Acórdão nº 14/09.5GBRMZ.E2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Outubro de 2016
Magistrado Responsável | HELENA MONIZ |
Data da Resolução | 06 de Outubro de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório 1.
Na Comarca de Évora (Inst. Central de Évora— Secção Civil e Criminal), no âmbito do processo comum coletivo n.º 14/98.5GBRMZ, por acórdão de 26.02.2015, foi o arguido AA, identificado nos autos, condenado - pela prática de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelos arts. 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, al. b), ambos do Código Penal (CP), na pena de prisão de 3 (três) anos, - pela prática de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, previsto e punido pelos arts. 165.º, n.º 1, e 177.º, n.º 1, al. b), ambos do CP, na pena de prisão de 5 (cinco) anos, e - em cúmulo jurídico na pena única de prisão de 5 (cinco) anos, substituída pela pena de suspensão de execução da pena de prisão, por igual período, e com a obrigação de pagamento, no prazo de 1 (um) ano, da quantia de 1200 (mil e duzentos) euros, à instituição onde a ofendida BB se encontrar acolhida, podendo cumprir através de pagamento de prestações mensais de 100 (cem) euros cada uma; ao abrigo do disposto no art. 53.º, n.º 3, do CP, foi ainda determinado que a suspensão fosse acompanhada de regime de prova, a executar pelos Serviços de Reinserção Social. Mais se determinou que o arguido, durante o período de suspensão, ao abrigo do disposto no art. 52.º, n.º 2, al. d), do CP, não pudesse alojar ou receber a ofendida.
Foi determinada a recolha de amostra biológica para obtenção de perfil de ADN, de modo a que o perfil assim obtido a partir daquela amostra possa ser introduzido na base de dados de perfis de ADN, de acordo com o disposto nos arts. 8.º, n.º 2 e 18.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2008, de 12.02.
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Inconformado, o arguido, e o Ministério Público, interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Évora que, por acórdão de 02.02.2016, deliberou: «
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Determinar a correcção da decisão recorrida nos termos consignados a fls. 43 do presente acórdão [“sem prejuízo de se determinar a final a correcção do segmento dispositivo deste no sentido de as referências nele feitas à al. b) do n.º 1 do art. 177.º do CP passarem a ser reportadas à al. a) do mesmo normativo”]; b) Conceder provimento parcial aos recursos interpostos pelo MP e pelo arguido e revogar o acórdão recorrido, nos termos das alíneas seguintes; c) Absolver o arguido da acusação por um crime de abuso sexual de criança p. e p. pelos arts. 171º nº 1 e 177º nº 1 al. a) do CP e condená-lo pela prática de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência p. e p. pelos arts. 165º nº 1 e 177º nº 1 al. a) do CP, integrado pelos mesmo factos, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; d) Proceder ao cúmulo jurídico da pena cominada na alínea anterior com a pena de 5 anos de prisão, em que o arguido foi condenado em primeira instância pela prática de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência p. e p. pelos arts. 165º nº 1 e 177º nº 1 al. a) do CP e condená-lo na pena única de 5 anos e 8 meses de prisão efectiva; e) Negar provimento aos recursos quanto ao mais e confirmar a decisão recorrida.» 3.
É deste último acórdão que vem agora o arguido interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo concluído a motivação do seguinte modo: «1- O presente recurso incide na determinação da pena única efectuada no acórdão recorrido e que, como tal, impede a suspensão da execução da pena de prisão de que o arguido vinha condenado.
2 - Com efeito, a Relação de Évora deu parcial provimento ao recurso apresentado no que tange à alteração da qualificação jurídica de um dos crimes em que o arguido vinha condenado e assim este foi condenado: - na pena de dois anos e seis meses de prisão pelo crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência; - manteve-se a condenação na pena de cinco anos de prisão por um outro crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência; 3 - Não obstante, uma das penas parciais ser menor, em cúmulo jurídico, foi estabelecida uma pena única de 5 anos e 8 meses de prisão e, como tal, ditou o afastamento da possibilidade de suspensão de execução da pena de prisão que, note-se, vinha já desde a primeira decisão da primeira instância (parcialmente anulada) e mantida.
4 - Salvo o devido, respeito - e é muito - a sensibilidade judicativa ali manifestada é de aplaudir se comparada com a que foi revelada pelo acórdão recorrido.
5 - Resultou como provado: "16. O arguido não tem antecedentes criminais; 17. É cantoneiro na Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz, auferindo mensalmente 560,41€. Vive sozinho, em casa arrendada pelo montante mensal de 150,OOe. Tem como habilitações literárias a 4. a classe." 6 - Militam ainda em favor do arguido o lapso temporal decorrido desde a data da prática dos factos, bem como o facto de não lhe ser conhecida a prática de quaisquer ilícitos criminais ou de outra índole desde então. 7 - Ora, o acórdão recorrido violou os arts. 77.°, n.º 1 e 2 do Código Penal, bem como o disposto nos art. 13.° (princípio da igualdade) e art. 18.°, n.º 2 (princípio da proporcionalidade), ambos da Lei Fundamental.
8 - Efectivamente, na medida da pena concreta, em cúmulo, devem ser considerados os factos e a personalidade do agente.
9 - De acordo com o art. 77.°, n.º 2 do Código Penal "a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes ( ... ) e como limite mínimo a mais elevadas das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. " 10 - Significa isto que, no caso concreto, o limite máximo da pena a aplicar seria de 7 anos e 6 meses de prisão e o limite mínimo a pena de 5 anos de prisão.
11 - Ou seja, na determinação da pena única, é inferior o limite máximo, razão pela qual o grau de culpa e ilicitude sobre a sua conduta terá que implicar um juízo de menor gravidade do que o que foi formulado pela primeira instância e que, ainda assim, fixou ao arguido a pena única de cinco anos de prisão, ditando a suspensão da execução da pena de prisão, justamente para que "o arguido possa recuperar o seu papel em sociedade".
12 - E fê-lo demonstrando uma sensibilidade judicativa que, repita-se, se aplaude e que, aliás, é igualmente entendida pelo próprio acórdão recorrido, ao manifestar a sua não repugnância pela fixação da pena única, por defeito, de forma a não inviabilizar a suspensão da execução da pena de prisão.
13 - A determinação da pena única, em cúmulo jurídico, deve ainda fixar-se no mínimo legal possível e ser suspensa na sua execução, como se decidira já em primeira instância.
14 - E tal suspensão da execução foi tida em consideração e condicionada a várias obrigações: - pagamento da quantia de 1.200,00€ à instituição de segurança social onde a ofendida está acolhida; - sujeição da suspensão da execução a regime de prova; - proibição de acompanhar, alojar ou receber a ofendida durante o período de suspensão da execução da pena; 15 - De outra sorte, volvidos mais de 9 e 7 anos sobre a prática dos factos e ser determinada uma pena de prisão efectiva é uma violência gritante que importa a destruição da vida do recorrente, hoje com 60 anos! 16 - Efectivamente, o arguido está profissionalmente integrado, decorreu muito tempo sobre a prática dos crimes e as necessidades de prevenção especial vão-se naturalmente mitigando com o decorrer do tempo.
17 - Esta tem sido já a lição deixada por este Supremo Tribunal de Justiça: I - Nos termos do art. 77. º n. º 1, do CP, o agente do concurso de crimes (“quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles») é condenado numa única pena, em cuja medida «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente».
II - Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está, pois, Ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso. Na consideração da personalidade deve ser ponderado...
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