Acórdão nº 1391/13.9TTCBR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelANA LUÍSA GERALDES
Data da Resolução14 de Janeiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I – 1. AA Instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, no Tribunal do Trabalho de Coimbra, contra: BB, S.A.

Pedindo que a acção seja julgada procedente e, em consequência: 1. Declarado que entre as partes existia um contrato sem termo, com efeitos reportados a 1 de Outubro de 2000, condenando-se a Ré a reconhecê-‑lo; 2. Declarada a ilicitude do despedimento do Autor, com efeitos a partir de 1 de Junho de 2013 e, consequentemente, seja a Ré condenada a: 1) Reintegrar o Autor no seu posto de trabalho, com antiguidade reportada a 1 de Outubro de 2000, data do início da relação de trabalho, e com a categoria profissional que lhe pertence, sem prejuízo de o mesmo poder vir a optar, em substituição, pela indemnização legal, cujo montante se calculará, em momento processualmente oportuno; 2) Pagar ao Autor as retribuições que se vierem a vencer, incluindo as férias, subsídios de férias e de Natal, desde 30 dias antes da propositura da acção judicial até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal, computando-se as vencidas, até 4/12/2013, em € 3.500,00; 3) Pagar ao Autor os subsídios de férias e de Natal referentes aos anos de 2000 a 2013, no valor de € 121.456,33; 4) Pagar juros de mora, às tCCs legais aplicáveis em cada período de tempo, sobre todas as quantias em dívida, desde a data de vencimento de cada uma delas e até efectivo e integral pagamento, computando-se as vencidas, em 4/12/2013, em € 33.543,40.

Para fundamentar estes pedidos alegou, em síntese, que: O Autor é médico, com a especialidade de cirurgião-geral e, mediante acordo verbal celebrado com a R., em Março de 2000, passou a efectuar consultas e cirurgias no Centro Médico de ..., pertença da R., mediante o pagamento de uma percentagem do valor das consultas e de um montante fixado em tabela para as cirurgias.

Porém, a Ré, acordou verbalmente com o Autor, em Setembro de 2000, que este passaria a desempenhar as funções de Director Clínico da R., nos vários centros clínicos pertença da R., sob a autoridade, direcção e fiscalização desta, o que o Autor passou a fazer, a partir de 1 de Outubro de 2000, mediante retribuição.

Durante estes anos o Autor exerceu as suas funções de Director Clínico da R., em representação desta, nos locais que lhe foram determinados, em horários definidos pela Ré, inserido na sua estrutura orgânica e organizativa e mediante as suas instruções e fiscalização, subordinado ao Conselho de Administração da R., recebendo, em contrapartida, o pagamento de uma retribuição mensal certa e determinada.

A partir de 1 de Junho de 2013, a R. deixou de permitir que o A. continuasse a exercer as suas funções, tendo-lhe comunicado, verbalmente, que cessaria funções, o que fez, sem qualquer razão para tal e sem nunca lhe ter pago os subsídios de férias e de Natal.

  1. Contestando, a Ré alegou que o Autor nunca foi seu trabalhador subordinado, existindo, entre eles, um vínculo de «prestação de serviço», pelo que não tem direito ao que peticiona, devendo, por isso, ser julgada totalmente improcedente a acção.

    3. Foi proferida sentença com o seguinte teor decisório: «Em face de todo o exposto, o Tribunal julga procedente, por provada, a acção e, em consequência decide:

    1. Declarar a existência de um contrato de trabalho sem termo entre Autor e Ré com efeitos reportados a 1 de Outubro de 2000 e declarar ilícito o despedimento do Autor AA efectuado pela Ré, com efeitos a partir de 1 de Junho de 2013, condenando-se a Ré a reconhecê-lo.

    2. Condenar a Ré a pagar ao Autor, a título de indemnização e em substituição da reintegração, a quantia correspondente a 15 dias de retribuição à razão de € 1.750,00 mensais ilíquidos, por cada ano completo ou fracção de antiguidade, desde a admissão ao seu serviço (01 de Outubro de 2000) até ao trânsito em julgado desta sentença, nos termos do artigo 391º nº 1, do Código do Trabalho, que até ao presente se computa em € 24.500,00; c) Condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia mensal ilíquida de € 3500,00, a título de retribuições intercalares, desde o dia 4 de novembro de 2013 até ao trânsito em julgado desta sentença, nos termos do artigo 390º nº 1, do Código do Trabalho, que até ao presente se computam em € 35.834,24; d) Condenar a R. a pagar ao A. a quantia de € 121.435,54, a título de créditos salariais; e) Condenar a Ré a pagar ao Autor juros de mora, às tCCs legais aplicáveis em cada período de tempo, sobre todas as quantias em divida, desde a data de vencimento de cada uma delas e até efectivo e integral pagamento.

    - Custas pela Ré.».

  2. Inconformada, a Ré Apelou para o Tribunal da Relação de Coimbra que julgou procedente o recurso nos seguintes termos: «Acordam os Juízes que compõem esta Secção Social, do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão Recorrida e absolvendo-se a Ré de todos os pedidos formulados pelo Autor”.

  3. Insurgiu-se o A. mediante o presente recurso de Revista, no qual formulou, em síntese, as seguintes conclusões: 1. No presente recurso de revista colocaremos à apreciação desse Tribunal as seguintes questões: primeira, erro na modificação da matéria de facto (ponto 16 da sentença) e na eliminação do ponto 20; segunda, erro de aplicação do direito à matéria de facto que deve ser considerada como provada.

  4. No caso em apreço, sem prejuízo da nossa discordância quanto às alterações também dos pontos 18 e 19, a alteração do facto 16 (eliminando-se o segmento “passou a estar integrado na organização da Ré") e a eliminação, pura e simples, do facto 20, resultaram de não se ter respeitado o que se estabelece no n.º 1 do art. 376.º do CC, quanto à força probatória dos documentos particulares.

  5. No que concerne ao ponto 16, ao considerar aquele segmento factual conclusivo, o acórdão ignorou a força probatória dos documentos particulares juntos, a fls. 24 e 25 e 170 a 175 dos autos, da autoria do Conselho de Administração.

  6. Pelo que, deve ser mantida a redação do ponto 16 na primitiva formulação da sentença.

  7. No que respeita ao ponto 20, que foi eliminado por o acórdão considerar que do documento de fls. 26 não se podia retirar a existência do poder disciplinar da Ré, sobre o A., houve igualmente violação da força probatória de tal documento particular que impunha que fosse levada à factualidade provada a matéria factual útil do mesmo.

  8. O que se requer, passando o ponto 20 a ter o seguinte conteúdo: "Tendo chegado, fortuitamente, ao meu conhecimento, de que teria sido recrutado um novo técnico de cardipneumografia para este Centro Hospitalar, solicito me informe, por esta mesma via, de qual a metodologia utilizada no recrutamento, as condições propostas e aceites e, bem assim, quem Autorizou este recrutamento". 7. A questão de direito a dirimir nestes autos não deixa dúvidas e tem a ver com a natureza da relação contratual estabelecida entre as partes, isto é, se entre elas vigorava um contrato de trabalho ou um contrato de prestação de serviço.

  9. Concatenados os factos que devem ser considerados provados é indiscutível que o A. provou, como lhe competia (art. 342º, n.º 1 do CC), a existência de todos os elementos caracterizadores do contrato de trabalho, tal como o mesmo se encontrava definido no art.º 1.º da LCT e no art. 1152.º, nº 2, do CC de 1966.

  10. E isto por ter provado a existência dos três elementos essenciais, a saber: prestação de trabalho, a retribuição e a subordinação jurídica.

  11. Dos autos resulta, sem margem para dúvidas, que o A. prestou o seu trabalho de Diretor Clínico para a Ré; e que dela recebeu a retribuição correspondente. Retribuição essa de montante e periodicidade (mensal) certos. Donde resulta a existência de subordinação económica.

  12. Da matéria de facto, deve considerar-se provada a existência dos seguintes elementos ou indícios: integração do A. na estrutura organizativa da Ré; existência de horário de trabalho; comunicação do Autor à Ré das suas ausências pontuais ou prolongadas; gozo de um mês de férias remunerado; prestação pessoal da actividade; substituição pela Ré nas suas ausências; as instalações, bem como todos os utensílios e equipamentos, eram da Ré e era esta que lhe prestava o demais apoio; sujeição a “instruções” do Diretor-Geral e da Administração; retribuição mensal de valor fixo.

  13. O que, analisado conjugadamente, deita por terra a qualificação do contrato como sendo de prestação de serviço. Acresce que: 13. Independentemente de vir ou não a ser deferida a questão suscitada quanto à matéria do ponto 16, face aos elementos documentais de fls. 24/25 e 170/175, e à sua força probatória, não pode este Venerando Tribunal deixar de considerar que o Autor se encontrava integrado na estrutura organizativa da Ré.

  14. Ainda independentemente de constar do ponto 18 que o Autor recebia "ordens" ou antes realizava "tarefas atribuídas pela Ré”, em moderna linguagem de gestão, é indiscutível a subordinação do Autor à Ré: quer seja recebendo "ordens", quer seja, como os gestores gostam actualmente dizer, realizando tarefas atribuídas.

  15. Finalmente, do documento de fls. 26 dos autos, independentemente de se revogar ou não a decisão que eliminou o ponto 20 da matéria de facto, tratando-se de um documento particular, com a força probatória que o art. 376º do CC lhe atribui, que não foi impugnado quando à sua genuinidade, não pode deixar de se concluir pela existência de poder disciplinar da Ré sobre o Autor.

  16. Ou seja, da conjugação dos indícios descritos no corpo destas alegações e levados à conclusão 13, com os demais factos vertidos nas conclusões 15, 16 e 17, não pode deixar de se concluir pela existência de subordinação jurídica.

  17. E face à existência de todos os elementos caraterizadores do contrato de trabalho, deveria ter sido julgada procedente a acção, como bem se decidiu na sentença proferida em primeira instância, que devia ter sido mantida pelo acórdão recorrido.

  18. Ao não o fazer, violou o acórdão recorrido a lei e, em...

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