Acórdão nº 2522/11.9TBVFX.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelHELENA MONIZ
Data da Resolução27 de Janeiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório 1.

Nos presentes autos de processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, mediante acórdão de 20.12.2013, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal de Família e Menores da Comarca de ..., foi condenado o arguido AA (conforme termo de constituição de arguido a fls. 305-6), pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, previsto no art. 105.º, n.º 1, do RGIT (Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela lei n.º 15/2001, de 05.06), na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 6 (seis) euros.

Foi ainda julgado parcialmente procedente o pedido de indemnização civil, tendo o arguido/demandado AA sido condenado a pagar ao Instituto da Segurança Social, I.P., a quantia de 57.992,02 € (cinquenta e sete mil novecentos e noventa e dois euros e dois cêntimos), acrescida dos encargos legais a contar sobre esse valor, nos termos da legislação especial de que beneficia a Segurança Social, calculados à taxa legal em vigor, até integral pagamento.

  1. Inconformado, recorreu o arguido da condenação pelo crime e da condenação no pagamento da indemnização civil, para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 14.04.2015, negou provimento ao recurso, corrigindo tão só parte da condenação, para a prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, previsto no art. 107.º e punido pelo art. 105.º, n.º 1, ambos do RGIT.

  2. Ainda inconformado com a sua condenação no pedido de indemnização civil, no montante fixado na 1ª instância, que o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou, o arguido recorre para o Supremo Tribunal de Justiça, delimitando o recurso à parte civil, nos termos do art. 400.º, n.º 3, do CPP.

    São as seguintes as conclusões do recurso interposto: “I – O arguido foi condenado pela prática de crime de abuso de confiança contra a segurança social e igualmente sancionado quanto ao pagamento do pedido de indemnização civil deduzido.

    II – O facto ou acção humana na base da alegada violação tributária é o mesmo que motivou a conduta tida como criminal, ou seja a falta de pagamento do tributo.

    III – Não se vê o pedido de indemnização civil como idóneo para o ressarcimento da Administração Tributária, por se adequar antes à reparação de um dano e não para cobrar tributos em falta, não discutidos pelo arguido/sujeito passivo.

    IV- A A.T. tinha obrigações procedimentais, nomeadamente a imperatividade de reverter o arguido em sede de processo de execução fiscal, não sendo o pedido civil adequado para exigir e cobrar a obrigação fiscal.

    V – Não será um meio equivalente à citação de divida em processo de execução fiscal, não devendo ser tido como uma causa de interrupção de prescrição da dívida.

    VI- Exactamente porque tal pedido não permite que o arguido/sujeito passivo exerça as prerrogativas que derivam da citação, concretamente a discussão da liquidação, por via de oposição à execução.

    VII- O pedido civil não pode ser válido para exigir alegados impostos em falta pois a sua dimensão englobará o ressarcimento do dano e não a cobrança tributária.

    VIII- A mesma acção, falta de pagamento do imposto, significou no caso concreto, violação de dever tributário e incursão no âmbito criminal.

    IX- Não foi dada a primazia que a lei estabelece ao procedimento tributário, observando que o facto gerador da obrigação tributária existe independentemente da existência de qualquer crime.

    X- O arguido/sujeito passivo não beneficiou de normas inderrogáveis da especialidade, entre as quais, o direito a ser revertido em processo de execução fiscal.

    XI - Houve violação do artigo 23.º, n.º 1 da LGT por ser devedora originária e co-arguida neste processo-crime a sociedade Metalomecãnica ..., Lda.

    XII-O arguido é alheio às razões pelas quais não foi revertido em execução fiscal, não poderá por isso ser prejudicado e condenado a pagar por via de um pedido civil a obrigação tributária que alegadamente incumpriu mas que nunca discutiu.

    XIII - Não pôde colocar em causa a dívida, os seus fundamentos e a sua exigibilidade em sede própria.

    XIV - Foi expresso no douto Acórdão bem como na instância que o antecedeu que “ …tendo a Segurança Social apurado uma conduta com relevância penal, a sede própria de actuação é o âmbito penal e não o âmbito da acção executiva fiscal.” XV- Fundamentando de direito a condenação do recorrente no pedido civil em normas tipicamente civilísticas.

    XVI - Não colhe a fundamentação avançada, por salvo melhor opinião, não lograr resposta a questões de direito inamovíveis, como é o caso da omissão de instauração de processo de execução fiscal.

    XVII - Ainda que o arguido tivesse incorrido em falta, que para além de significância tributária tivesse igualmente expressão criminal, nunca poderia ter sido afastada a exigência legal de reversão prevista na LGT.

    XVIII – Na origem, quando se dá o facto gerador da obrigação de pagar o imposto, este existe sempre, antes da verificação da ocorrência de qualquer crime.

    XIX - A responsabilidade tributária tem que ser exigida e processada nos meios próprios, assim como a responsabilidade tributária dos administradores deverá efectivar-se pela sua reversão no processo de execução fiscal, conforme artigo 23.º da LGT.

    XX- A segurança social antes de ter indícios relativos ao cometimento de eventual ilícito criminal, teria indícios da violação de obrigação fiscal.

    XXI- Explana o douto Acórdão que o arguido não foi citado em execução fiscal por não configurarem os seus actos apenas matéria executiva fiscal.

    XXII- Refuta-se veementemente pois se um acto como o do caso concreto não encerra apenas matéria executiva fiscal, começa sempre por brotar da violação da obrigação tributária, devendo obrigatoriamente ser despoletados os mecanismos de cobrança correspondentes.

    XXIII- Na iminência de uma conexão procedimental, entre processo tributário e processo penal tributário há critérios a atender.

    XXIV – O artigo 7.º n.º2 do C.P.P determina a não suficiência do processo penal quando em causa necessidade de conhecimento de questão diversa, havendo suspensão do processo relativo à questão prejudicada.

    XXV- Observado este aspecto e conciliando-o com a própria estrutura e sistematização do RGIT não nos parece que o legislador tenha querido deixar a porta aberta para que o pedido civil assentasse numa remissão para normas civilísticas quando o pedido é constituído pelo montante da obrigação.

    XXVI- Dando-se violação procedimental na cobrança do tributo não deverá ser admissível que por via do princípio da adesão seja cobrada essa quantia, não discutida.

    XXVII- Não nos parece claro ou inequívoco, bem pelo contrário que o artigo 129.º preveja a remissão para a lei civil quando em causa está, originariamente, a violação de obrigação tributária.

    XXVIII- O artigo 1º do RGIT é taxativo quanto à aplicabilidade do diploma, concretamente definindo, que se aplica às prestações tributárias, como a que deu causa ao presente processo-crime.

    XXIX- Terá pensado o legislador na hipótese de remissão que o douto Acórdão sustenta ao mesmo tempo que redigia normas tão peremptórias quanto ao carácter exclusivo do RGIT? Cremos que não.

    XXX- Na verdade, o artigo 129.º não nos diz quando é que uma indemnização por perdas e danos é civil, e no caso concreto, quer-se fundar nesta norma, a possibilidade de pedir o montante correspondente à falta de pagamento e não um dano.

    XXXI- Estamos perante duas esferas do direito, duas famílias jurídicas diametralmente opostas, uma vez que, diplomas como o RGIT, LGT e CPPT estão conexos com o Direito Público ao contrário do Código Civil, regulador do Direito Privado.

    XXXII – E não se entende no caso em tratamento, o que é que obsta à aplicação da LGT, deixando que a esta se sobreponha a aplicação do Código Civil.

    XXXIII – Se o legislador quisesse que uma obrigação tributária fosse passível de ser exigida por via da adesão, RGIT e LGT não seriam tão taxativos nas suas previsões.

    XXXIV- Nem o nosso sistema assentaria na prevalência da pluralidade dos objectos do processo que redunda em determinados casos na derrogação da suficiência do processo penal.

    XXXV – A obrigação tributária implícita era originariamente da responsabilidade da sociedade Metalomecãnica ..., Lda, determinando o art. 23 da LGT que a responsabilidade subsidiária dos sócios gerentes se efectiva por reversão no processo de execução fiscal.

    XXXVI - Não foi autuado à sociedade qualquer processo de execução fiscal nem foi o sócio gerente Joaquim Pequito citado em processo de reversão como manda a lei.

    XXXVII – O arguido nunca pôde reagir face à imputação tributária que sobre si pendia.

    XXXVIII- A desvalorização de normas imperativas de cariz tributário, não permitiu que o arguido/sujeito passivo, fizesse aquilo que é um direito de qualquer cidadão, discutir a divida ou até a sua legalidade.

    XXXIX – O pedido civil através da adesão é adequado para ressarcimento de um dano e não para pedir o pagamento de uma obrigação tributária, por não ter sido autuado processo de execução fiscal.

    XL - Será suposto que a Administração Tributária quanto à determinação e cobrança dos montantes tributários em dívida, recorra a um Tribunal para pedir a condenação do faltoso? XLI- Crê-se que não, na medida em que o Estado deve agir por via de acto tributário, deve liquidar o imposto em causa e deve apurar as responsabilidades tributárias existentes.

    XLII – Sob pena de a dedução de pedido civil afrontar a reserva da administração tributária assim como a delimitação da jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais.

    XLIII – Expressa o Acórdão recorrido, “…o que está em causa é a responsabilidade criminal do recorrente quanto a esse crime, a responsabilidade civil prende-se com os prejuízos causados à Segurança Social com a prática do crime.” XLIV- Complementando quanto à responsabilidade, “ e esta determina-se e resolve-se, segundo as regras do Código Civil, para que remete o artigo...

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