Acórdão nº 762/04.6TYLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelANA PAULA BOULAROT
Data da Resolução04 de Outubro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I M, H, A e P instauraram acção declarativa com processo ordinário contra S, SA, pedindo que seja declarada a nulidade de todas as deliberações tomadas na Assembleia Geral da Ré realizada no dia 26 de Setembro de 1994, maxime a que determinou o aumento do capital social de 74.819,68 £á (€ 15.000.000$00) para 370.403,30 £á (€ 75.000.000$00).

Alegaram para o efeito e em síntese que: São sócios da Ré, sendo titulares de 2.550 acções, na qualidade de herdeiros do sócio A M, e de 15 acções cada um.

A Ré convocou uma assembleia geral para o dia 26 de Setembro de 1994, de cuja ordem de trabalhos fazia parte a deliberação de um aumento de capital social e consequentemente alteração dos estatutos da sociedade.

As acções encontravam-se depositadas no cofre da sociedade e que A M requereu à Ré que esta emitisse declaração de detenção das acções que o habilitassem a tomar parte dos trabalhos, tendo esta recusado faze-lo com fundamento no facto de, em virtude das acções serem ao portador, não poder certificar naquele momento os seus possuidores. Foi impedido de participar e votar na referida assembleia geral e que ao fazê-lo a Ré violou os artigos 379º, 384º e 56º, nº 1, alínea a) do Código das Sociedades Comerciais.

A Ré contestou, alegando que, em virtude das acções terem sido retiradas do cofre pelos próprios accionistas, competia a A M fazer prova dessa qualidade, o que este não logrou fazer e por isso não foi autorizado a participar por não ter feito prova da qualidade de accionista, pelo que a deliberação não esta ferida de qualquer nulidade, mas ainda que assim não se entendesse, ao terem efectuado a transacção no processo de reforma de títulos, a primeira Autora e A M aceitaram o aumento de capital, pelo que não podem nos termos do nº 3 do artigo 56º do Código das Sociedades Comerciais invocar a nulidade.

Os Autores replicaram, concluindo como na Petição Inicial.

Foi produzida sentença a julgar a acção procedente com a anulação da deliberação aprovada na assembleia geral da Ré de 14 de Outubro de 1994, em segunda convocatória da assembleia de 26 de Setembro de 1994, que determinou o aumento do capital social de 74.819,68 £á (€15.000.000$00) euros para 370.403,30 £á (€ 75.000.000$00).

A Ré apresentou recurso desta decisão, tendo a Apelação sido julgada procedente, revogada a decisão recorrida e absolvida aquela do pedido.

Irresignados com este desfecho vêm agora os Autores impugnar o Aresto assim produzido, apresentando as seguintes conclusões: - O presente recurso de revista vem interposto do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que revogou a sentença proferida em 1ª instância, por entender que esta teria violado o princípio do contraditório do art. 265 do CPC ao ter fundado a sua decisão numa causa de pedir diferente daquela que serviu de base ao pedido, sendo que o vício da deliberação invocado de nulidade é diferente na sua natureza e regime legal do vício de anulabilidade, o que poderia implicar uma defesa totalmente diversa, mormente a dedução de excepção de caducidade.

- Não assiste, contudo, razão atendível, consistente e sólida à douta sustentação argumentativa do Acórdão em causa, como veremos, maxime, por violação da lei substantiva (artigo 58° do CSC ) e da lei adjectiva dos artigos 3°, 265°, 552° e 615.° do CPC.

- A causa de pedir dos AA está consubstanciando no acervo factual plasmado nos artigos 5.° a 34º da petição inicial, sendo essa narrativa a decorrência do preceituado no artigo 467.°, n.º 1, al. d) e hoje plasmado no artigo 552,°, n.º 1, al. d) do CPC - E funda-se no impedimento da participação dos AA enquanto sócios na Assembleia Geral da Ré de 2609.1994, com a subsequente "invalidade" de todas as deliberações tornadas, ut expressamente invocado no artigo 40.º da petição inicial.

- Sendo consabido uniformemente na doutrina, de que se destacam entre outros António Montalvão Machado e Paulo Pimenta, que o Tribunal apenas está vinculado às alegações de facto das partes, uma vez que quanto às questões de direito pode conhecer delas sem limitação.

- No mesmo sentido, Lebre de Freitas sustenta que, ao contrário do que acontece com a causa de pedir, a fundamentação de direito da petição não condiciona o conteúdo da sentença e o Juiz permanece livre na indagação, interpretação e aplicação do Direito.

- A causa de pedir na presente acção é só uma e traduz-se na alegação fáctica do impedimento de participação dos sócios na Assembleia de Geral de 26.09.1994 com a inerente "invalidade" das deliberações sociais tomadas a jusante.

- Ou seja, qualificar a invalidade de uma deliberação como muito bem fez o Tribunal da 1.ª Instância, como nula, anulável ou inexistente, não interfere com a causa de pedir, nem implica qualquer alteração ou modificação da mesma.

- A pari, inexiste qualquer violação do princípio do contraditório (artigo 3.° do CPC) porquanto a Ré foi citada para contestar a acção e pronunciou-se em todos azimutes sobre a articulação fáctica e de Direito.

- E se o quisesse poderia ter discutido a qualificação jurídica da invalidade das deliberações invocada pelos AA., erigindo nomeadamente a excepção de caducidade, caso entendesse que a qualificação da invalidade seria a da anulabilidade, o que não fez.

- Do mesmo passo, se quisesse fazer valer a sua pretensão, deveria ter invocado a nulidade da sentença no Recurso interposto para a Relação, ao abrigo do artigo 615.°, n.º1, al. e) do CPC, por apreciação do objecto diverso do pedido, o que igualmente não fez.

- Nenhum reparo podendo ser feito ao Tribunal da 1ª Instância, ao invés do que sucede com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, ao sentenciar que o Tribunal não está sujeito às alegações das partes quanto à aplicação das regras de Direito, e ao declarar a anulabilidade da deliberação do aumento de capital social da Ré.

- O Acórdão recorrido violou, inter alia, o artigo 58.°, n.º 1, al. a) do CSC, e os artigos 3.º (a contrario sensu) 552.°, n.º 1, al. d), 265.°, n.º 1 e 615, n.º 1, al. e) todos do CPC, pelo que se impõe a sua revogação.

Nas contra alegações a Ré pugna pela improcedência do recurso.

II A única questão que se põe no âmbito do presente recurso é a de saber se o Tribunal poderia ou não poderia concluir pela anulabilidade da deliberação social tomada, ao invés da nulidade da mesma como peticionado foi.

As instâncias deram como assentes os seguintes factos: - A Ré é uma sociedade anónima constituída por escritura pública de 13 de Fevereiro de 1932 e registada na Conservatória do Registo Comercial de ….

- O seu capital social de 500.000$00 (€2.493,99) foi posteriormente aumentado por escritura pública de 21 de Abril de 1972, outorgada no 12º Cartório Notarial de Lisboa, para 15.000.000$00 (€74.819,68), representado por 30.000 acções no valor nominal de 500$00/€2,49 cada uma.

- O seu escopo social é o exercício da indústria hoteleira; o exercício do comércio a ela inerente, e todo o demais comércio e indústria que lhe convenha e que com aqueles comércio ou indústria se relacionem ou as completem pelo que poderá adquirir todos e quaisquer bens móveis e imóveis, privilégios e outros direitos que sejam necessários para o preenchimento do mesmo objecto, podendo exercê-lo directamente ou associada a outrem.

- O artigo 16º do contrato de sociedade da Ré tem o seguinte teor: “A Assembleia geral, ordinária ou extraordinária, será constituída pelos accionistas possuidores de, pelo menos, quarenta acções nominativas ou ao portador, contando que umas e outras já se achem averbadas nos competentes registos ou depositadas nos cofres da sociedade ou estabelecimento bancário, com uma antecedência não inferior a oito dias da data marcada em 1ª convocação”.

- A Ré dedica-se à exploração do Hotel …, situado em….

- Os Autores são titulares de 2.550 acções, no valor nominal de €4,99, ao portador, na qualidade de...

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