Acórdão nº 7313/13.0T2SNT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução27 de Outubro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1.

A Sociedade Agrícola AA, S.A., S.A. (A.), instaurou, em 20/03/2013, junto da então Grande Instância Cível de Sintra, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra a sociedade BB - Comércio e Distribuição de Bebidas, Ldª.(R.), a pedir que esta fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 67.822,49, acrescida de juros de mora, desde a citação, alegando que: .

A A., dedicando-se à produção e comercialização de vinho, para escoar a sua produção, celebrou, em 2003, um contrato de distribuição com a sociedade “CC”, no âmbito do qual esta promoveu a comercialização dos vinhos da A. desde aquela data até 2006, ano em que o sobredito contrato foi revogado; .

Depois disso, a R. passou a distribuir os vinhos da A. por contrato consensual, tendo esta efetuado grandes investimentos em marketing dos quais a R. nunca lhe prestou contas; .

Porém, a qualidade dos serviços prestados pela R., que foi piorando ao longo do tempo, degradou-se por completo em 2012, ocorrendo uma diminuição injustificada das vendas, a quebra financeira da R. e uma suspensão dos planos de levantamentos, o que levou a A. a considerar que a manutenção da relação comercial conduziria à sua insolvência; .

Em outubro de 2012, a A. começou a falar com a R. na impossibilidade de manterem aquela relação comercial, tendo marcado uma reunião para acertar os pagamentos em falta, as vendas até ao final do ano e o destino dos stocks, mas a R. informou-a de que o assunto estava bloqueado e entregue aos seus advogados; .

Perante isso, a A. enviou uma carta à R., em 26/11/2012, a comunicar a resolução do sobredito contrato consensual e, na sequência da resposta desta, aceitou a devolução de todo o stock, emitindo as respetivas notas de crédito; .

Não obstante isso, a R. recusou pagar à A. a quantia de € 67.822,49, relativa ao vinho por ela adquirido e revendido, invocando ser credora de indemnizações, nomeadamente de clientela; .

No entanto, não assiste à R. tal direito, porquanto a A. não beneficiou em nada com a existência de tal clientela, que não lhe foi transmitida, já que os clientes correspondentes a grandes superfícies exigiram à A. novas condições para tornarem a comprar os seus vinhos, não tendo, por outro lado, recebido qualquer encomenda dos antigos clientes da R., da rede “DD” (hotéis, restaurantes e garrafeiras).

  1. A R. apresentou contestação-reconvenção, a sustentar que: .

    O contrato celebrado entre a A. e a “CC” não foi resolvido, antes tendo sido cedida a posição contratual dessa sociedade à ora R., na sequência da constituição desta pela “CC” e pela “EE”, como forma de potenciar a intervenção no mercado de distribuição de vinhos; .

    Por via disso, a partir de agosto de 2004, a R. passou a assegurar a distribuição dos produtos da A. nos mesmos termos contratados com a “CC”, com conhecimento da A.; .

    No início da intervenção da R. na distribuição dos vinhos da A., esta encontrava-se ainda a desenvolver alguns dos seus produtos, pelo que a R. se comprometeu a colaborar com ela na definição de alguns aspetos referentes à sua política comercial, na divulgação, promoção e lançamento de marcas de vinho no mercado, cabendo a última palavra à A. e tendo estado as partes sempre próximas uma da outra, por impulso e incentivo da R.; .

    Assim, a R. sempre diligenciou pela prospeção e criação de circuitos de mercado para colocar os produtos da A., quer junto da grande distribuição, quer junto do sector hoteleiro, estabelecendo contatos com potenciais clientes, efetuando ações de marketing e investindo na captação de clientela junto dos consumidores; .

    E ainda promoveu, em conjunto com a A., visitas de clientes à quinta da A. para divulgar os produtos desta, sendo que, em resultado dessa atividade, a R. conseguiu um total de 1524 clientes, conseguindo aumentar o volume de vendas de € 218.956,21, em 2009, para € 402.394,59, em 2012, com um volume total de € 1.847 385,71 nesses cinco anos; .

    A diminuição de vendas ocorrida em 2012 emergiu do cenário económico-social nacional e da situação de recessão vivida, com uma quebra de atividade drástica do sector hoteleiro; .

    A quebra de vendas dos produtos da A., a partir dos meados do mês de novembro, resultou da eventual precipitação da A. em anunciar no mercado a mudança de distribuidor, quando era expectável que a proximidade do período natalício incrementasse as vendas, sendo, por isso, que os valores totais de vendas de 2012 são inferiores a 2011, não sendo expectável que fossem superiores em razão da situação de crise vivida; .

    A R. nunca se obrigou a qualquer plano de levantamentos, apenas havendo projeções de vendas e não qualquer obrigação dela de, em 2012, adquirir mercadoria da A. em maior volume do que no ano de 2011; .

    Ademais, a A. faturava mercadoria que apenas entregava posteriormente, com base nessas projeções, nunca tendo a R. recusado essa faturação; .

    A A. nunca comunicou à R. qualquer impossibilidade de continuarem a relação comercial entre ambas, sendo que da carta de 26/11/2012 não consta qualquer circunstância que fosse fundamento para a pretendida resolução, tendo a A. apenas comunicado o termo da relação contratual entre as partes, com efeitos a partir de 01/01/2013; .

    Aplicando-se, analogicamente, as regras do contrato de agência, a denúncia da A. é ilícita, dado que art.º 28º do respetivo regime jurídico apenas permite a denúncia em contratos celebrados por tempo indeterminado e o contrato entre as partes tinha prazo de vigência de um ano, renovável por iguais períodos se nenhuma das partes se opusesse com antecedência não inferior a 90 dias; .

    Assim, a R. ficou impedida de obter no ano seguinte (2013) uma remuneração de, pelo menos, € 100.000,00, tendo em conta o rendimento médio anual de € 114.500,00 calculado nos últimos cinco anos, ou uma indemnização de, pelo menos, € 32.416,00, caso se venha a entender que o contrato não tem prazo de vigência, face ao disposto nos art.º 28º e 29º do Regime Jurídico do Contrato de Agência; .

    Além disso, é devida à R. uma indemnização de clientela calculada nos termos dos artigos 33.º e 34.º do indicado regime, já que, por força da atuação da R., a A. detém um estatuto e uma posição de reconhecimento no mercado vinícola nacional, sem que essa situação se tenha alterado com a cessação do contrato de concessão comercial, considerando que a comercialização dos produtos da A. representava para a R. cerca de 12,5% do seu volume de negócios anual, tendo nos últimos cinco anos uma média anual de vendas de € 495.822,60, com uma margem média de lucro de 23,01%, o que representa uma remuneração média anual, nos últimos cinco anos, de € 114.500,60; .

    A R. é, pois, credora da A. nos indicados montantes de € 100.000,00 e de € 114.500,60, devendo operar-se a compensação sobre o crédito por ela peticionado.

    Concluiu a R. pela improcedência do pedido formulado pela A. e, em sede de pedido reconvencional, pediu a condenação desta no pagamento da quantia de € 214.500,60 ou, caso assim não se entendesse, no pagamento da quantia de € 146.916,60, por efeito da invocada compensação.

  2. A A. apresentou réplica, na qual, além de arguir a intempestividade da contestação, impugnou a alegada cessão da posição contratual, rebateu a tese da R. relativamente à denúncia ilícita do contrato e ao direito de indemnização invocados, impugnando ainda os factos em que a R. estriba a pretensão reconvencional, concluindo pela improcedência da reconvenção e reiterando, no mais, o petitório.

  3. Findos os articulados, realizou-se audiência prévia, no decurso da qual, foi fixado o valor da causa em € 282.323,09, julgada improcedente a arguida intempestividade da contestação, declarada não escrita parte da tréplica e proferido saneador tabelar, após o que se procedeu à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova.

  4. Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 530-577, a julgar procedente a ação e parcialmente procedente a reconvenção e, em consequência disso: a) – a reconhecer o crédito da A. para com a R. no montante de € 67.822,49 e o crédito da R. sobre a A. no montante de € 200.000,00; b) – a declarar verificada a compensação do crédito da A. com igual parte do crédito da R.; c) – a condenar a A. a pagar à R. o remanescente equivalente à quantia de € 132.177,51, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a notificação da reconvenção até integral pagamento.

  5. Inconformada com tal decisão, a A. apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa que, através do acórdão de fls. 759-803, datado de 26/ 11/2015, enunciou como questões a resolver, as seguintes: a) - saber se o contrato em causa foi celebrado, desde início, entre A. e R., verbalmente e sem prazo, ou se a última sucedeu, desde agosto de 2004, na posição contratual da “CC”; b) - saber se a resolução contratual operada pela A. foi fundada em justa causa e, em caso negativo, qual o período de tempo a atender para efeitos do cálculo da respetiva indemnização; c) – a questão da atribuição ou não da indemnização de clientela.

    E decidiu: i) - Em primeira linha, conceder parcial provimento ao recurso, alterando a sentença recorrida quanto à pretensão reconvencional atinente à condenação da A., por violação do pré-aviso da denúncia, reduzindo o respetivo montante para € 16.667,00 e mantendo no mais a decisão recorrida; ii) – Em consequência dessa procedência parcial, julgar efetuada a compensação, condenando a A. a pagar à R. a quantia de € 48.844,51, acrescida dos respetivos juros de mora.

  6. Desta feita, a R. veio recorrer de revista, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - O contrato dos autos é um contrato de concessão comercial, sendo-lhe aplicável o Regime Jurídico do Contrato de Agência (RJCA), contemplado no DL n.º 178/86, alterado pelo DL n.º 118/93; 2.ª - Resulta da factualidade provada que o mencionado contrato foi celebrado com prazo certo, renovando-se anualmente ao dia 31 de dezembro de cada ano, caso...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT