Acórdão nº 93/02.6TAPTB.G1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelISABEL PAIS MARTINS
Data da Resolução21 de Janeiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça I 1.

O Ministério Público interpôs, para o pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto no artigo 437.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, com fundamento em oposição de acórdãos da relação – o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 06/05/2013, proferido no processo n.º 93/02.6TAPTB.G1, e o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19/09/2012, proferido no processo n.º 279/09.2PCLRA.C1, ambos transitados em julgado.

Alegou, em conclusão: «1. O acórdão recorrido considerou caber ao tribunal “a quo” o dever de determinar a pena concreta ao arguido que naquele havia sido absolvido, mas que, por recurso do M.ºP.º e na instância de recurso, viu modificada esta decisão por uma outra oposta, de condenação.

«2. Para tal apela ao respeito pelo princípio do segundo grau de jurisdição e pelo princípio do contraditório, aqui para se fazer cumprimento das normas relativas à escolha e fixação da pena.

«3. E neste pressuposto, determinou a remessa do processo à primeira instância, onde deverá ser reaberta a audiência.

«4. Diverge-se desta opinião, porquanto se persegue o entendimento oposto, ou seja, de que cabe ao tribunal “ad quem”, o de recurso, ponderar e escolher a pena a aplicar, só não o devendo fazer se não possuir todos os elementos para a determinação da pena, conforme exige o art. 71.º do CP, não havendo neste procedimento qualquer violação aos princípios acima indicados e que alicerçam a tese contrária.

«5. Nada obsta ao conhecimento do recurso extraordinário porquanto o acórdão recorrido, transitado em julgado e com a posição jurídica supramencionada, que deverá ser revogado, se apresenta em plena oposição ao que foi proferido a 19/09/2012 pelo Tribunal da Relação de Coimbra, tirado no processo n.º 279/09.PCRLA.C1, também já passado em julgado.

6. Foi violado, por isso, o disposto nos artigos 402.º, n.º 1 e 369.º, ambos do CPP.

O apenso de recurso foi instruído com certidão do acórdão recorrido.

  1. Na oportunidade conferida pelo artigo 440.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o Ministério Público foi de parecer de que se mostravam reunidos os requisitos para prosseguimento do recurso devendo, pois, ser proferido acórdão a decidir pela verificação da oposição de julgados.

    Requereu a junção de exemplar do acórdão fundamento.

  2. Por acórdão tirado em conferência foi decidido que o recurso devia prosseguir por se verificar oposição de julgados sobre a mesma questão de direito e no âmbito da mesma legislação.

  3. Após trânsito desse acórdão, determinou-se o cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 442.º do Código de Processo Penal.

  4. Na sequência, o Ministério Público apresentou desenvolvidas alegações terminando a propor que o conflito de jurisprudência fosse resolvido nos seguintes termos: «No caso de, em recurso da decisão absolutória proferida em 1.ª instância, o Tribunal da Relação revogar tal decisão, por julgar praticado o ilícito criminal em causa, compete-lhe a escolha e a decisão sobre a espécie e medida da pena a aplicar ao arguido, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 428.º, 374.º e 379.º, n.º 1, todos do C.P.P.» 6.

    Com projecto de acórdão, foi o processo remetido aos vistos dos juízes que constituem o pleno das secções criminais, para julgamento do recurso.

    Realizada a conferência a que se refere o artigo 443.º do Código de Processo Penal, cumpre decidir. II 1.

    Uma vez que a decisão tomada na secção criminal sobre a oposição de julgados não vincula o pleno das secções criminais, como uniformemente tem sido entendido, há que preliminarmente reapreciar essa questão.

    1.1.

    No acórdão proferido, nos termos do artigo 441.º do Código de Processo Penal, disse-se o seguinte: «Quanto ao específico objecto do presente recurso, estamos em face de dois acórdãos, um do Tribunal da Relação de Guimarães e outro do Tribunal da Relação de Coimbra, que decidiram de formas opostas a mesma questão de direito – tribunal competente para a determinação da sanção aplicável, no caso de o tribunal de recurso ter revogado a decisão absolutória da 1.ª instância e condenado o arguido.

    «Com efeito, no acórdão recorrido, estava em causa a prática de um crime de lenocínio, em que vários arguidos foram absolvidos; interposto recurso pelo Ministério Público para o Tribunal da Relação de Guimarães, veio este a condenar uma das arguidas como cúmplice, tendo ordenado o reenvio do processo para novo julgamento, restrito à questão da determinação da espécie e medida da pena a aplicar, no entendimento expresso, aliás contra a jurisprudência maioritária daquele Tribunal, de que o tribunal competente para o efeito era o da 1.ª instância, sob pena de violação do duplo grau de jurisdição e do princípio do contraditório, tal como resultava de outras decisões dos mesmos juízes.

    «No acórdão fundamento, estava em causa a prática de vários crimes de furto e de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, tendo o arguido sido condenado por esse e por alguns crimes de furto; interposto recurso pelo Ministério Público para o Tribunal da Relação de Coimbra, veio este Tribunal a revogar em parte a decisão recorrida, condenando o arguido por outros crimes de furto de que tinha sido absolvido e aplicando as penas correspondentes, reelaborando também o cúmulo jurídico.

    Nessa decisão, aprovada por maioria com voto do presidente da secção e voto de vencida da Senhora Desembargadora adjunta, considerou-se expressamente que “ao tribunal ad quem, ao reexaminar a causa, tal como lhe assiste a faculdade de passar de uma decisão condenatória para uma absolutória, assistir-lhe-á a de passar de uma decisão absolutória para uma decisão condenatória e, neste último caso, dispondo dos necessários elementos, fixar a espécie e medida da pena”

    .

    1.2.

    Temos, assim, em ambos os acórdãos a verificação do mesmo pressuposto: interposto recurso pelo Ministério Público de sentença absolutória da 1.ª instância, a relação, na sequência de alteração da decisão proferida sobre matéria de facto, veio a revogar essa sentença absolutória concluindo pela condenação do arguido.

    Impondo a decisão sobre a culpabilidade que se lhe siga a decisão sobre a determinação da sanção, os acórdãos recorrido e fundamento divergem quanto a saber qual é o tribunal que deve decidir essa última questão.

    Enquanto o acórdão recorrido determinou o “reenvio” do processo para novo julgamento, restrito a essa questão, isto é, para que fosse o tribunal da 1.ª instância a decidir quanto à escolha e à medida da sanção a aplicar, o acórdão fundamento partiu do entendimento de que cabe à relação decidir a questão.

    O acórdão fundamento remeteu para a fundamentação do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21/10/2010 (processo n.º 08/05.5JELSB.L1-9), segundo a qual “o tribunal ad quem pode e deve, na consideração da verificação dos elementos constitutivos do tipo legal, condenar o arguido que vinha absolvido”, assim respondendo à sua própria interrogação quanto a saber se, condenado o arguido que vinha absolvido, caberá à relação proceder à determinação da medida concreta da pena a aplicar. Todavia, aquele referido acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa pormenorizou “as situações em que a factualidade provada não permita, com o rigor exigível, a determinação da espécie e medida da pena nos termos dos artigos 70.º e 71.º do CP, o que a ocorrer, justificaria, então, que se determinasse a reabertura da audiência, nos termos dos artigos 369.º, 370.º e 371.º do CPP”. 1.3.

    Neste quadro, o pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça não pode deixar de confirmar a decisão tirada em conferência de verificação de oposição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito.

    Com efeito, os dois acórdãos da relação em confronto, recorrido e fundamento, proferidos no âmbito da mesma legislação, sustentam entendimento divergente quanto à questão de saber a que instância cabe a decisão sobre a espécie e medida da sanção, no caso de a decisão condenatória ser pela primeira vez proferida na relação.

    III 1. A questão a decidir A questão a decidir pelo pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça está, pois, em saber se cabe à relação ou à 1.ª instância a determinação da espécie e medida da pena no caso de a relação, em recurso, revogar a decisão absolutória da 1.ª instância e formular um juízo positivo sobre a culpabilidade do arguido. 2. As divergências na jurisprudência Questão essa que tem sido intensamente debatida na jurisprudência detectando-se a divergência de soluções ao nível de todos os tribunais da relação.

    No caso de a relação, em recurso, alterar a decisão proferida em matéria de facto, com a consequência de condenar um arguido por crime de que tinha sido absolvido na 1.ª instância, revogando, nessa parte, a decisão recorrida, perfilam-se duas fundamentais orientações na solução da questão de saber a que instância cabe a decisão sobre a determinação da espécie e medida da pena: uma que sustenta deverem os autos ser devolvidos (“reenviados”) à 1.ª instância para novo julgamento restrito à determinação da espécie e medida da pena; outra que entende caber à relação a decisão sobre essa questão.

    Afinal, as duas linhas de solução sustentadas uma, no acórdão recorrido, outra, no acórdão fundamento.

    2.1.

    A solução de “reenvio” assenta numa dupla ordem de razões primaciais.

    Em primeiro lugar, por ser essa a solução imposta pela consagração constitucional do princípio do duplo grau de jurisdição, acolhido no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

    Pondera-se que a ser o tribunal ad quem a proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos casos, evidentemente, de irrecorribilidade da decisão condenatória da relação que revoga a decisão absolutória proferida em 1.ª instância, sairia preterido o direito ao duplo grau de jurisdição, pois retirava-se ao...

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