Acórdão nº 1946/09.6TJLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelTÁVORA VICTOR
Data da Resolução06 de Outubro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. RELATÓRIO Acordam na 7ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça.

    O Ministério Público veio, ao abrigo do disposto nos arts.º 25.º, 26.º, nº 1, al. c) e art. 27.º, n.º 2 do DL 446/85 de 25 de Outubro, propor acção declarativa, com processo sumário, contra AA, SA, BB (Sociedad Unipersonal) - Sucursal em Portugal, com representação na Av. ............., Torre ..., ....., Amoreiras, 1070-102 Lisboa, pedindo que: 1. Se declarem nulas as cláusulas 7ª, n.º 1, al. b) e 16ª n.º 1 do contrato, condenando-se a Ré a abster-se de se prevalecer delas e de as utilizar em contratos que de futuro venha a celebrar, especificando-se na sentença o âmbito de tal proibição (art. 30.º, n.º1, do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro).

  2. Se condene a Ré a dar publicidade a tal proibição e a comprovar nos autos essa publicidade, em prazo a determinar na sentença respectiva, sugerindo-se que a mesma seja efectuada em anúncio a publicar em dois dos jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante três dias consecutivos (art. 30.º, n.º 2, do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro), de tamanho não inferior a metade de uma página.

  3. Se dê cumprimento ao disposto no art.º 34.º do aludido diploma, remetendo-se ao Gabinete de Direito Europeu certidão da sentença, para os efeitos previstos na Portaria n.º 1093, de 6 de Setembro.

    Alegou o A., além do mais que aqui se dá por reproduzido, que: A Ré é uma sociedade anónima que tem por objecto a actividade de concessão de empréstimos e de crédito, incluindo crédito ao consumo, crédito hipotecário e o financiamento de transacções comerciais.

    No exercício de tal actividade comercial, a Ré concede crédito à habitação, celebrando com os interessados contratos de mútuo com hipoteca.

    Nesses contratos, efectuava uma remissão para as «…cláusulas constantes do documento complementar elaborado…e que faz parte integrante desta escritura e se arquiva». Esse documento complementar contém «…CLÁUSULAS QUE REGEM O CONTRATO DE MÚTUO COM HIPOTECA CELEBRADO ENTRE A AA, SA, BB (SOCIEDAD UNIPERSONAL), SUCURSAL EM PORTUGAL, (ADIANTE DESIGNADA POR A

    1. E PELOS MUTUÁRIOS ORA IDENTIFICADOS NA ESCRITURA».

    Trata-se de um clausulado impresso e previamente elaborado, em que os contratantes aderentes se limitavam a rubricar e assinar.

    Dispõe a cláusula 7ª, n.º 1, al. b) do mencionado documento complementar: «A taxa resultante, arredondada para cima no quarto de ponto seguinte será, para todos os efeitos, considerada como a taxa nominal anual».

    Esta cláusula é proibida em contratos deste tipo, porque viola «valores fundamentais do direito» defendidos pelo princípio da boa-fé (art. 15.º e 16.º do DL 446/85, de 25/10), Com esta cláusula a Ré impunha ao aderente o arredondamento da taxa de juro sempre para valor superior, isto é, o ajustamento do valor ocorre sempre com prejuízo patrimonial do aderente, resultante do aumento por esta via, da taxa de juro contratada, com o consequente enriquecimento sem causa, obtido à custa desse empobrecimento do património do aderente, situação deveras estranha, porque é notório, há muitos anos, que as operações bancárias são realizadas por computadores que permitem um elevadíssimo grau de precisão. Estamos, pois, perante uma cláusula que provoca um desequilíbrio desproporcionado em detrimento do aderente, consubstanciado num prejuízo económico para este.

    Estabelece, por outro lado, a cláusula 16ª, n.º 1, do referido documento complementar: «A AA poderá ceder a terceiro, na totalidade ou em parte, o crédito para si emergente do presente contrato, sem necessidade do consentimento dos MUTUÁRIOS, e sem prejuízo do disposto no artigo 578.º número 2 do Código Civil.». Tal cláusula é proibida num contrato deste tipo, nos termos do art. 18.º, al. l) do DL 446/85, de 25 de Outubro, já que atribui à Ré a possibilidade de ceder os seus direitos contratuais a terceiro, não concretamente identificado no contrato, sem o acordo do aderente.

    Contestou a R., defendendo-se por excepção e impugnação.

    Em sede de excepção, arguiu a incompetência do Tribunal, por competentes serem as Varas Cíveis de Lisboa. Arguiu também a ilegitimidade do Ministério Púbico e falta de interesse processual (incluída naquele pressuposto).

    Defendeu, ainda, a inutilidade da acção, face ao DL n.º 40/2006, de 22/12, que veio proibir os arredondamentos, o que sanciona com uma contra-ordenação, deixando de haver necessidade de prevenção subjacente à acção inibitória.

    Em sede de impugnação, a Ré defendeu, além do mais, que aqui se dá por reproduzido, que as cláusulas em causa não são consideradas cláusulas contratuais gerais; que já não propõe aos seus potenciais clientes cláusulas de arredondamento como a que consta do contrato que motiva a presente acção e que – pelas razões que expõe – tais cláusulas não poderiam ser consideradas proibidas face às normas legais vigentes e, ainda, que a cláusula de cessão de créditos é também permitida, sucedendo que a própria lei prevê a possibilidade das instituições de crédito cederem os seus créditos sobre os devedores para titularização à sua completa revelia, podendo a cessão produzir os seus efeitos sem que estes venham alguma vez a ter conhecimento que os seus créditos foram cedidos a terceiros.

    Concluiu da seguinte forma: «

    1. Deve ser julgada procedente a excepção dilatória de incompetência relativa, devendo o processo ser remetido para as Varas Cíveis do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 111.º do CPC.

    2. Devem ser julgadas procedentes as excepções dilatórias de ilegitimidade, sendo a Ré absolvida da instância relativamente à Cláusula 7.ª, n.º 1, alínea b) do Documento Complementar; c) Deve a presente acção ser julgada totalmente improcedente, por as cláusulas em causa não serem contratuais gerais; caso assim não se entenda: d) Deve a acção ser julgada improcedente, por as cláusulas em causa não serem proibidas nos termos do RCCG».

    O Ministério Público respondeu conforme se retira de fls. 169 e segs., pugnando pela improcedência das excepções deduzidas.

    Foi proferido despacho saneador, no qual, além do mais, se julgou o Tribunal Cível de Lisboa competente e as partes legítimas, considerando-se improcedentes as excepções invocadas.

    Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença, cuja conclusão foi a seguinte: «Destarte, o tribunal decide julgar a presente acção procedente, por provada, e consequentemente: - Declarar nulas as cláusulas 7ª, n.º 1, al. b) e 16.º, n.º 1 do contrato de mútuo com hipoteca, condenando-se a Ré a abster-se de as utilizar em contratos que de futuro venha a celebrar e especificando-se na sentença o âmbito de tal proibição (artigo 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro).

    - Condenar a Ré abster-se de utilizar estas cláusulas, na redacção transcrita, nas Condições Gerais dos contratos que de futuro venha a celebrar com os seus clientes; - Condenar a Ré a dar publicidade a esta proibição e a comprová-la nos autos no prazo de 30 dias, através de anúncios em dois jornais diários de maior tiragem nacional, durante três dias consecutivos, de tamanho não inferior a ¼ da página; Dê cumprimento ao disposto no art. 34.º do RCGG, remetendo à Direcção Geral da Política da Justiça do Ministério da Justiça certidão desta sentença”.

    Inconformada com o decidido apelou a Ré, tendo a Relação de Lisboa decidido: “Por tudo o que se deixou exposto, na parcial procedência da apelação: - Mantém-se a declaração da nulidade, abstenção de utilização e publicidade, tudo nos termos definidos na sentença, apenas relativamente à cláusula 7ª, n.º 1, al. b) do contrato de mútuo com hipoteca.

    - Julga-se improcedente a acção no que se refere à cláusula 16.º, n.º 1 (atinente à cessão de créditos), revogando-se o decidido na sentença no que a esta cláusula respeita”.

    A Ré interpôs recurso de revista ordinária que não foi aceite por este Tribunal, em virtude de se ter entendido haver dupla conforme.

    Foi também interposto recurso de revista excepcional e subsidiariamente, recurso para uniformização de jurisprudência para o caso de não ser aceite o primeiro. Contudo a Formação a que alude o artigo 672.º n.º 3 do Código de Processo Civil recebeu a revista excepcional em análise pelo que ficou prejudicado o segundo que se referia a problemática de índole processual que ficava ultrapassada pelo dito recebimento. Tudo como se encontra documentado nos autos a fls.

    Nesse recurso de revista interposto pela Ré AA e no termo de tudo quanto alegou, pediu que se emitisse decisão sobre legitimidade do Ministério Público na propositura da acção, com a absolvição da Ré da instância ou caso assim se não entenda deverá a mesma ser absolvida do pedido.

    Foram para tanto apresentadas as seguintes, Conclusões.

    I - Decisão sobre legitimidade 1) O artigo 25.º do RCCG prevê que apenas podem ser objecto de acção inibitória as cláusulas "elaboradas para utilização futura", sendo este o pressuposto de legitimidade processual na vertente de interesse processual.

    2) A acção inibitória tem assim como fim específico: impedir que venham a ser utilizadas, ou continuem a ser utilizadas cláusulas proibidas. Aliás, tal como afirma o Sr. Procurador-Adjunto João Alves, a acção inibitória apenas pode ter duas finalidades: a repressiva e a preventiva.

    3) O MP age, na acção inibitória, em nome de interesses públicos. Se as cláusulas já não são utilizadas, a declaração de nulidade apenas pode beneficiar contratantes certos e determinados nos específicos contratos em que tais cláusulas foram utilizadas. Mas essas partes, querendo a nulidade, podem pedi-la em tribunal: nada impede que o façam; não necessitam, para isso, do Ministério Público.

    4) O MP intervém não com o objectivo de obter a declaração de nulidade de contratos passados, mas para pôr termo a uma prática presente ou impedir uma prática futura - Algumas Notas sobre a Tramitação da Acção Inibitória de Cláusulas Contratuais Gerais", in Revista do CE/, VI, 2007, pp. 75-92...

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