atento o concreto circunstancialismo da sua vida e vivência, e bem assim atendendo à natureza compensatória, e fazendo uma interpretação atua lista e igualitária da jurisprudência para casos similares, tem-se por equitativo, conceder uma indemnização a título de danos morais em valor não inferior a € 150.000,00; 9.ª - No que se refere à indemnização pelo valor de assistência de terceira pessoa, ainda que se aceite por razoável o valor de € 500,00 mensais, deve ser tal valor atualizado face à evolução de variação dos preços no consumidor, mas ainda atendendo que o A. carece de acompanhamento diário e contínuo, devendo tal ser prestado pela mesma pessoa, com vista a criar vínculos de identidade e afeto entre eles (A. e trabalhador); 10.ª - Pelo que carece de se estabelecer um vínculo laboral, o que mais implicará os custos com os descontos patronais obrigatórios de 24,5% e ainda 1% para pagamento do prémio de seguro obrigatório de acidentes de trabalho; 11.ª - Atenta a natureza vinculística e necessidade de proximidade, afeto e estreita relação necessária entre o A. e a terceira pessoa, tal vínculo laboral, porque contínuo e assíduo, implicará o pagamento dos subsídios de férias e de Natal; 12.ª- Por outro lado, no período de férias do trabalhador, tal implicará a prestação de serviços por outro terceiro, que terá por esse facto de ser remunerada, em valor nunca inferior a € 500,00 mensais; 13.ª - Devendo por isso ser paga a título de indemnização pela assistência a ser prestada por terceira pessoa, a quantia de € 167.130,00, que expressamente peticiona, sem prejuízo da atualização que se exige, face à evolução da variação dos...
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