Acórdão nº 781/07.0TYLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelOLINDO GERALDES
Data da Resolução02 de Junho de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – RELATÓRIO AA, BB & Filhos, Sociedade Agrícola, S.A., e a Fundação da Casa de Mateus instauraram, em 12 de julho de 2007, no então 2.º Juízo do Tribunal do Comércio (2.º Juízo do Tribunal da Propriedade Intelectual), contra SOGRAPE – Vinhos de Portugal, S.A., ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo que a Ré fosse condenada a abster-se de usar a expressão “Mateus Emotions”, “Mateus Tempranillo”, “Mateus Shiraz” ou outra que inclua a expressão “Mateus” e um figurativo não autorizados, no exercício do seu comércio, como marca ou por qualquer outra forma, em vinhos, seus derivados ou compostos; a retirar do mercado todos os produtos e material de publicidade onde conste aquela expressão visando em vinhos, seus derivados e compostos; a pagar ao A. uma indemnização, com o montante a ser determinado “em execução de sentença”; e a pagar a quantia de € 1 000,00, a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento da sentença a proferir.

Para tanto, alegaram, em síntese, que a R. está a usar profusamente as referidas marcas, numa violação clara dos acordos firmados em 1944 e 1974, e que também constitui um claro ato de concorrência desleal, causando dano ao A.

Contestou a R., por exceção e impugnação, alegando, neste âmbito, a licitude do uso das referidas marcas e a inexistência de concorrência desleal e concluindo pela improcedência da ação.

Replicaram os AA., respondendo à matéria de exceção.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida, em 21 de maio de 2015, sentença, julgando-se a ação totalmente improcedente.

Inconformados com a sentença, os AA. apelaram para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, em 21 de dezembro de 2015, por acórdão maioritário, confirmou a sentença recorrida.

Mantendo o inconformismo, os AA. recorreram, então, para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formularam essencialmente as conclusões:

  1. Os Recorrentes, na sua alegação, indicaram as passagens que pretendiam que fossem reapreciadas, como transcreveram essas passagens no corpo das alegações.

  2. O acórdão, ao não reapreciar a prova gravada, violou o disposto no art. 640.º do CPC.

  3. Sempre se deveria ter utilizado o disposto no n.º 3 do art. 639.º do CPC, mandando aos Recorrentes completar as conclusões.

  4. A R., formalmente, comprometeu-se a não utilizar a expressão nominativa “Mateus” em outras marcas para comercialização de vinhos, podendo apenas dela se servir para registar marcas de defesa ou proteção, pelo que o uso que vem fazendo das marcas em causa violam claramente o contrato.

  5. O que está em causa é a proibição do uso por via da violação do acordado e não o direito a registar, que é admitido apenas para defesa ou proteção, o que conduz à proibição de uso desse registo por via do contrato.

  6. A limitação foi assumida pela R., sendo totalmente legítima, pois encontra-se no foro da liberdade negocial das partes.

  7. O acórdão, aplicando-os erradamente, viola os arts. 236.º, 238. e 487.º do CC.

  8. Em manifesta violação da lei, da autonomia da liberdade contratual e das regras de interpretação e cumprimento dos contratos, o acórdão viola os arts. 405.º, 406.º e 238.º do CC.

  9. Usar registos de marca de forma proibida contratualmente representa uma atuação ilícita, contrária às normas e usos honestos da atividade económica, caindo nas previsões do art. 317.º, alíneas a), c) e e), do CPI.

Com a revista, os Recorrentes pretendem a revogação do acórdão recorrido e que seja proferida decisão nos termos peticionados na ação.

Contra-alegou a R., no sentido de ser negada a revista.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Neste recurso, está em discussão, essencialmente, o incumprimento do ónus de alegação na impugnação da decisão sobre a matéria de facto e o cumprimento do contrato.

II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Na ação, foram dados como provados os seguintes factos: 1.

O A. é titular, desde 1944, do nome do estabelecimento agrícola n.º 7 213 “Casa de Mateus”.

  1. A região demarcada do Vinho do Porto e Douro foi a primeira e é a mais antiga região demarcada do país e do Mundo, remontando a meados do século XVIII.

  2. No estabelecimento do A., produziu-se vinho até 1974.

  3. Em 7 de janeiro de 1944, CC emitiu a “declaração” de fls. 194, donde consta, nomeadamente, “autorizar a sociedade comercial dos Vinhos de Mesa de Portugal, Lda., a registar e usar a marca de vinhos de mesa “Mateus”, ostentando uma vista da minha Casa de Mateus, nos termos do contrato a realizar entre mim e aquela sociedade.” 5.

    Em 22 de fevereiro de 1944, foi lavrada a “pública forma” de fls. 195 a 197, em que foram intervenientes a mesma pessoa e sociedade referida em 4., na qual consta, entre o mais, “o 2.º Contratante concede à 1.ª Contratante o direito de ela registar a seu favor e usar o rótulo com a marca MATEUS ostentando uma vista do seu palácio de Mateus, sito na freguesia de Mateus, concelho de Vila Real de Traz os Montes”.

  4. Em 5 de setembro de 1958, o pai do A. enviou à R. a carta de fls. 198, onde, entre o mais e referindo-se ao contrato de 22 de fevereiro de 1944, escreve “(…) declaro rescindido o aludido contrato que, para todos os efeitos, considero frustrado e incumprido por vossa parte”, a que a R. respondeu com a carta de fls. 199/200, de 9 de setembro de 1958.

  5. Em 26 de setembro de 1958, o pai do A. enviou à R. a carta de fls. 201, onde, entre o mais, refere "não quero contudo deixar de lhes frisar que os prejuízos que VV. Exas. dizem que lhes causei, nada mais serão que uma redução mínima dos espantosos lucros que durante muitos anos a vossa Casa auferiu, com prejuízo exclusivo da minha família e meu" (…) “farei sem demora as necessárias diligências para que lhes seja proibido o uso da marca contendo a minha propriedade e respetivo nome”.

  6. Na sequência de ação judicial intentada pela “Sogrape” contra CC, cuja petição inicial se encontra a fls. 202 a 206, em 7 de abril de 1962, e que correu termos na 1.ª Vara Cível de Lisboa, 3.ª Secção, sob o n.º 3692/59, e na qual pedia que se declarasse o contrato de 22 de fevereiro de 1944 em vigor e o R. adstrito ao seu cumprimento, realizaram a transação judicial de fls. 207/208.

  7. Nesta transação acordou-se, entre o mais, que “o Réu mantém à Autora a sua concessão do direito de ela ter a seu favor os registos de marcas “Mateus”, ostentando uma vista do seu palácio de Mateus, sito na freguesia de Mateus, do concelho de Vila Real de Trás-os-Montes, e de usar o rótulo com essa marca, subsistindo a seu favor todos os registos de marcas nominativas ou figurativas por ela feitos até agora, com exceção do registo da marca nacional n.º 63 826, à qual deverá renunciar, podendo todavia registar como marcas para os seus vinhos as palavras “São Mateus” e “S. Mateus”.

  8. Em 30 de julho de 1974, na sequência de negociações por iniciativa da R. e após um contrato-promessa, no 18.º Cartório Notarial de Lisboa, entre o A. e a R., foi celebrado o acordo, denominado como “transação”, que consta de fls. 17 a 22.

  9. Neste acordo, entre o mais, o A. declarou desistir ou renunciar para o futuro de “todos os direitos” que lhe advinham dos anteriores acordos; a R. “fica sendo para sempre a exclusiva proprietária de todos os registos, já celebrados a seu favor das suas marcas, quer nominativas, quer figurativas, com os números de registo” 59.039, 143.968, 144.535, 148.643, 150.357 e 168.495 “Mateus”, “S. Mateus” e “São Mateus”, ostentando a primeira uma vista do palácio de Mateus, sito na freguesia de Mateus, concelho de Vila Real de Trás-os-Montes”; “igualmente fica assegurada à representada do primeiro outorgante o direito de requerer novos registos nominativos e figurativos das referidas marcas, unicamente para proteção das mesmas atualmente exploradas, quanto a vinhos e seus derivados ou compostos, tais como sangria, pop-wines e outros”; “como contrapartida ou preço por estas renúncias do segundo outorgante e confirmação dos direitos da representada, foi convencionada esta pagar-lhe a quantia...

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