Acórdão nº 1960/14.0PAALM.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Outubro de 2016
Magistrado Responsável | SOUSA FONTE |
Data da Resolução | 12 de Outubro de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça 1. Relatório 1.1.
O arguido AA, cidadão português nascido em ... em ..., filho de ..., residente no ..., foi julgado no processo em epígrafe, da Instância Central Criminal de Lisboa, 2ª Secção – Tribunal de Almada, sob a acusação de ter praticado um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2-alíneas c), d) e g), do CPenal, um crime de rapto, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, nºs 1 e 2-alínea a), 23º, nº 1, 161º, nº 1-alínea c), também do CPenal, e um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artº 86º, nº 1-alínea c), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro.
A ofendida BB requereu, em 18.02.2015, fls. 350/351, a sua constituição como assistente, nos termos da alínea a) do nº 1 do artº 68º do CPP, manifestando o propósito de deduzir pedido de indemnização civil, e foi admitida nessa qualidade pelo despacho de 21.04.2015, fls. 413.
Notificada da acusação pública, fls. 425 e 435, conformou-se com a qualificação jurídica dos factos nela operada, deduziu pedido civil – pedindo a condenação do Arguido/demandado em indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos, quer na qualidade de ofendida, quer enquanto companheira do falecido CC, no montante total de €92.395,90 – e juntou rol de testemunhas que, posteriormente rectificou, fls. 454/478 e 694, respectivamente.
DD, filha do falecido CC, também deduziu, contra o Arguido, pedido de indemnização civil no montante de €70.000,00, a título da reparação dos danos não patrimoniais sofridos por si, com a morte do seu pai, e pelo próprio falecido.
A final, o Tribunal Colectivo decidiu: – absolver o Arguido da prática do crime tentado de rapto por que estava acusado; e – condená-lo : – pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelo artº 132º, nº1, do CPenal, na pena de 15 anos de prisão; – pela prática de um crime de sequestro, p. e p. pelo artº 158º, nº1, do CPenal, na pena de 2 anos de prisão; – pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artº 86º, nº1-alínea c), da Lei nº 5/2006, de 23/2, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; – em cúmulo jurídico, na pena conjunta de 16 anos e 6 meses de prisão; – a pagar à assistente BB uma indemnização de €20.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a decisão até integral pagamento, e – a pagar à demandante DD uma indemnização de €70.000,00, também acrescida de juros de mora à taxa legal desde a decisão até integral pagamento.
1.2.
Inconformada, a assistente BB interpôs recurso que dirigiu ao Tribunal da Relação de Lisboa, de cuja motivação extraiu as seguintes conclusões (segue-se a sua transcrição) Por manifesto lapso, a Recorrente refere como recorrida a «douta sentença absolutória», tanto no requerimento de interposição do recurso (fls. 12131) como no intróito da motivação (fls. 1232).
: «1ª) A assistente não se conforma com a pena de 15 anos aplicada ao arguido pela prática do crime de homicídio qualificado sobre a vítima Domingos, porquanto, não se coaduna com a necessidade de protecção do bem jurídico violado nem com o grau de culpa associada à prática dos factos atento o circunstancialismo fáctico apurado, e pugna que a mesma deveria ser fixada, minimamente, em 20 (vinte) anos de prisão.
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) Nos termos definidos no art.º 40.º do Código Penal e, em consonância com o disposto no art.º 71.º, n.º 1, do Código Penal, a leitura adequada relativamente às finalidades da aplicação de uma pena reside primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade, sendo que, a pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa; Isto é, 3ª) “As penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime, e, em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal”. Neste sentido, vide os Acórdãos de 08-10-1997, processo n.º 976/97 e de 17-12-1997, processo n.º 1186/97, in Sumários de Acórdãos, n.º 14, pág. 132 e n.º s 15/16, Novembro/Dezembro 1997, pág. 214.
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) O modelo do Código Penal Português é de prevenção: a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do art.º 40.º determina, por isso, que os critérios do art.º 71.º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição.
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) Atento o circunstancialismo envolvente aos factos em causa, é evidente que o alarme social gerado é elevadíssimo, logo, prementes são as necessidades de prevenção geral; 6ª) O dolo do arguido é muito intenso, sendo directo, pelo que a culpa situa-se, assim, em patamar muito elevado, já que este matou um homem de meia idade, que praticamente não conhecia, sem motivo aparente ou conhecido, com uma ferocidade inqualificável, manifestando ódio pela vítima, o que revela um total desrespeito pela vida humana e considerável falta de capacidade para se reger de acordo com os valores, com a inerente perigosidade.
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) O direito à vida é a conditio sine qua non para gozo de todos os outros direitos, sendo que, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, 1.ª parte, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, o direito de qualquer pessoa à vida é protegido pela lei, tratando-se essencialmente de um direito a não ser privado da vida, um direito a não ser morto – neste sentido, Vera Lúcia Raposo, O direito à vida na jurisprudência de Estrasburgo, in Jurisprudência Constitucional, n.º 14, pág. 59 e ss.
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) É muito elevado o grau de culpa no quadro da especial censurabilidade própria do tipo qualificado, sendo que a actuação do arguido foi extremamente censurável, e mesmo cruel, não se coibindo de atingir mortalmente a vítima, com um altere e com facadas no peito da vítima.
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) O comportamento criminoso do arguido conduziu também à produção de efeitos colaterais, com intenso grau de lesividade de direitos de personalidade de outrém, no caso, dos da própria assistente e dos filhos, mormente da filha DD (demandante civil nos autos) que precocemente ficaram privados do seu pai, com quem tinha uma relação emocional muito próxima e traduzida em cumplicidade muito própria de pai e filha.
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) Acresce que o arguido, com a sua...
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