Acórdão nº 136/12.5TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Janeiro de 2016
Magistrado Responsável | MARIA DA GRAÇA TRIGO |
Data da Resolução | 28 de Janeiro de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.
AA instaurou acção contra BB Hospital, S.A.
, e CC, pedindo que os réus fossem condenados, solidariamente, a pagar-lhe as quantias de €159.970,05 e de €443,05, a título de renda mensal vitalícia, desde 1 de Janeiro de 2012, anualmente actualizada, todos os gastos que a autora vier a efectuar por efeito da intervenção cirúrgica a que foi submetida no R. BB Hospital, e ainda as quantias despendidas, a partir de 1 de Janeiro de 2012, com os custos de ajuda de terceira pessoa, a liquidar ulteriormente.
Contestou o R. BB Hospital, por excepção, invocando ilegitimidade, e impugnando. Em reconvenção pediu a condenação da autora a pagar-lhe a quantia de €5.883,72, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde a citação, pelos cuidados de saúde prestados à autora. Contestou o R. CC, por impugnação. Requereu a intervenção acessória de DD.
Replicou a A., pronunciando-se pela improcedência da excepção de ilegitimidade passiva e impugnando a reconvenção.
Admitida a intervenção acessória, contestou também a Interveniente DD, por excepção, invocando a ilegitimidade para intervir, e impugnando. O R. CC respondeu à contestação da Interveniente.
Foi proferido despacho saneador de fls. 562, julgando improcedente a excepção de ilegitimidade passiva arguida pelo R. BB Hospital. A sentença, de fls. 881, condenou os RR., solidariamente, a pagar à A. a quantia de €94.752,82, e absolveu a A. do pedido reconvencional.
Os RR. recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa, assim como a Interveniente. A Relação negou provimento aos recursos, confirmando a sentença recorrida, sem prejuízo da sua rectificação material, quanto à condenação na quantia de €95.022,82: €65.022,82 por danos patrimoniais e €30.000 por danos não patrimoniais.
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Os RR. recorrem para o Supremo Tribunal de Justiça. O recurso do R. BB Hospital foi admitido como revista excepcional com fundamento no art. 672º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil, e o recurso do R. CC foi também admitido como revista excepcional com fundamento no art. 672º, nº 1, alínea b), do CPC.
Nas alegações de recurso o R. BB Hospital, SA, apresenta as seguintes conclusões (excluem-se as conclusões respeitantes à revista excepcional): “E - O Réu recorrente é uma unidade de saúde privada, e o médico co-réu é um seu prestador de serviços, sendo que a A. não alegou factos, nem os mesmos vieram a ser dados como provados, que possam preencher os requisitos da responsabilidade civil do aqui recorrente, pelo que deveria ter sido considerado, parte ilegítima na ação, em respeito pelos artigos 26.°, n.º 3, 493.°, n.º 2 e 494.° alínea e) do CPC, na redação aplicável, e também respeitando decisão com a qual está em contradição, proferida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15.12.2011, processo n.? 209/06.3TVPRT.P1.S1; F - O Douto Acórdão envereda por considerar que está em causa nos presentes autos responsabilidade contratual dos RR., por recair uma obrigação de resultado sobre o médico, exigindo dos RR. o ónus da prova do cumprimento defeituoso, da inexistência de culpa no ocorrido e que outro tratamento não alteraria as consequências, contrariando frontalmente o decidido por este STJ, Acórdão de 18-09-2007 - Revista n.? 2334/07 - 1.a Secção - Alves Velho (Relator), Moreira Camilo e Urbano Dias; G - Também no tocante ao nexo de causalidade, o Acórdão recorrido contraria uma decisão anterior, proferida pelo STJ, Acórdão de 01.07.2010, processo n.º 398/1999.E1.S1; H - Todos os Acórdãos-Fundamento cujas cópias se juntam, foram proferidos sobre as mesmas questões sub judice no Acórdão recorrido, e no domínio da mesma legislação aplicável, pelo que se encontra, igualmente, verificado o requisito e fundamento de revista excecional previsto na alínea c) do nº 1 do artigo 672.° do CPC; I - Pelo que deve o presente recurso de revista excecional ser admitido.
J - Entende o recorrente que o Douto Acórdão Recorrido, julgando o Réu ora recorrente parte legitima, violou as normas dos artigos 26.°, n.º 3, 493.°, n.º 2 e 494.° alínea e) do CPC, na redação anterior, impondo-se antes a absolvição do Réu da Instância; K - Porquanto, apesar de reconhecer "a escassez de factos alegados por parte da Autora de forma a imputar responsabilidade" ao ora recorrente, vem a julga-lo parte legitima, quando, tratando-se de unidade privada de saúde, sendo o co-réu um prestador de serviços (sem relação comitente-comissário), que lhe requisitou serviços de bloco operatório e internamento, não lhe sendo imputado qualquer incumprimento nesta sua prestação, o Réu não faz parte da relação controvertida conforme alegada pela A.; L - Termos em que, deve a decisão recorrida ser anulada e substituída por outra que julgando procedente a exceção de ilegitimidade invocada pelo Réu, o absolva da instância; M - O Douto Acórdão recorrido faz igualmente uma errada interpretação e aplicação das normas substantivas aplicáveis à responsabilidade civil, no âmbito da prestação de serviços médicos, nomeadamente dos artigos 483.°, 487.°, 490.°, 799.° e 800.°, todos do CC; N - O aresto em analise considera o Réu ora Recorrente como devedor da prestação do ato medico, vindo a condena-lo no pagamento da indemnização à Autora porque não ilidiu a presunção de culpa pelo cumprimento defeituoso da prestação, e que não demonstrou ter praticado todos os atas necessários e inerentes à intervenção cirúrgica na Apelada. Mais refere que não bastava ao Réu que a cirurgia decorrera sem intercorrências ou complicações; O - Aderiu pois o Douto Acórdão recorrido à tese de que em qualquer prestação de atas médicos estamos perante uma obrigação de resultado, e no domínio da responsabilidade contratual que impõe uma presunção de culpa do Réu no cumprimento defeituoso da prestação, e que, em consequência, impende sobre o Réu, devedor da prestação, o ónus da prova quer do cumprimento defeituoso quer da respetiva culpa na sua ocorrência; P - Conforme resulta da melhor doutrina e da jurisprudência firmada no douto acórdão fundamento, não estando em causa a prestação de um resultado, como não está no presente caso, incumbe à Autora a prova do cumprimento defeituoso, provando a desconformidade objetiva entre o ato praticado e a legis artis e só depois funcionando a presunção de culpa, que é única que presume e não o ato ilícito em si mesmo. Tem assim que ser provado pelo paciente que na intervenção foram omitidos atos ou que os meios utilizados foram deficientes ou errados e por tal ter acontecido se produziu o dano; Q - A Autora não logrou provar o cumprimento defeituoso, não constando factos dados como provados que permitam tal conclusão, pelo que, e sem mais, não chegou a verificar-se a presunção de culpa e como tal nenhum ónus de prova pendeu sobre o Réu, não ficando provado um requisito do qual depende a efetivação da responsabilidade civil; R - Termos em que, e caso não venha a ser julgada procedente a exceção de ilegitimidade, deve o douto acórdão ser anulado e substituído por outro, que fazendo uma correta interpretação das normas aplicáveis à responsabilidade civil, absolva o Réu dos pedidos formulados pela Autora.
S - O douto Acórdão recorrido, e sobre outro dos requisitos da responsabilidade civil - o nexo de causalidade - voltou a fazer uma incorreta aplicação, agora do artigo 563.° do CC; T - O Acórdão em crise para além de considerar que a prova do nexo causal compete ao devedor da obrigação, aderiu o douto acórdão recorrido à formulação negativa da causalidade adequada, tomando-a corrente maioritária, de acordo com a qual só deixará de ser considerado causa adequada quando se mostre de todo indiferente para a verificação do dano ou este resulte apenas de circunstâncias excecionais, anormais, extraordinárias ou anómalas; U - Porém, quer o Acórdão fundamento quer a correta interpretação das normas do Código Civil imporiam antes que fosse considerado que cabe ao paciente a prova de que um certo tratamento ou intervenção foi omitido e conduziu ao dano, quando se outro ato médico tivesse sido praticado teria levado à cura ou evitado a doença ou o seu agravamento. É assim necessário estabelecer uma ligação positiva entre a lesão e o dano através da previsibilidade deste em face daquela; V - Não tendo sido dados como provados quaisquer factos que permitissem o juízo de causalidade nesta formulação positiva, impunha-se decisão diversa da proferida.
X - Termos em que deve a decisão ser anulada, substituindo-se por outra que absolva o Réu do pedido pela não verificação de um critério obrigatório para a existência de responsabilidade civil; Z - Nestes termos o Acórdão recorrido violou as normas dos artigos 26.°, n.º 3, 493.°, n.º 2 e 494.°, alínea e) do CPC na sua redação anterior, ao não julgar procedente a exceção de ilegitimidade, incorreu errada aplicação dos artigos 483.°, 487.°, 490.°, 799.° e 800.° do CC, uma vez que estes não eram aplicáveis e fez uma errada interpretação do artigo 563.° também do CC; AA - Em consequência do acima alegado e concluído, e em qualquer das suas hipóteses subsidiarias deve ainda ser proferida decisão, qua anulando aquela que absolveu a A. do pedido reconvencional, a substitua por outra que condene a A. no pagamento das quantias devidas ao R., de acordo com as faturas juntas aos autos.
Nas alegações de recurso o R. CC formula as seguintes conclusões: “I. No âmbito da responsabilidade médica por factos associados ou decorrentes de efeitos secundários ou intercorrências referentes à anestesia não podem ser imputados ao cirurgião, mas apenas ao médico anestesista, na medida em que se tratam de profissionais médicos especialistas, em posição de estrita paridade - não sendo por isso o cirurgião responsável perante o paciente por actos danosos realizados pelo médico anestesista.
II. A Autora celebrou um contrato com a Ré Hospital, Ré essa que actua em representação de todos os seus auxiliares e de todos os médicos, de qualquer especialidade, que actuam no âmbito do Hospital.
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