Acórdão nº 9065/12.1TCLRS.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Janeiro de 2016
Magistrado Responsável | TAVARES DE PAIVA |
Data da Resolução | 21 de Janeiro de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
I – RELATÓRIO AA e BB propuseram acção declarativa, sob a forma de processo ordinária, contra CC e mulher DD, EE e FF pedindo que fosse reconhecido aos autores o direito de preferência na venda do 1º andar do prédio urbano, sito na Rua dos Combatentes da Grande Guerra, nº … em … e, em consequência de haverem para si essa fracção, pelo preço proporcional de € 40.000,00 e, se assim não se entendesse, por o prédio não estar constituído em propriedade horizontal nem ser possível a constituição por decisão judicial, que fosse reconhecido o direito de preferência na venda da totalidade do prédio e, em consequência de haverem para si todo o prédio.
Alegaram que, no dia 01 de Abril de 1968, foi celebrado entre GG e o autor contrato de arrendamento verbal, para habitação, do 1º andar do prédio urbano, sito na Rua dos Combatentes da Grande Guerra, n.º .., em …; o rés-do-chão e os três andares do prédio, não constituído em propriedade horizontal, constituem unidades independentes entre si; o 2.º réu (que, juntamente com o 3.º réu, sucedeu ao senhorio) comunicou ao autor, por carta de 14 de Junho de 2011, que pretendia vender o prédio pelo preço de 200.000 euros, e o autor, por carta de 04 de Julho de 2011, declarou pretender exercer o direito de preferência relativamente ao 1.º andar pelo preço proporcional, o que levou o 2.º réu, por carta de 11 de Julho de 2011, a esclarecer não pretender fazer a separação do 1.º andar e que o direito de preferência ficava sem efeito; em 10 de Julho de 2012, o 2.º e os 3.ºs réus venderam o prédio ao 1.º réu pelo preço de 200.000 euros.
Citados, os réus impugnaram o valor da acção e sustentaram a inexistência do direito de preferência dos autores relativamente ao 1.º andar ou à totalidade do prédio vendido: ali, porque o objecto vendido foi a totalidade do prédio e, não estando o prédio constituído em propriedade horizontal, não constitui o 1.º andar uma coisa com autonomia jurídica; aqui, porque na carta de 04 de Julho de 2011, os autores expressamente declararam pretender preferir apenas na compra do locado, o 1.º andar, e não da totalidade do prédio, tendo caducado o direito de preferência em relação a este último.
Pediram a improcedência da acção. Foi realizada audiência prévia.
Após, foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente.
Os autores interpuseram recurso de apelação e o tribunal da Relação, por acórdão, manteve a decisão recorrida. Inconformados, os autores interpuseram recurso de revista excepcional, que a Formação de Apreciação Liminar deste Tribunal admitiu, e formularam as seguintes conclusões: 1ª Os AA. são arrendatários habitacionais do 1º andar do prédio dos autos, desde 01.04.1968, prédio não submetido ao regime de propriedade horizontal.
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Propuseram contra os RR. a presente acção de preferência, pedindo que lhes seja reconhecido o direito de haverem para si o andar arrendado, pelo valor proporcional de € 40.000,00 ou a totalidade do prédio, se não for possível constituir o regime de propriedade horizontal, por via de decisão judicial.
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A primeira instância, sem curar de saber se é, ou não, possível constituir o regime de propriedade horizontal mediante decisão judicial, julgou improcedente quer o pedido principal, quer o subsidiário.
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O pedido principal, por o local arrendado não ter autonomia jurídica; o pedido subsidiário, por entender que o art. 1091° do C.C. consagra o denominado princípio da "coincidência", segundo o qual o exercício do direito de preferência não pode exceder o locado.
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A segunda instância apadrinhou a decisão da primeira, indo até mais longe: por via da interpretatio abrogans do disposto no art. 1091° do C.C., expurgou deste diploma o direito de preferência quanto a arrendatários de partes não autonomizadas do prédio locado.
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Para a primeira instância, o art. 1091° do C.C. consagra o direito de preferência, mas não pode ser exercido; para a segunda instância, trata-se de "um não direito"; em qualquer caso, dois entendimentos "esquisitos" da ordem jurídica nacional.
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A dupla conforme, assim estabelecida, vedaria o acesso a este Venerando Supremo Tribunal de Justiça, não fora a circunstância de a decisão das instâncias afectar, não apenas o direito dos AA., mas inserir-se em corrente jurisprudencial, da mesma origem, com relevantes implicações sociais e jurídicas, além de se mostrar em contradição com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Janeiro de 2012, transitado em julgado.
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Neste douto Acórdão (acórdão-fundamento) postulou-se que: "... de acordo com a Jurisprudência prevalente do STJ, temos que a preferência existe para a fracção autónoma arrendada, no caso de o prédio estar constituído em propriedade horizontal, ou para todo o imóvel se este não estiver legalmente parcelado, uma vez que não havendo parcela autónoma, a preferência não pode incidir, apenas, sobre a parte arrendada, não sendo de interpretar restritivamente o art. 47° n.° 1 do RAU. A preferência na compra e venda de todo o imóvel pode ser em concorrência com outros eventuais locatários...".
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O regime jurídico do arrendamento urbano, decorrente da Lei n.° 6/2006, de 27.02, não inovou no que respeita à preferência reconhecida aos arrendatários de pretérito, pelo que se está "no domínio da mesma legislação".
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Não inovou: - por um lado, porque a expressão usada pelo RAU e pelo NRAU é a mesma - "local arrendado"; - por outro lado, porque a circunstância de o art. 1091° do C.C. não integrar disposição equivalente à do n.° 2 do art. 47° do RAU se explica pelo facto deste último dispositivo conter matéria adjectiva, já regulada no art. 1460° do C.P.C.
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Não inovou, por disposição expressa do legislador do NRAU, constante do art. 59° n.° 2 deste diploma, para a qual se não logra outro sentido que não seja o de que se quis manter, quanto à preferência dos arrendatários, nos arrendamentos de pretérito, o regime do RAU.
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Que não inovou será, também, Jurisprudência expressa no douto acórdão-fundamento, no qual se escreveu: "O actual art. 1091° n.° 1 a) do CC comporta redacção idêntica à do art. 47° n.° 1 citado condicionando, todavia, o direito de preferência a arrendamentos feitos há mais de três anos".
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É, outrossim, o que decorre da mais recente e melhor Doutrina, nomeadamente dos ensinamentos do autor Abílio Neto, que escreveu, em Março de 2015, in "Manual da Propriedade Horizontal", 4a Edição - reformulada - "... continua, pois, plenamente actualizado o entendimento segundo o qual, não estando constituída a propriedade horizontal, no caso de venda, qualquer dos arrendatários que preencha aquele requisito temporal tem de exercer o direito de preferência em relação a todo o imóvel...".
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A tese das instâncias cria uma divisão dicotómica nos arrendatários: os que podem e os que não podem exercer o direito de preferência (os que têm e os que não têm esse direito, para a segunda instância).
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A tese das instâncias cria inquilinos de primeira e inquilinos de segunda, sendo de presumir que os de segunda serão mais numerosos nos grandes centros urbanos, onde ainda há prevalência de prédios não submetidos ao regime de propriedade horizontal.
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Sendo tais consequências inadmissíveis, a questão versada nos presentes autos terá a relevância social a que alude o disposto na alínea b) do n.° 1 do art. 672° do C.P.C.
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Mas a tese das instâncias vai mais fundo: além de violar o princípio constitucional, ínsito no art. 65° da C.R.P., de acesso à habitação própria, relativamente a muitos milhares de inquilinos, viola o princípio da igualdade perante a lei, ínsito no art. 13° da lei fundamental.
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Para as instâncias, todos os arrendatários serão iguais perante a lei, mas, como se viu, uns serão mais iguais que outros: os arrendatários de fracções autónomas.
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Ora, as questões de constitucionalidade, que a tese das instâncias suscita, terão a relevância jurídica exigida pelo disposto na alínea a) do n.° 1 do art. 672° do C.P.C. e a resolução das mesmas será claramente necessária para uma boa aplicação do direito.
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Na conclusão 8a do recurso de apelação arguiu-se de inconstitucional a interpretação restritiva que a primeira instância fez - e aplicou - do disposto no art. 1091° do C.C.
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A segunda instância não tomou posição explícita sobre tal arguição, pelo que cometeu a nulidade prevista na 1a parte da alínea d) do art. 615° n.° 1, ex vi do art. 666°, n.° 1, 1a parte, ambos do C.P.C., constituindo a invocação desta nulidade um dos fundamentos da presente revista.
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Se o art. 1091° n° 1, alínea a) do C.C. é inconstitucional se aplicado restritivamente, como o fez a primeira instância, por mais forte razão o é a interpretatio abrogans, do mesmo normativo, feita pela segunda instância.
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Mas esta posição da segunda instância implica a não aplicação, ao caso dos autos, do disposto no art. 416° do mesmo diploma, por não existir, então, a "obrigação de preferência do senhorio", o que continua consubstanciando violação da lei substantiva, por parte da decisão da mesma instância.
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As instâncias expulsaram pela porta a questão posta pelos RR., de saber se os AA. renunciaram ou deixaram caducar o direito de preferência e deixaram entrar pela janela questões sobre as quais se debruçaram longamente; o "princípio da coincidência" e o "não direito" à preferência, questões estas que nenhuma das partes colocou.
25a Em tese, para os RR., o direito dos AA. à preferência sobre todo o prédio é inquestionável, como resulta dos arts. 29° e 30° da contestação e das alíneas D) e G) das conclusões da contra-alegação do recurso de apelação.
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Poderá então afirmar-se que as instâncias, com tal posicionamento, "foram mais papistas do que o papa".
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O R. FF, quiçá premunido da posição que as instâncias vieram a assumir, nada comunicou aos AA., assim violando o disposto no art. 416° do C.C.
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O R. EE comunicou aos AA., por carta de 14.06.2011, a pretensão de celebrar contrato de compra e venda do imóvel arrendado, mas só em 18.05.2012 foi obtida a licença de utilização do prédio...
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