Acórdão nº 310/13.7TBVLG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA SOTTOMAYOR
Data da Resolução26 de Janeiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório AA instaurou, no Tribunal Judicial de Valongo, contra BB e marido, CC, ação declarativa de condenação, com forma de processo ordinário, pedindo a condenação dos RR. a restituírem-lhe a quantia de € 383.476,40, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa previsto no art. 473º do Código Civil, acrescida de juros de mora desde a citação até integral e efetivo reembolso.

Depois de descrever a sua situação pessoal - doença do foro neurológico crónico (esclerose múltipla, forma secundariamente progressiva), agravada pela morte da mulher, que originou a prática de actos para que não tinha total consciência, detetável por quem com ele convivesse diariamente - que o levou a ter aceitado os préstimos dos RR., com quem mantinha relações de amizade e que, apesar de serem conhecedores de elevadas quantias em depósitos e aplicações bancárias de que era titular, pareciam demonstrar total desinteresse no auxílio que prestavam, levando-o para a residência deles em finais de Maio de 2004, alega, em resumo, que outorgou uma procuração a favor dos RR. e abriu, com dinheiro seu, contas bancárias em seu nome e da R., para que esta tratasse de assuntos burocráticos da sua vida e gerisse as contas bancárias, e, tendo-se o seu estado de saúde agravado em Agosto de 2004, o que provocou o seu internamento hospitalar até princípios de Outubro de 2004, a partir desta data não mais regressou à residência dos RR., passando a viver com familiares, tendo posteriormente constatado que tinha desaparecido todo o recheio do seu apartamento do qual a R. era a única possuidora das chaves, restando apenas os móveis; face a essa constatação, por carta de 6/12/2005, notificou a R. para que explicasse e descriminasse todas as despesas que originou, e, por carta de 4/1/2005, fez-lhe saber que pretendia analisar todas as referidas despesas e solicitou-lhe informação detalhada das mesmas e que pudessem refletir os movimentos das contas e depósitos bancários, que tivesse realizado, e o estado dos mesmos, ao que ela respondeu por carta de 26/1/2005, referindo, em síntese, que todos os atos que praticara o tinham sido a coberto dos poderes que o A. lhe conferira, mas sem lhe prestar cabal justificação; veio posteriormente a apurar que os saldos das contas bancárias titulados por ele e pela R. tinham sido por esta transferidos para contas tituladas pelos RR. e que a R. tinha procedido a diversos levantamentos, que integrou no património comum do seu casal, ascendendo os montantes transferidos e levantados a € 383.476,40, quantia com que o casal dos RR. se locupletou, na exata medida do empobrecimento do seu património, que os RR. se recusam a restituir-lhe, apesar de os ter interpelado, mais aludindo à participação criminal que fez contra os RR., que foram acusados de alegada prática dos crimes de furto e burla qualificados, mas de que foram absolvidos, por sentença transitada, ao abrigo do princípio in dubio pro reo.

Regularmente citados, contestaram os RR. que apresentaram defesa por exceção, em que invocam o caso julgado formado pela sentença proferida no processo crime em que eram arguidos e foram absolvidos dos crimes que lhes eram imputados e em que o A. deduziu pedido de indemnização civil, de que foram igualmente absolvidos, e por impugnação motivada, em que, e em resumo, relatando o seu relacionamento com o A. e sua falecida esposa, que remonta há cerca de 33 anos, bem como a doença que afetou ambos, alegam que todas as transferências e levantamentos de dinheiro foram feitos com a concordância do A. e da sua falecida mulher, A. que nunca esteve afetado das suas faculdades mentais e que, por não ter filhos e não se relacionar com os familiares, afirmava que era seu desejo, face ao apoio que eles lhes prestaram, que os RR. ficassem com o seu dinheiro, em vida e à sua morte, porque a sua reforma era suficiente para viver de modo desafogado, tendo o seu relacionamento com o A. terminado após ter tido alta hospitalar, de forma abrupta, data em que foi levado por familiares para um lar e a partir da qual têm sido impedidos de o visitar, na sequência do que o A. lhes moveu o processo crime.

Concluem pela procedência da exceção e pela improcedência da ação, com a consequente absolvição do pedido.

Tendo o A. respondido no sentido da improcedência das alegadas exceções - caso julgado e doação -,e os RR. apresentado articulado de tréplica, designadamente invocando a exceção da prescrição do direito do A., a cuja admissibilidade este se opôs, requerendo o seu desentranhamento, e notificados os RR. para juntarem aos autos certidão da decisão proferida no processo-crime contra eles instaurado pelo A., junção a que procederam, foi, em sede de ...ência prévia, proferido despacho saneador que, afirmando a validade e regularidade da instância, conhecendo da exceção do caso julgado invocado pelos RR., a julgou procedente e absolveu os RR. do pedido.

Inconformado, apelou o A., tendo o Tribunal da Relação decidido revogar a sentença recorrida, com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, julgando improcedente a excepção do caso julgado».

Inconformados recorrem os réus para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando as conclusões exaradas a fls. 317 a 320, que aqui se consideram integralmente reproduzidas.

Terminam as suas conclusões, peticionando a revogação do acórdão recorrido, e que se julgou procedente a exceção dilatória de caso julgado, absolvendo os réus.

O recorrido apresentou contra-alegações, em que colocou a questão prévia da admissibilidade do recurso e pugnou, caso o recurso viesse a ser admitido, pela manutenção do decidido pelo Tribunal da Relação do Porto.

O Tribunal da Relação pronunciou-se pela admissibilidade do recurso de revista nos termos gerais, através de despacho proferido em 6 de Maio de 2015.

Não obstante, o processo foi remetido à formação de juízes a que se refere o n.º 3 do art. 672.º do CPC, tendo aí sido decidido que não tendo havido situação de dupla conformidade, nunca caberia ao caso revista excecional, não competindo à formação pronunciar-se sobre a admissibilidade ou não admissibilidade do recurso de revista, em termos gerais, cabendo ao relator a quem o processo vier a ser distribuído proferir despacho preliminar sobre esta questão.

Sabido que o objeto do recurso, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, se delimita pelas conclusões, a única questão suscitada é a de saber se a decisão proferida no processo penal, que apreciou o pedido de indemnização cível aí deduzido, constitui caso julgado em posterior ação cível em que se deduza pretensão de restituição com base no instituto do enriquecimento sem causa.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – Fundamentação de facto Segundo o Tribunal da Relação os factos a considerar na decisão são os que se deixaram relatados, que aqui se dão por reproduzidos, e os que constam de certidão junta aos autos, extraída do processo-crime a que as partes aludem nos respectivos articulados, e que são os seguintes: «1) No processo com intervenção do Tribunal Colectivo com o nº 485/05.9TAVLG do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo foi deduzida acusação contra os aqui Réus B, imputando-lhes a prática de factos integradores dos crimes de furto qualificado e de burla qualificada, pp. e pp., respectivamente, pelos artºs 203º e 204º, nº 2, al. a), e 217º, nº 1, e 208º, nº 2, al. a), todos do C. Penal.

2) Pelo aí assistente e ora A. foi deduzido pedido de indemnização cível contra os arguidos, com base na factualidade constante da acusação e em consequentes danos para tal demandante advindos, peticionando a condenação solidária dos arguidos/demandados a pagarem-lhe uma indemnização por danos patrimoniais de € 387.091,93, e, por danos não patrimoniais, de € 2.000, ambas acrescidas de juros de mora à taxa legal, desde a notificação até efectivo e integral reembolso.

3) Nesse processo, por decisão transitada (acórdão proferido por este Tribunal que confirmou a decisão da 1ª Instância na sequência de recurso...

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