Acórdão nº 135/12.7TBPBL-C.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução13 de Outubro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA propôs acção contra o ex-cônjuge, BB, pedindo se fixasse, como compensação pela utilização exclusiva da casa de morada de família, decretada provisoriamente no processo de divórcio a favor do R., a quantia correspondente a metade do valor locativo do imóvel (€ 175), até à partilha e entrega dos bens adjudicados, a liquidar até ao dia 8 de cada mês, nos termos do artigo 1793.º do CC, acrescida de juros moratórios desde a citação e dos compulsórios em caso de incumprimento. Pediu ainda a condenação do réu no pagamento da quantia de € 3 250,00, correspondentes ao período decorrido desde a data da referida decisão provisória até à instauração da presente acção.

Alegou, em abono da sua pretensão, que ela e o réu foram casados e que o casamento foi dissolvido por divórcio, convolando-se da inicial pretensão litigiosa para o mútuo consentimento dos cônjuges; que no âmbito da acção de divórcio foi provisoriamente atribuído ao réu o direito de utilizar a casa de morada de família, incluindo o recheio, e que desde então tem sido o réu quem a tem utilizado exclusivamente; que a casa de morada de família é propriedade da autora; que deve ser fixado a favor do autor um valor mensal, correspondente a metade do valor locativo do imóvel, que a compense pelo facto de o réu utilizar exclusivamente o imóvel que foi a casa de morada de família.

O réu contestou, invocando a excepção de caso julgado e pugnando subsidiariamente pela improcedência da acção.

Após a realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que decidiu: Julgar parcialmente procedente a excepção de caso julgado, absolvendo o réu da instância na parte relativa ao pedido de condenação no pagamento de uma contrapartida monetária pelo uso da casa de morada de família durante a pendência da acção de divórcio; Julgar verificada a renúncia da requerente a qualquer contrapartida monetária pela utilização da casa de morada de família até à partilha, absolvendo o réu do respectivo pedido.

  1. Inconformada, apelou a A., tendo a Relação concedido provimento ao recurso e julgado a acção improcedente - começando por fixar o seguinte quadro factual relevante: 1. A requerente AA e o requerido BB casaram um com o outro no dia 7 de Novembro de 1983, sem convenção antenupcial.

  2. Enquanto casados, requerente e requerido fixaram a sua residência comum numa moradia unipessoal situada na Travessa …, …, ..., Pombal.

  3. Por sentença de 4 de Novembro de 2013, transitada em julgado, foi decretado o divórcio por mútuo consentimento entre a requerente e o requerido e, para além do mais, homologado o acordo entre ambos obtido relativamente à utilização da casa de morada de família, o qual foi formulado nos seguintes termos: “no que se refere à casa de morada de família acordam em atribuí-la ao cônjuge marido, conforme o que já foi incidentalmente decidido e até à partilha dos bens comuns”.

  4. A referida casa encontra-se mobilada e equipada com electrodomésticos adequados ao seu normal funcionamento.

  5. Desde a separação de facto do casal, é o requerido quem tem utilizado tal casa e seu recheio, de forma exclusiva.

  6. Corre termos junto do competente Cartório Notarial inventário para partilha dos bens comuns de casal, no qual o requerido exerce as funções de cabeça-de-casal, tendo já prestado as legais declarações e apresentado a relação de bens, estando em curso uma reclamação contra esta relação.

  7. Foi diagnosticado à requerente um carcinoma mamário invasivo, tendo sido sujeita a mastectomia radical e posterior tratamento de quimioterapia, prosseguindo agora com tratamento farmacológico, tudo o que a deixou e deixa fragilizada e tem sido factor de desgaste emocional. Aufere um subsídio de doença que ronda os € 320,00 (trezentos e vinte euros) mensais.

  8. Desde a separação de facto do casal, a autora vive em casa dos pais, dormindo num divã instalado na sala de tal casa, por os dois quartos de que esta dispõe estarem ocupados por cada um dos seus progenitores, os quais, por questões de saúde, não podem partilhar quarto ou cama.

  9. A casa referida em 2) situa-se perto do centro da localidade da ..., do Chamado Rossio, dispondo de três quartos, 1 casa de banho, cozinha e sala, e, ainda, de um logradouro; está equipada com água, luz e gás; é servida de uma porta de entrada no seu alçado frontal, que deita directamente para um pequeno jardim, o qual, por sua vez, confronta com a via pública; dispõe, ainda, de uma passagem lateral que possibilita o acesso, a pessoas e veículos, às traseiras da casa e logradouro referido.

  10. O requerido padece de patologias como diabetes tipo 2, Glaucoma e depressão, estando a ser medicado para esse efeito.

  11. Foi submetido a exame de incapacidade permanente para o trabalho, aguardando decisão do Instituto de Segurança Social.

  12. O requerido desenvolve trabalhos ocasionais por conta de familiares e amigos, que o compensam com géneros ou com quantias monetárias, com as quais o mesmo procura fazer face às suas despesas domésticas e correntes.

  13. A ora recorrente requereu, na acção de divórcio instaurada contra o réu, que a utilização da casa de morada de família lhe fosse atribuída provisoriamente a si.

  14. Na contestação à acção, o réu pediu a atribuição provisória a si da casa de morada de família.

  15. A ré contestou o pedido.

  16. Por sentença proferida em 15 de Maio de 2013, foi atribuída provisoriamente ao réu a casa de morada de família.

  17. Em 18 de Junho de 2013, a autora requereu, no processo de divórcio, o pagamento pelo requerido de uma compensação/renda não inferior a € 175,00 pela utilização provisória da casa de morada de família, com todo o recheio e demais móveis e electrodomésticos.

  18. O requerimento foi indeferido por decisão proferida em 11 de Setembro de 2013, com o fundamento de que o pedido formulado pela requerente era “processualmente descabido”, sob pena de se cair numa intolerável eternização das discussões sobre o objecto das acções, aditar pedidos que podiam e não foram formulados no momento oportuno” que a pretensão da requerente não era mais do que uma alteração/ampliação do seu pedido reconvencional já depois de findo o julgamento dos autos” [nota: a Meritíssima juíza que proferiu a decisão laborou no pressuposto de que havia sido o requerido a requerer a condenação da requerente no pagamento de uma renda pelo gozo da casa de morada de família. Era manifesto o lapso].

  19. A requerente não se conformou com tal decisão e interpôs recurso de apelação.

  20. No tribunal da Relação, o relator proferiu decisão sumária na qual decidiu não admitir o recurso; subsidiariamente, isto é se assim se não entendesse, decidiu negar provimento ao recurso e confirmar a decisão.

  21. Passando, de seguida, a pronunciar-se sobre as questões que integravam o objecto da apelação – e após ter considerado inverificadas as excepções de caso julgado e de renúncia à compensação pelo uso provisório exclusivo da casa de morada, atribuído ao R., -considerou a Relação no acórdão recorrido: Pelas razões a seguir expostas, entendemos que o cônjuge a quem foi atribuída a casa de habitação, quer ao abrigo da fixação do regime provisório, quer ao abrigo do acordo previsto na alínea d), do n.º 1 do artigo 1775.º do Código Civil, não está constituído na obrigação de pagar ao outro cônjuge qualquer compensação pela utilização exclusiva da casa de habitação.

    Antes de enunciarmos tais razões, importa dizer que a questão não tem obtido uma resposta uniforme da jurisprudência.

    No acórdão proferido em 18 de Novembro de 2008, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano XVI, Tomo III/2008, páginas 131 a 139, embora a questão suscitada no recurso fosse a de saber se o cônjuge que ficou a habitar na casa de morada de família após a cessação da coabitação estava obrigado a pagar ao outro cônjuge uma compensação por tal habitação em virtude de o bem ser comum, o acórdão pronunciou-se também sobre a questão de saber se a utilização da casa de morada de família ao abrigo do regime provisório fixado no artigo 1407.º, n.º 7, do Código Civil conferia ao outro cônjuge o direito a obter uma compensação pecuniária. A reposta foi negativa, como o atesta o seguinte trecho de tal decisão: “…em regimes provisórios de utilização de casa comum, tem-se entendido não ser de fixar a obrigação de qualquer pagamento ao outro cônjuge, precisamente por se tratar da casa de morada de família, bem comum do casal”. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido, em 26-04-2012, no processo n.º 33/08.9TMBRG, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido, em 1 de Julho de 2013, no processo n.º 2557/10.9TBVFX, e o acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido no processo n.º 3835/11.5TJVNF, todos publicados em www.dgsi.pt. já afirmaram que a atribuição provisória da utilização da casa de morada de família implicava a fixação de uma compensação ao cônjuge a quem não fora atribuída a casa.

    O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça fundou no regime da compropriedade a obrigação de pagamento da compensação, afirmando a este propósito o seguinte: “crê-se ter cabimento que aquele que da sua “quota-parte” não usufrui, tenha também direito a um gozo indirecto, que consistirá em perceber, tal como se locação houvesse, compensação pelo valor do uso de tal “quota-parte”. E acrescenta: “Isto, no plano dos princípios, pois, não disciplinando a lei, de forma específica, como efectuar a atribuição provisória que in casu pela ré, ex-cônjuge mulher...

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