Acórdão nº 2501/09.6TTLSB.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução28 de Janeiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 2501/09.6TTLSB.L2.S1 (Revista) – 4.ª Secção Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 29 de junho de 2009, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, 3.º Juízo, 2.ª Secção, AA instaurou ação declarativa, com processo comum, emergente de contrato de trabalho contra BB, S. A., pedindo que: a) fosse reconhecido e qualificado como de trabalho o contrato firmado com a ré, em 5 de março de 2007; b) fosse considerado que a declaração da ré, inserta na carta junta, como doc. 3, à petição inicial, constitui um despedimento; c) fosse reconhecido e declarado que o despedimento foi devido a motivos discriminatórios e particularmente reprováveis, designadamente políticos, de não respeitabilidade por comprometimentos assumidos, baseado em factos falsos e por violação dos mais elementares princípios de proteção de trabalhadora puérpera, e não procedido de procedimento disciplinar; d) fosse declarada a ilicitude do referido despedimento; e) a ré fosse condenada a reintegrá-la no seu posto de trabalho ou, em alternativa, a pagar-lhe a indemnização, a fixar no valor máximo, prevista no n.º 1 do artigo 391.º do Código do Trabalho, opção a exercer até ao termo da audiência de julgamento; f) a retribuição mensal líquida fosse fixada em € 570,78; g) a ré fosse condenada a pagar-lhe todas as retribuições que deixou de auferir desde os trinta dias anteriores à propositura da ação judicial até ao trânsito em julgado da decisão; h) a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 15.411,06, a título de indemnização pelo não cumprimento da obrigação contributiva a que estava adstrita, relativamente aos beneficiários abrangidos pelo Regime Geral de Segurança Social dos trabalhadores por conta de outrem; i) a ré fosse condenada a pagar-lhe, a título de subsídio de férias, férias não gozadas e subsídio de Natal, relativos aos anos de 2007 e 2008, a quantia global de € 2.732,52; j) a ré fosse condenada a pagar-lhe, a título de subsídio de férias e férias vencidas em 1 de janeiro de 2009, o valor global de € 1.141,54; k) a ré fosse condenada a pagar-lhe € 50.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais; l) a ré fosse condenada a pagar-lhe juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, sobre as quantias indicadas nos artigos 149.º e 150.º da petição inicial, desde as sucessivas datas de vencimento de cada subsídio de férias e de Natal, e até integral pagamento, que perfazem até à data da propositura da ação € 387,41; m) a ré fosse condenada a pagar-lhe juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias indicadas nos artigos 132.º a 136.º, 144.º e 181.º da petição inicial, desde a citação até integral pagamento e, bem assim, a sanção pecuniária compulsória correspondente a juros de 5%, ao ano, desde a data do trânsito em julgado da decisão.

A ação, contestada pela ré, e na sequência da anulação da primeira sentença proferida, foi julgada improcedente, sendo a ré absolvida dos pedidos formulados.

  1. Inconformada, a autora apelou e a ré requereu a ampliação do âmbito do recurso, mediante a impugnação, a título subsidiário, da decisão exarada sobre pontos da matéria de facto, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa julgado procedente o recurso de apelação ajuizado e deliberado: (i) «[r]evogar a sentença recorrida»; (ii) «[r]econhecer que as partes estiveram vinculadas por um contrato de trabalho, desde 5/03/2007 até 5/03/2009»; (iii) «[d]eclarar que esse contrato cessou, ilicitamente, em 5/03/2009, através de despedimento promovido pela Ré, sem precedência de processo disciplinar»; (iv) «[c]ondenar a Ré a reintegrar a Autora na empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade»; (v) «[c]ondenar a Ré a pagar à Autora as retribuições que esta deixou de auferir desde o 30.º dia anterior à propositura da ação até à data do trânsito deste acórdão, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma dessas retribuições até integral pagamento, devendo deduzir-se ao montante dessas retribuições e respetivos juros os rendimentos por ela eventualmente auferidos em atividades iniciadas posteriormente a 5/03/2009, devido ao despedimento, relegando-se a sua fixação para incidente de liquidação de sentença»; (vi) «[c]ondenar a Ré a pagar à Autora a retribuição de férias e o subsídio de férias respeitantes ao trabalho prestado no ano de 2007, vencidos em 1/01/2008, o subsídio de Natal, proporcional ao tempo de trabalho prestado no ano de 2007, a retribuição de férias, o subsídio de férias respeitantes ao trabalho prestado no ano de 2008, vencidos em 1/01/2009, bem como o subsídio de Natal de 2008, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das referidas prestações até efetivo e integral pagamento, relegando-se a sua fixação para incidente de liquidação de sentença»; (vii) «[c]ondenar a Ré a pagar à Autora a quantia de € 10.000 (dez mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos, a que acrescerão juros de mora, à taxa legal, desde a data do trânsito em julgado deste acórdão»; (viii) «[c]ondenar a Ré a pagar à Autora juros de mora à taxa de 5% ao ano sobre o capital das prestações pecuniárias atrás referidas, desde a data em que esta decisão transitar em julgado até efetivo e integral pagamento, os quais acrescerão aos juros de mora atrás referidos».

    É contra esta deliberação que, agora, a ré vem interpor recurso de revista, no qual formulou o acervo conclusivo que se passa a transcrever: «1.ª A Recorrente recorre do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido a fls.

    2.ª A Recorrente entende que o Tribunal a quo aplicou incorretamente o Direito aos factos assentes, designadamente ao considerar que a relação contratual que existiu entre esta e a Recorrida configura contrato de trabalho e, bem assim, ao condenar aquela a pagar a esta indemnização por danos não patrimoniais no montante de 10.000,00 €.

    3.ª Tendo o contrato entre as partes tido início na vigência do Código do Trabalho de 2003, alterado pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março, é esse o regime aplicável em matéria de qualificação contratual.

    4.ª A presunção de laboralidade prevista no artigo 12.º do referido diploma legal pressupõe o preenchimento cumulativo dos elementos nele previstos, o que, salvo o devido respeito, não se verifica no caso em apreço.

    5.ª Por isso, cabia à Recorrida alegar e provar os factos constitutivos da existência de contrato de trabalho com a Recorrente (cfr. artigo 342.º/1 do Código Civil).

    6.ª O que, também, salvo o devido respeito, não sucedeu.

    7.ª Ainda que se entendesse estar preenchida a presunção de laboralidade, a Recorrente teria ilidido a referida presunção.

    8.ª Entre Recorrente e Recorrida foi celebrado contrato de prestação de [serviço].

    9.ª A Recorrida teve a perceção do tipo de vínculo jurídico que estava a estabelecer com a Recorrente.

    10.ª In casu, não foi alegado nem provado qualquer vício da vontade ou divergência entre a vontade real e declarada.

    11.ª Pelo que a vontade contratual das partes se afigura, no caso concreto, relevante. 12.ª Não só a denominação dada ao contrato pelas partes, mas também o clausulado do mesmo, apontam para a natureza de prestação de serviços da relação contratual em causa.

    13.ª O modo como a Recorrida prestava o serviço contratado deve ser analisado à luz da natureza da atividade prosseguida pela Recorrente, que é de interesse público, uma vez que envolve questões de saúde dos cidadãos, o que torna imperativa a necessidade de garantir a qualidade e uniformização do serviço prestado.

    14.ª A atividade de enfermagem pode ser exercida quer em regime de contrato de trabalho, quer em regime de contrato de prestação de [serviço], pelo que o objeto do contrato nada permite concluir quanto à natureza do vínculo jurídico existente entre as partes.

    15.ª Atenta a natureza dos serviços em causa, os mesmos não poderiam ser prestados noutro local nem com recurso a equipamentos próprios dos prestadores.

    16.ª Motivo pelo qual o acórdão recorrido não deveria ter considerado relevante, para efeitos de qualificação da relação contratual em causa, os mencionados indícios.

    17.ª Não era a Recorrente quem determinava os momentos concretos em que a Recorrida lhe prestava serviços, porquanto esta indicava as suas disponibilidades e podia trocar com colegas e fazer-se substituir por estes na prestação do serviço.

    18.ª A possibilidade de a Recorrida indicar os períodos em que pretendia prestar serviços à Recorrente e, bem assim, de se fazer substituir por colegas na prestação daqueles serviços aponta no sentido da existência de relação de trabalho autónomo.

    19.ª Trata-se de realidade pouco compatível com a heterodeterminaçào que caracteriza o contrato de trabalho e, bem assim, com [o] caráter intuitu personae e a natureza infungível da prestação laboral.

    20.ª No âmbito de contrato de prestação de [serviço], o beneficiário pode dar orientações e diretrizes ao prestador quanto ao serviço a prestar, ou seja, pode conformar aquele serviço, sem que daí se possa extrair a existência de subordinação jurídica.

    21.ª Nos autos não se provou que a Recorrida estivesse sujeita a ordens e instruções da Recorrente, que possam ser entendidas como manifestação do poder de direção do empregador.

    22.ª O facto de, na prestação do serviço de triagem, a Recorrida ter de respeitar certos termos padronizados e de utilizar algoritmos não é suficiente para concluir pelo exercício de poder de direção típico do contrato de trabalho.

    23.ª A Recorrida era paga à hora e apenas recebia quando efetivamente prestava serviços.

    24.ª O valor dos honorários pagos à Recorrida variava em função do número de horas de serviço prestadas e, bem assim, do resultado do serviço (aferido através da avaliação).

    25.ª A Recorrida emitia recibo verde e não recebia subsídios de férias e de Natal.

    26.ª Factos que se afastam do regime da retribuição próprio do contrato de trabalho.

    27.ª Atento o exposto, ao declarar a existência de...

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