Acórdão nº 493/14.9PBCTB.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelJOÃO SILVA MIGUEL
Data da Resolução13 de Janeiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em conferência na 3.ª secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, n.º 493/14.9PBCTB, do Tribunal Judicial da comarca de Castelo Branco, Instância Central, secção criminal, AA, naqueles identificado, foi submetido a julgamento e condenado, por acórdão de 9 de junho de 2015 (fls 513-541), pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 7 (sete) crimes de abuso sexual de criança, previstos e puníveis (p. e p.) pelo artigo 171.º, n.

os 1 e 2, do Código Penal (CP), nas penas parcelares de: 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão, para o 1.º dos crimes descrito; 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão, para cada um dos cinco crimes de abuso sexual de criança em que não ocorreu coito anal; e 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, para o crime de abuso sexual de criança em que ocorreu coito anal.

Operando o cúmulo jurídico das penas antes mencionadas, foi condenado na pena única de 6 (seis) anos de prisão.

  1. Do assim decidido, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, concluindo a sua motivação (fls 552-566), nos seguintes termos[1]: «1 – Por Acórdão datado de 09/06/2015, o ora Recorrente foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada de sete crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, n.

    os 1 e 2, do Código Penal, nas penas parcelares de: - 3 anos e 2 meses de prisão pelo 1.º crime de abuso sexual de crianças (correspondente aos factos 6 a 11, dados como provados, da acusação); - 3 anos e 3 meses de prisão para cada um dos cinco crimes de abuso sexual de crianças, em que não foi levado a cabo o coito anal (correspondente aos factos 12 a 15 e 16 a 20, dados como provados, da acusação); - 3 anos e 6 meses de prisão pelo crime de abuso sexual de crianças, em que foi levado a cabo o coito anal (correspondente aos factos 12 a 15, 16 a 20 e 21, dados como provados, da acusação).

    O que em cúmulo jurídico perfaz a pena única de seis anos de prisão.

    2 – Considerando este tipo de ilícito, as exigências de prevenção geral são muito elevados, uma vez que há uma forte reprovação social e repulsa por parte da comunidade.

    3 – Já da perspetiva da prevenção especial, aquela que é orientada para o cidadão e visa sobretudo a integração e socialização do indivíduo, pensamos que a ponderação jurídica não foi efetuada como deveria.

    4 – Refira-se que de tal perspetiva, as suas exigências são medianas, visto que o Arguido não tem antecedentes criminais, colaborou com a justiça, ao confessar os factos que lhe eram imputados.

    5 – Mais se diga que, em sede de audiência de julgamento revelou um elevado sentido de autocensura e forte arrependimento, revelou sentido crítico quanto ao desvalor das suas condutas, a vítima foi sempre a mesma menor, sendo que os factos ocorreram num espaço temporal de poucos meses, entre março e setembro de 2014.

    6 – O Tribunal “a quo” considerou que o grau de ilicitude e de culpa é elevado, tendo o Arguido atuado com dolo direto.

    7 – Tendo em conta o caso concreto foi o Arguido condenado numa pena única de seis anos de pena de prisão.

    8 – Da perspetiva da prevenção especial e do agente em si, militam a favor do Arguido, 9 – O facto de não ter quaisquer antecedentes criminais averbados ao seu Certificado de Registo Criminal.

    10 – Tem 55 anos de idade (nascido a 28/12/1959).

    11 – A sua confissão foi primordial para a descoberta da verdade material e para a prova de todos os crimes de abuso sexual de criança que lhe foram imputados.

    12 – O Arguido, apesar da sua conduta demonstrou alguma sensibilidade moral, visto que não forçou a vítima à prática de alguns atos, que aquela recusou, não tendo qualquer dificuldade em fazê-lo, pois é fisicamente mais forte e estava em sua casa, ainda assim soube dominar a sua ação.

    13 – Saliente-se que, o Arguido praticou os crimes num período difícil da sua vida e de extrema fragilidade emoci[on]al, não querendo com isso justificar a sua conduta mas apenas contextualizar o espaço temporal em que os mesmos tiveram lugar.

    14 – O Arguido em sede de audiência de julgamento verbalizou e demonstrou forte arrependimento, tendo celebrado transação relativa ao pedido de indemnização civil, na qual se comprometeu a pagar à ofendida o montante de 10.000,00 €, no prazo de 6 meses, pelos danos morais sofridos.

    15 – O Arguido sempre pautou a sua vida por condutas regradas em conformidade com o ordenamento jurídico e sociedade em que vive integrado.

    16 – Perante esta caracterização, é por demais evidente que o Arguido é uma pessoa que não denota qualquer perigo para a sociedade ou que possua “instintos criminais” que façam o Tribunal ponderar a dosimetria da pena fazendo um juízo de prognose negativo acerca da sua personalidade ou integração na sociedade.

    17 – Só o simples facto de ter 55 anos de idade e ser um cidadão sem antecedentes criminais, e com uma imagem francamente positiva no meio onde reside seria condição mais do que suficiente para o douto Tribunal ponderar a aplicação de uma pena de prisão não superior a 5 anos, suspensa na sua execução.

    18 – Se o Arguido tiver de cumprir pena efetiva de prisão, não terá condições económico-financeiras para proceder ao pagamento da indemnização civil à ofendida, no valor de 10.000,00 €, no prazo de 6 meses a contar de 04/06/2015, data da audiência de julgamento.

    19 – O Arguido necessita de trabalhar para poder cumprir a obrigação assumida e compensar a ofendida pelos danos morais sofridos, resultantes da sua conduta.

    20 – Deve igualmente ser tido em conta o facto de o Arguido estar sujeito a uma medida de coação privativa da liberdade, Obrigação de Permanência na Habitação com Vigilância Eletrónica (OPHVE), desde o dia 20 de outubro de 2014 até à presente data, tendo a mesma sido precedida de prisão preventiva.

    21 – Pelo que, nos termos e para os efeitos do artigo 80º, nº 1, do Código Penal, deve proceder-se ao desconto da mesma na pena de prisão efetivamente aplicada.

    22 – Face a todo o exposto, consideramos que in casu, atendendo à personalidade, características pessoais e idade do Arguido seria mais do que suficiente e adequada uma pena de prisão não superior a 5 anos, suspensa na sua execução, ainda que, eventualmente sujeita a algum tipo de injunção ou dever.» Pede, a final, que seja «dado provimento ao presente Recurso e, consequentemente, (…) alterada a Douta Sentença proferida em primeira instância, devendo a pena de prisão aplicada ser não superior a 5 anos, suspensa na sua execução, ainda que, sujeita a algum tipo de injunção ou dever (…)».

  2. No Tribunal da Relação de Coimbra, por despacho de 28 de setembro de 2015, o Desembargador Relator, tendo presente o parecer do Ministério Público (fls 595-596), e a resposta do recorrente (fls 600-604), excecionou a incompetência do Tribunal da Relação, e determinou a remessa dos autos a este Supremo Tribunal, por ser o competente (fls 605).

    Ainda neste Tribunal, o Ministério Público, no seu parecer e prevenindo a hipótese de não ser atendida a exceção de incompetência suscitada, pronunciava-se sobre o mérito, alegando que apesar das «elevadíssimas exigências de prevenção geral, importa atentar que, na situação, o recorrente procurou, através da indemnização, minimizar os atos que havia praticado, sendo certo que, caso tenha de cumprir pena de prisão, a reparação ficará, em parte, adiada, acrescendo também que a situação em causa foi episódica, ocorreu em período difícil da sua vida e não se lhe conhecem outras atitudes do mesmo cariz, o que, tudo conjugado, aponta no sentido de não repugnar que a pena única aplicada ser a pretendida de 5 anos, suspensa na sua execução, com obrigação de pagamento, no período acordado, da indemnização a depositar em nome da menor, a que acrescerá a sujeição a regime de prova, nos termos do art.º 53.º, n.º 3, do CP, bem como o não contacto com a menor durante esse período».

  3. Neste Supremo Tribunal, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta, no parecer que emitiu (fls 615-621), pronunciou-se quanto à questão prévia da rejeição do recurso suscitada pelo Ministério Público na 1.ª instância e quanto à questão de fundo.

    Sobre a questão prévia refere que, apesar do recorrente não ter cumprido «os requisitos exigidos pelo art. 412.º, n.º 2, do CPP, a decisão a tomar sobre tal lacuna não é a rejeição do recurso, (…), mas sim o convite ao recorrente a completar as conclusões formuladas, atento o que dispõe o art. 417.º, n.ºs 3 e 4, do mesmo CPP». No entanto, «inferindo-se da motivação de recurso e respetivas conclusões que o recorrente entende terem sido violados os preceitos (…) [artigos 40.º, n.º 1, 71.º, n.º 2, e também 70.º, 77.º e 78.º todos do CP] não procede a questão prévia suscitada (…)», devendo conhecer-se do mérito.

    Quanto à questão de fundo, entende ser de «reter-se o acentuado grau de culpa com que atuou o arguido, com dolo direto e intenso, reiterado e persistente numa prática, altamente censurável, sem assomo de arrependimento ou desistência, no seu percurso criminoso», bem como «sublinhar as fortes exigências comunitárias de repressão deste tipo de criminalidade, com prementes necessidades de prevenção geral e de satisfação das expectativas dos cidadãos na reafirmação da norma jurídica violada e na realização da justiça, que demandam uma proteção especial para as crianças vítimas de insaciáveis e incontrolados apetites sexuais por parte de indivíduos muito mais velhos, que deveriam ser os primeiros guardiões e protetores das crianças no seu saudável e normal crescimento. Crianças que são vítimas exponenciais de crimes sexuais que podem e normalmente prejudicam gravemente o desenvolvimento da sua personalidade física e sobretudo psíquica, interrompido que é o livre e são desenvolvimento da personalidade, no que à sua sexualidade se reporta.» Acrescenta que, da matéria de facto provada «resulta a elevada gravidade da atuação do arguido que, abusando da confiança e até amizade que...

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