Acórdão nº 8054/07.2TDPRT.P2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelMANUEL AUGUSTO DE MATOS
Data da Resolução12 de Outubro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – RELATÓRIO 1.

Após a realização da audiência prevista no artigo 472.º do Código de Processo Penal, doravante CPP, o Tribunal Colectivo da Comarca do Porto – Instância Central – 1.ª Secção Criminal, proferiu, em 10 de Março de 2016, acórdão em que operou o cúmulo jurídico (superveniente), englobando as penas parcelares aplicadas ao arguido AA, identificado nos autos, nascido em7 de Junho de 1973, nos seguintes processos: a) Processo n.º 05/05.5GBPRT da 1ª Secção Criminal Central do Porto J9; b) Processo n.º 01/04.0AAVCT da 1ª Secção Criminal Central do Porto J13; c) Processo n.º 546/05.4TDPRT da 1ª Secção Criminal Central do Porto J7; d) Processo n.º 7406/04.4TDPRT da 1ª Secção Criminal Central do Porto J7; e) Processo n.º 1855/06.0TASTS da Secção Criminal Local de Santo Tirso J1; e f) Processo nº 8054/07.2TEPRT da 1ª Secção Criminal Central do Porto J7 (os presentes autos).

Tendo condenado o arguido na pena única de 14 (catorze) anos de prisão.

  1. Inconformado com esta condenação, interpôs o arguido este recurso, rematando a respectiva motivação com as seguintes conclusões: «CONCLUSÕES 1- A única questão que o arguido/recorrente vem arguir, é a dimensão da pena que lhe foi aplicada, sendo que na sua opinião é demasiado elevada tendo em conta as circunstâncias decorrentes da sua personalidade, dos crimes praticados e do espaço temporal em que se sucederam.

    2- Entendemos que no caso concreto, dado tudo o que ficou provado em relação aos crimes cometidos, o mesmo tipo de crime, ao espaço temporal em que foram praticados, desde 2003 até 2005, e ao que ficou demonstrado em relação à personalidade do arguido e às suas condições de vida, entendemos que se estará na situação prevista no artº 30º/2 do C Penal.

    3- Tendo em vista o preceituado no n.º 2 do art. 30.º do CP, poder-se-á concluir que o crime continuado se verifica quando, com unidade de dolo e em momentos distintos, mediante várias acções ou omissões, cada uma das quais constitutiva de comportamento delituoso, se lesa o mesmo bem jurídico pertencente a uma pessoa, ou a várias sempre que o bem jurídico não seja de natureza eminentemente pessoal, face à existência de uma situação exterior que, incentivando, propiciando ou facilitando o comportamento delituoso, diminui de forma sensível a culpa do agente.

    4- O que se verifica no caso concreto, podendo/devendo o arguido ser beneficiado dos limites concretos da medida da pena para o cometimento do crime continuado.

    Termos em que, com o habitual douto suprimento, se requer que V. Exªs, no procedimento do presente recurso, procedam ao cúmulo jurídico pelos crimes praticados pelo arguido, mas tendo em consideração os requisitos do crime continuado, que, na humilde opinião do arguido, se verificam no caso concreto.» 3.

    Respondeu o Ministério Público, dizendo: «Foi operado cúmulo jurídico, ao abrigo do disposto nos art.ºs 77.º e 78.º do CP, englobando as penas parcelares aplicadas nos seguintes processos: - N.º 05/05.5GBTRD – 3.ª Vara Criminal do Porto - N.º 546/05.4TDPRT – 3.ª Vara Criminal do Porto - N.º 01/04.0AAVCT – 1.ª Vara Criminal do Porto - N.º 7406/04.4TDPRT – 3.ª Vara Criminal do Porto - N.º 1855/06.0TASTS –Secção Criminal Local de Santo Tirso - N.º 8054/07.2TDPRT (presentes autos).

    O arguido não questiona o cúmulo jurídico efectuado, mas discorda da dimensão da pena que lhe foi aplicada.

    E isso porque, na sua perspectiva, tendo em consideração o tipo fundamental de crime em causa, o espaço temporal em que todos os crimes foram praticados (entre 2003-2005), a sua personalidade e condições de vida, está-se perante a situação prevista no art.º 30.º, n.º 2 do CP.

    E tendo precisamente em vista o preceituado nessa norma legal, deve beneficiar, segundo sustenta, dos requisitos do crime continuado para efeito de fixação da pena concreta a aplicar em cúmulo jurídico.

    *** De uma simples leitura do teor do Acórdão de fls. 2018-2100, fica-se logo com uma ideia segura dos inúmeros crimes praticados pelo arguido e pelos quais foi condenado.

    E foram muitos os crimes que constituíram objecto de cada um dos processos supra referidos, tendo sido condenado em diferentes penas por cada um desses crimes, penas essas englobadas numa pena única resultante de cada um dos cúmulos jurídicos efectuados.

    Assim, e tendo em consideração a ordem dos processos acima indicada, foi condenado, respectivamente, nas seguintes penas únicas: 9 anos de prisão; 2 anos de prisão suspensa na sua execução, que foi revogada; 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução; 5 anos e 3 meses de prisão; 2 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução; 3 anos de prisão efectiva.

    Em nenhum desses processos foi condenado pela prática de um só crime continuado, tendo, isso sim, sido condenado por tantos crimes quantas as resoluções criminosas.

    O que significa que a condenação do arguido, mesmo que se tenha como referência “o mesmo tipo de crime”, levou em conta o número de vezes que tal ilícito foi preenchido pela respectiva conduta, em obediência ao disposto no art.º 30.º, n.º 1 do CP.

    O que vale por dizer que, no entendimento de cada um dos Tribunais que condenou o arguido, a realização plúrima do mesmo tipo de crime (ou de vários crimes que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico), não foi executada pelo mesmo de forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que tenha diminuído consideravelmente a sua culpa.

    Ora, se nos diferentes processos os Tribunais não reduziram a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou dos vários tipos de crime a um só crime, não se compreenderia, logicamente, que, fazendo-se agora cúmulo jurídico de todas as penas parcelares aplicadas nesses processos, se concluísse que, afinal, se verificava apenas um só crime continuado.

    Isso traduziria, na prática, no momento da realização do cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido nos diferentes processos, o reconhecimento de uma diminuição considerável da sua culpa, reconhecimento esse nunca verificado após a realização dos diversos julgamentos que conduziram à sua condenação.

    Mais, isso significaria que o Tribunal para o efeito competente, deixaria de fazer verdadeiro cúmulo jurídico das penas parcelares em que o arguido foi condenado, passando, pura e simplesmente, a punir o mesmo com a pena aplicável à conduta mais grave que integrasse o crime continuado que entendesse verificado, de acordo com o disposto no art.º 79.º do CP.

    Parece-nos evidente que tal solução colidiria com o legalmente estatuído, sendo certo que, como dispõe o art.º 77.º n.º 2 do CP, aplicável por força do disposto no art.º 78.º n.º 1 do mesmo diploma legal, “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes…e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.

    Não pode, assim, contrariamente ao pretendido pelo arguido, “ser beneficiado dos limites concretos da medida da pena para o cometimento do crime continuado”.

    Por isso, e tal como é referido no Acórdão, é de ter em conta a elevada gravidade do conjunto dos factos, o modo de execução dos crimes, a insistência no cometimento de crimes da mesma natureza, a personalidade do arguido com alguma propensão para o cometimento de crimes de burla e de falsificação de documentos, as elevadas necessidades de prevenção geral e especial, o alarme social que crimes de idêntica natureza provocam na sociedade e na economia e as condenações anteriores.

    Tudo isso a determinar a pena de 14 (catorze) anos de prisão, fixada em cúmulo jurídico, pena essa que se nos afigura justa e equilibrada, tendo em consideração toda a conduta criminosa do arguido, a personalidade evidenciada pelo mesmo e até, impõe-se sublinhá-lo, o facto de ter procurado furtar-se à acção da Justiça.

    Deverá, assim, e a nosso ver, o Douto Acórdão recorrido ser confirmado, negando-se, consequentemente, provimento ao recurso.» 4.

    Tendo o recurso sido endereçado ao Tribunal da Relação do Porto, por decisão de 31 de Maio de 2015, foi determinada a remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça, Tribunal que é o competente, nos termos do disposto no artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, uma vez que o recurso do arguido, condenado na pena única de 4 anos de prisão, visa exclusivamente o reexame de matéria de direito.

  2. Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta apôs o seu «visto», consignando «nada a acrescentar ao entendimento defendido pelo Ministério Público».

  3. Foi dispensado o cumprimento do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, tendo em conta o previsto na 1.ª parte desse preceito.

  4. Colhidos os vistos legais, foi o recurso presente à conferência, cumprindo decidir.

    II – FUNDAMENTAÇÃO 1. Os factos Considerou o acórdão recorrido a seguinte matéria de facto provada: «2.1. Os Factos 2.1.1. Factos provados 2.2.1.1. Condenações aplicadas ao arguido 1. Nos presentes autos (Processo Comum Colectivo nº 8054/07.2TDPRT), decisão de 16.09.2015, transitada em 21.10.2015, pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido, pelos arts. 217º e 218º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, de um crime de abuso de confiança, previsto e punido, pelo art. 205º, n.º1 e 4 al. a) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão e um crime de burla qualificada, previsto e punido, pelos arts. 217º e 218º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; em cúmulo jurídico, condenar o arguido AA, na pena única de três anos de prisão efectiva.

    Resumo dos factos: Em dia indeterminado do mês de Maio do ano de 2005, o legal representante da sociedade ofendida “BB, Lda”, CC, entregou ao arguido, à consignação o veículo automóvel de matrícula ...-XE, de marca Ford Fiesta, no valor de € 13.850, nas instalações da sociedade “DD, Lda, Lda”, situadas na Rua ..., nesta cidade, de que o arguido era o sócio gerente.

    Este...

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