Acórdão nº 621/06.8TAPRG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Janeiro de 2016
Magistrado Responsável | SANTOS CABRAL |
Data da Resolução | 21 de Janeiro de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça O INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, I.P. (IFAP, I.P.), pessoa coletiva n. ° 508136644, Instituto Público dotado de autonomia administrativa e financeira, com sede em Lisboa, criado através do Decreto-Lei nº 87/2007, de 29 de Março, subsequentemente, reestruturado pelo Decreto-Lei nº 195/2012, que legalmente sucedeu nas atribuições do Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas (IFADAP), e do Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola (INGA), assistente nos autos à margem referenciados, em que é arguido AA, veio, nos termos do nº 2 do artº 400º e do artº 411º do Código de Processo Penal, apresentar recurso do Acórdão proferido em 8/7/2012, nomeadamente no segmento condenatório em que o arguido foi condenado a pagar-lhe juros sobre o montante de 515.810,75€, calculados à taxa de 4%, devidos desde 7/10/2013 (data em que o arguido foi notificado do PIC deduzido) até efectivo e integral pagamento.
Em sede de decisão de primeira instância o arguido foi condenado a pagar 83.485,27 (€ 515.810,75 - € 432.325,48, referente às 3 e 4 tranches), a partir de 29 de Maio de 2003 até 13 de Setembro de 2012;- € 240.000,00, a partir de 1 de Junho de 2004 até 13 de Setembro de 2012; e - € 192.325,48, a partir de 5 de Julho de 2007 até 13 de Setembro de 2012.
São as seguintes as razões aduzidas em sede de conclusões da respectiva motivação de recurso: A. Por acórdão proferido em 8/7/2015, o Tribunal da Relação do Porto condenou AA, no pagamento ao IFAP, I.P. de juros sobre o montante de € 515.810,75 calculados à taxa de 4%, devidos desde 7/10/2013 até efetivo e integral pagamento.
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Entende o Tribunal a quo que, só são devidos juros a partir da data da notificação do arguido para contestar o pedido indemnização cível, pois, nos termos do n° 3 do Art° 805º do Código Civil, não há mora enquanto o crédito não se tornar líquido.
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Salvo melhor entendimento, a decisão parece fazer uma incorreta interpretação do direito aplicável, na medida em que, na situação em apreço, decidiu o Tribunal a quo que o arguido AA apropriou-se de forma ilícita de quantias a que sabia não ter direito, no montante total de € 515.810,75, cometendo dessa forma o crime de fraude na obtenção de subsídio, p. e p. no Art° 36° do DL 28/84 da 20/1.
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Provada a autoria da conduta e do crime por parte do arguido AA, fica igualmente apurada a ilicitude civil, prevista no artigo 481°, do Código Civil, pois esta acompanha a ilicitude criminal, recaindo sobre o arguido a responsabilidade pelos reflexos, patrimoniais e não patrimoniais, causados pelos factos, não sendo assim aplicável, à situação em apreço nos autos, o disposto no n° 3 do mencionado Art° 805º do Código Civil. (Neste sentido cita-se acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/12/2013, proferido no âmbito do Proc. 3/00.5TELSB.C1.S2) E. Pelo arguido AA são desta forma devidos juros à taxa legal supletiva, nos termos do Art° 805°, nº 2, aI. b) e 806º, nºs 1 e 2, e 559°, todos do Código Civil, contabilizados tendo em consideração os seguintes valores e períodos: - € 83.485,27 (€ 515.810,75 - € 432.325,48, referente às 3 e 4 tranches), a partir de 29 de Maio de 2003 até 13 de Setembro de 2012 - € 240.000,00, a partir de 1 de Junho de 2004 até 13 de Setembro de 2012; e - € 192.325,48, a partir de 5 de Julho de 2007 até 13 de Setembro de 2012".
Conclui, assim, que deverá á ser revogado o acórdão recorrido nos que respeita ao montante de juros devidos pelo arguido AA, e mantida a decisão do Tribunal de primeira instância, no sentido de condenar o arguido no pagamento ao IFAP, I.P. a título de juros, no montante de € 150.896,99, acrescido do pagamento de juros vincendos, até efectivo e integral pagamento, Respondeu o arguido referindo que: Q.: Os juros de mora devidos com respeito ao pagamento tardio de indemnização por danos causados por conduta que foi objecto de condenação penal, devem ser computados a) desde o dia em que a conduta se consumou ou b) devem ser computados desde o dia em que o responsável/arguido foi notificado para contestar a PIC respeitante àqueles danos , e, em ambas as hipóteses, se o montante indemnizatório devido só for liquidado na sentença da primeira instancia Numa outra formulação, também poderíamos pôr a questão nos seguintes termos: Q.: Se o crédito resultar de facto ilícito e for ilíquido, o nº3 do artº 805º do Cod. Civ. afasta a aplicação imediata da alínea b), do nº2, do mesmo artº, ou aplica-se imediatamente esta alínea com preterição daquele nº 3 ? É esta divergência de interpretação destes nºs do artº 805 do Cod. Civ. que está subjacente às duas decisões ( sentença da primeira instancia / Ac. Tribunal da Relação ) aqui em confronto.
No seu Cod Civ. Anotado, o Senhor Professor Antunes Varela refere-se àquele nº 3 dizendo: “A regra in illiquis non fit mora, expressa no nº 3, é correntemente justificada pelo facto de o devedor não poder cumprir, nestes casos. É necessário, em primeiro lugar, que este saiba quanto deve” Vejamos os autos, E quanto ao montante indemnizatório emergente da conduta ilícita:
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No despacho de pronuncia: é imputado ao arguido / ora Recorrido um prejuízo de 700.745,00 € como consequência directa e necessária da sua conduta ( vide in acusação deduzida pelo M.P. a fls. 675 e seg, seu nº 25, e para a qual remete o despacho de pronuncia ), b) PIC deduzido pelo IFAP, aqui Recorrente: são peticionados juros à taxa legal computados sobre o capital de 1.200.165,73 € ( seu nº 42 ), valor este que é considerado como “total das ajudas indevidamente pagas” e recebidas pelo arguido / aqui Recorrido, c) Na sentença da primeira instancia : liquida-se em 515.810,75 € o montante indemnizatório devido pelo arguido / aqui Recorrido e emergente da conduta que foi considerada como penalmente censurável.
Do exposto resulta o seguinte: Só com a prolação da sentença da primeira instancia se tornou liquido qual o valor do prejuízo causado. Antes não se sabia: o M.P. indicou 700.745,00 € e o Recorrente peticionou juros com base num pretenso direito indemnizatório de 1.200.165,73 € .
Assim sendo, E retornando àquela citação do Senhor Professor Antunes Varela: “ …..o devedor ( aqui o arguido / Recorrido ) não poder cumprir, nestes casos. É necessário, em primeiro lugar, que este saiba quanto deve” Ora, o arguido / aqui Recorrido só ficou a saber quanto devia por via da liquidação que é feita na sentença da primeira instancia. Antes, havia as divergências entre M.P. e IFAP que supra vão anotadas e que só são sanadas por via liquidação que é feita na sentença.
Por outro lado: O nº 3 do artº 805º do Cod. Civ. aplica-se, também, a qualquer das hipóteses previstas no seu nº 2, o que nos parece evidente.
É claro que se o devedor de indemnização emergente de conduta que foi penalmente punida sabia, desde o inicio, qual o montante da indemnização a que estava obrigado, não haverá lugar à aplicação do nº3. E lendo-se a jurisprudência citada nas doutas alegações de recurso parece que é isso que ocorre nos arestos transcritos.
Porém, não é assim no caso dos autos, conforme supra se desenvolveu.
Donde, Não merece censura a decisão recorrida que fez uma correcta interpretação dos factos e lhes aplicou também correctamente as normas jurídicas atinentes, a saber e em : -CONCLUSÃO: uma vez que o crédito indemnizatório do IFAP era ilíquido e só se tornou liquido com a prolação da sentença da primeira instancia, ocorre caso de aplicação do nº 3 do artº 805 do Cod. Civ. à contagem dos respectivos juros moratórios pelo que estes só são devidos desde a notificação para contestar o PIC (cfr., também, o nº1 do mesmo artº ).
O ExºMº Sr. Procurador Geral Adjunto apôs o seu visto.
Os autos tiveram os vistos legais.
* Cumpre decidir Em sede de decisão recorrida encontra-se provada a seguinte factualidade: 1. No inverno de 2000/2001, a região da Zona Demarcada do Douro, foi assolada por fortes temporais, e nesta sequência foi criado o Programa de Operacional de Agricultura e Desenvolvimento Rural - AGRO - medida 5 – Prevenção e Restabelecimento do Potencial de Produção Agrícola – reconstituição e reposição de infra-estruturas agrícolas – intempéries 2000/2001 destinada ao restabelecimento do potencial produtivo das explorações agrícolas, afectadas com a referida intempérie.
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No quadro desta medida, o arguido AA, na qualidade de viticultor, em 29.06.2001 apresentou a sua candidatura, preencheu um formulário, no qual deu conta da necessidade de, na Quinta ..., sua pertença, se proceder a reconstrução de 17.492m3 de muros e de 2400m de infraestruturas de drenagem. (fls. 180-181 do anexo II) 3. Depois, o arguido AA entregou-a no Ministério da Agricultura do Desenvolvimento Rural e das Pescas, sedeada na Casa do Douro, em Peso da Régua, cuja apreciação ficou a cargo do Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas – (Ex - IFADAP), actual IFAP (Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas).
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O arguido AA fez constar do referido documento que a reconstrução dos muros se encontravam avaliadas em 874.600.000$00, e que a reconstrução da infra-estrutura de sistema de drenagem se encontrava estimada em 18.825.600$00, e por conseguinte solicitou um incentivo não reembolsável no valor global de 759.411.760$00, conforme resulta no modelo 0023.000622 do programa AGRO recepcionado em 30.06.2001, e ao qual foi atribuído o n.º ....
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O nível de ajudas era de 75% do investimento elegível, tendo o gestor do programa AGRO definido os seguintes custos máximos de investimentos elegíveis, para os investimentos abrangidos pelo projecto em análise: a) Reconstrução de muros de pedra posta com mais de 1,5 m de altura – 45.000$00/m3 – €224,46/m3 (o valor foi inicialmente fixado em 50.000$00, mas posteriormente reduzido para os referidos 45.000$00); b) Drenagem com mais manilhas – 1.993$75/metro - €9,94/metro.
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O valor referente a €229,40/m3 de pedra determinado pelo IFADAP...
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