Acórdão nº 89/13.2TBMAC-A.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelORLANDO AFONSO
Data da Resolução06 de Outubro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça: A) Relatório: AA, identificado nos autos, intentou procedimento cautelar comum, por apenso à acção declarativa na qual assume a posição de réu/reconvinte, contra BB e CC, também identificada nos autos, alegando, para tanto, em síntese, que, para pagamento e amortização parcial da dívida proveniente de empréstimos que fez à requerida e à sua falecida mãe, a primeira lhe cedeu, por acordo verbal, três parcelas de terreno de um prédio rústico de que os requeridos são proprietários, autorizando-o a entrar na sua posse para aí construir uma piscina e muros de suporte, com aproveitamento do respectivo espaço, o que o requerente fez, sem que, porém, a requerida tenha querido formalizar essas cedências tal como tinha ficado ajustado.

Mais alegou que, tendo tais obras/construções sido feitas de boa fé (porquanto autorizadas pela requerida) e tendo um valor muito superior ao do terreno no qual foram implantadas – do qual, de resto, não podem ser separadas ou levantadas – lhe deve ser reconhecido o direito de propriedade sobre o mencionado prédio, mediante o pagamento aos requeridos do valor que este tinha antes das obras, por se verificarem os pressupostos substantivos da acessão industrial imobiliária previstos no artigo 1340.º do Código Civil.

Sustentou, ademais, que o facto de um dos muros de suporte por si construído no referido prédio ter ficado inacabado por os requeridos se oporem à sua conclusão constitui um perigo para pessoas e bens, bem como para o direito de propriedade que invoca, já que, atentas as características do terreno, já ocorreram deslizamentos de terra, sendo, portanto, necessária uma intervenção urgente.

Concluiu pedindo o decretamento da providência consistente na autorização para que proceda ou mande proceder à continuação das obras/muros que descreveu, com vista a evitar os alegados prejuízos humanos e materiais.

Os requeridos deduziram oposição na qual impugnaram a factualidade alegada pelo requerente, alegando que, na verdade, as construções/obras a que este alude foram feitas fora da área das parcelas que foi objecto dos acordos verbais celebrados entre as partes, não se mostrando, por isso, preenchidos os requisitos da acessão industrial imobiliária, nem consequentemente, os do procedimento cautelar comum, uma vez que, para além de faltar a boa fé, as obras realizadas, não tendo licença de construção, são ilegais.

Terminaram pugnando pelo indeferimento da providência.

Realizado o julgamento, foi proferida decisão na qual se julgou o procedimento cautelar totalmente improcedente.

Inconformado, recorreu o réu/reconvinte para o Tribunal da Relação de Évora que, na procedência da apelação, revogou a sentença recorrida, reconhecendo a probabilidade séria de existência do direito de adquirir a propriedade das parcelas identificadas nos autos por acessão industrial imobiliária e, consequentemente, autorizou o requerente a realizar as obras necessárias à consolidação das construções aí realizadas.

Interpuseram agora os requeridos recurso de revista para este Supremo Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil, invocando, para tanto, que o acórdão recorrido está em contradição com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, tendo concluído a sua alegação da seguinte forma: 1.

Com o devido respeito, os Recorrentes discordam da decisão do Acórdão recorrido do Venerando Tribunal da Relação de Évora, em virtude deste não ter observado o disposto na lei aplicável e encontrar-se em notória contradição com outro acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (o Acórdão proferido pelo STJ em 9 de Fevereiro de 2012, no âmbito do Recurso de Revista do processo n.°45/1999X1.SI, registado no Livro n.° 1731, a fls. 237 e seguintes - o Acórdão-fundamento), no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, conforme prevê o alínea d) do n.° 2 do artigo 629.° do CPC.

  1. A questão em oposição prende-se com os artigos 1317.°, d) e 1340.° n.°s 1 e 4, todos do Código Civil e com os pressupostos substantivos e cumulativos para a aquisição de propriedade através do instituto da acessão industrial imobiliária, por parte do dono da obra, construtor ou interventor, sendo esta uma questão fundamental de direito.

  2. Em concreto, a divergência jurisprudencial encontra-se na interpretação dada a um dos requisitos: a actuação de boa fé do interventor ou construtor da obra, exigido pelo n.° 1 do art. 1340º.° do Código Civil.

  3. Apesar de citar o Acórdão-fundamento, ao elencar os pressupostos da acessão industrial imobiliária determinados pela lei e jurisprudência superior, o decidido no Acórdão recorrido opõe-se frontalmente à posição do STJ, porquanto se considerou ser apenas relevante que o Recorrido, quando fez construções em duas parcelas da parte rústica do prédio misto inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 467 da secção R e na matriz predial urbana sob o artigo 605, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Mação sob o n° 2102, encontrava-se de boa fé, sendo esta somente aferida no momento das construções e - nessa altura - o Recorrido estaria actuar mediante uma autorização que lhe foi concedida pela Recorrente mulher proprietária do prédio.

  4. No Acórdão-fundamento, numa questão semelhante à do caso subjudice, para efeitos da verificação da existência do pressuposto de boa fé do autor e dono da obra, entendeu o STJ que uma modificação aos condicionalismos que estiveram na génese da autorização dada pelo dono do terreno ao interventor, para incorporar materiais alheios no terreno, modificação essa em momento posterior à incorporação dos materiais no terreno, desautoriza ou posterga a autorização inicial.

  5. Ou seja, a boa fé do interventor ou dono da obra terá que ser aferida e condicionada pelo âmbito, conteúdo e alcance que esteve na génese da autorização concedida pelo proprietário do terreno, ainda que a implantação dos materiais fosse sido feita de boa fé por, no momento da incorporação, os condicionantes da autorização serem observados.

  6. Segundo o vertido no Acórdão-fundamento, faltando esse requisito da boa fé, o interventor não pode adquirir o terreno por acessão industrial imobiliária, no momento em que a pede.

  7. A Primeira Instância no caso sub judice seguiu este entendimento do STJ, tendo, em consequência, considerado que o procedimento cautelar requerido pelo ora Recorrido era improcedente, por inexistência de probabilidade séria de aquisição futura por acessão industrial imobiliária da parte rústica do prédio misto propriedade da Recorrente.

  8. A Sentença de As. deu como provado que a autorização que foi dada ao Requerido pela Recorrente mulher, para entrar na posse de duas parcelas, estava condicionada à contrapartida do início do pagamento e amortização de parte da dívida decorrente de empréstimos do Recorrido à Recorrente mulher e à sua mãe entre os anos de 2002 e 2011 (cfr. pontos 1), 2), 4) e 5) dos factos indiciariamente provados).

  9. Porém, em momento posterior à incorporação, o ora Recorrido notificou judicialmente os Recorrentes para virem pagar na íntegra a quantia em dívida (ainda para mais em valor superior ao devido) que esteve na génese da autorização dada pela Recorrente mulher para entrar na posse das duas parcelas e para, igualmente, procederem à preparação de contrato...

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