Acórdão nº 414/12.3TAMCN.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelMANUEL AUGUSTO DE MATOS
Data da Resolução14 de Janeiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – RELATÓRIO 1.

Por acórdão proferido, em 3 de Julho de 2015, pelo Tribunal de Júri da Instância Central Criminal de ..., foi o arguido AA condenado, em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo: « (…) pela prática de cada um dos dois crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo art. 171º, n.º 1 do C. Penal, na pessoa do ofendido BB – na pena de 2 (dois) e 3 (três) meses de prisão (factos provados 5-11, 30-32); (…) pela prática de cada um dos quatro crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo art. 171º, nº 1 do C. Penal, na pessoa do ofendido CC – na pena de 2 (dois) e 3 (três) meses de prisão (factos provados 12-18, 30-32); (…) pela prática de um crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo art. 171º, nº 1 do C. Penal, na pessoa do ofendido DD – na pena de 2 (dois) e 3 (três) meses de prisão (factos provados 19-22, 30-32); (…) pela prática de cada um dos três dos crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo art. 171º, nº 1 do C. Penal, na pessoa do ofendido EE – na pena de 1 (ano) e 5 (cinco) meses de prisão (factos provados 23-28, 30-32); (…) pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, também p. e p. pelo art. 171º, nº 1 do C. Penal perpetrado na pessoa do mesmo EE, na pena de 2 (dois) anos de prisão (factos provados 29; 30-32); (…) pela prática de cada um dos 104 (cento e quatro) crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo art. 171º, nº 1 do C. Penal, na pessoa do ofendido FF – na pena de 1 (ano) e 3 (três) meses de prisão (factos 70 a 80); (…) pela prática de cada um dos 104 (cento e quatro) crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo art. 171º, nº 1 do C. Penal, na pessoa do ofendido GG – na pena de 1 (ano) e 3 (três) meses de prisão (factos 70 a 80); (…) pela prática de cada um dos 11 (onze) crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo art. 171º, nº1 e art. 177º, nº 1, al. b) do C. Penal, na pessoa do ofendido HH – na pena de 3 (três) anos e 10 (dez) meses de prisão (factos provados 34-37 e 61-63, 67-69); (…) pela prática de cada um de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo art. 171º, nº 1 e art. 177º, nº 1, al. b) do C. Penal, também na pessoa do ofendido HH – na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão (factos provados 42 e 67-69); (…) prática de cada um dos 11 (onze) crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo art. 171º, nº 1 e 2 e art. 177º, nº 1, al. b) do C. Penal, também na pessoa do ofendido HH – na pena de 8 (oito) anos de prisão (factos provados 48-50, 54, 55, 57-59, 64-69); (…) pela prática de cada um dos 3 (três) crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo art. 171º, nº 1 e nº 2 e art. 177º, nº 1, al. b) do C. Penal, também na pessoa do ofendido HH – na pena de 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses de prisão (factos 43-45 e 67-69); (…) pela prática de cada um dos 3 (três) crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo art. 171º, nº 1 do C. Penal, na pessoa do ofendido II – na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão (factos provados 94-99, 144-147); (…) pela prática de um de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo art. 171º, nº 1 do C. Penal, na pessoa do ofendido II – na pena de 3 (três) anos de prisão (factos provados 120-121; 144-147); (…) pela prática de cada um dos 58 (cinquenta e oito) crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo art. 171º, nº 1 e nº 2 do C. Penal, na pessoa do ofendido II – na pena de 7 (sete) anos de prisão (factos provados 103-119; 122-125; 129-136, 138-141; 144-147); (…) pela prática de cada um dos 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo art. 171º, nº 1 e nº 2 do C. Penal, na pessoa do ofendido II – na pena de 7 (sete) anos e 2 (dois) meses de prisão (factos provados sob o ponto 137 e 144-147); (…) pela prática de cada um dos 19 (dezanove) crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171º, nº 1 do C. Penal, na pessoa do ofendido JJ, na pena de 2 (dois) anos e (10) dez meses de prisão (factos provados 152-153 e 155-158); (…) pela prática de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171º, nº 1 e 2 do C. Penal, na pessoa do mesmo ofendido – JJ – na pena de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão (factos provados 154 e 155-158).» Em cúmulo jurídico, das enunciadas penas parcelares, foi o arguido condenado na pena única de 25 (vinte e cinco) anos de prisão.

Foi ainda o arguido condenado na pena acessória de 15 (quinze) anos de inibição do exercício de funções p. no art. 179º, al. b) do C. Penal, a cumprir aquando da respectiva colocação em liberdade (cfr. art. 66º, nº3 do C. P. Penal).

2.

Inconformado, interpôs o arguido o presente recurso, dirigido ao Tribunal da Relação do Porto, admitido pela Mm.ª Juiz da 1.ª instância para o Supremo Tribunal de Justiça (fls. 2426).

O recorrente remata a sua motivação com as seguintes conclusões, que se reproduzem: «1.ª Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão de 3 de Julho de 2015, proferido nos autos supra referenciados, que condenou o Arguido em cúmulo jurídico, na pena única de vinte e cinco anos de prisão, pretendendo-se o reexame da matéria de direito, nomeadamente no que respeita ao concurso de crimes, bem como à medida concreta da pena aplicada.

2.ª Relativamente ao concurso de crimes, entendeu o Tribunal a quo, não estarmos perante uma situação de crime continuado, mas que o Arguido praticou tais ilícitos em concurso efectivo real.

3.ª Por outro lado, e no que respeita à figura do crime prolongado ou de trato sucessivo, considerou o Tribunal a quo, não estarmos perante um crime de trato sucessivo, porquanto não se apresenta a conduta do arguido uma unidade resolutiva, posto que se impunha uma conexão temporal que em regra levasse a aceitar que o agente executou toda a sua actividade, sem ter que renovar o respectivo processo de motivação.

4.ª Ora, salvo o devido respeito, entendamos que, o Tribunal a quo deveria ter concluído pelo enquadramento jurídico da conduta do arguido na figura do crime único de trato sucessivo.

5.ª A doutrina e a jurisprudência têm entendido que nas situações em que os crimes sexuais envolvam uma repetitiva actividade prolongada no tempo, se está perante a figura do crime prolongado ou de trato sucessivo, em que se convenciona que há só um crime- apesar de se desdobrar em diversas condutas que, se isoladas, constituiriam um crime quanto mais grave quanto mais repetido.

6.ª Contrariamente ao crime continuado, nos crimes de trato sucessivo não há uma diminuição considerável da culpa, mas, antes em regra, um progressivo agravamento à medida que se reitera a conduta.

7ª Assim, o que se exige para a verificação da existência de um crime prolongado ou de trato sucessivo será como que uma “unidade resolutiva", que não se confunde com "uma única resolução”.

8.ª Para constatar a existência de uma unidade resolutiva é necessária uma conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados da experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua actividade sem ter de renovar o respectivo processo de motivação” (Eduardo Correia, 1968, 201 e 201, in Código Penal Anotado de Paulo Pinto de Albuquerque.

9.ª Para além disso, deverá existir uma homogeneidade na conduta do agente que se prolonga no tempo, em que os tipos de ilícito, individualmente considerados são os mesmos, ou se diferentes, protegem essencialmente um bem jurídico semelhante, sendo que no caso de crime de abuso sexual de crianças, a vítima tem de ser a mesma.

10.ª No sentido do exposto e a propósito do crime de trato sucessivo, vão os Acórdãos do STJ de 23/01/2008, de 21/10/2009 e de 29/11/2012, in www.dgsi.pt.

11.ª Mais recentemente, o Acórdão da Relação do Porto, de 11/02/2015, in www.dgsi.pt, entendeu-se que: “Se a conduta do arguido é fruto de uma unidade resolutiva que abarcou ab initio, as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que viriam a ter lugar os vários actos sexuais que praticou, comandados por uma única resolução e lesando o mesmo bem jurídico, constitui um único crime de trato sucessivo.

12.ª No caso dos autos, e considerando os factos provados, pode esquematizar-se o seguinte, em relação a cada um dos ofendidos.

13.- Quanto ao ofendido BB, nascido a ---, da factualidade apurada, resultaram provados os factos constantes dos pontos n.º 5 a 11 e 30 a 32 do douto acórdão recorrido, donde se pode concluir que, os actos praticados pelo arguido e que, de um modo homogéneo, ocorreram no período compreendido entre finais de Outubro e 15 de Novembro de 2008, no mesmo contexto situacional, consubstanciam uma unidade resolutiva, traduzindo-se, portanto, num único crime de trato sucessivo de abuso sexual de menor previsto e punido pelo artigo 171.º n.º 1 do Código Penal.

14.ª Da mesma forma, da factualidade apurada nos pontos 12 a 18, e 30 a 32, se pode extrair uma unidade resolutiva, que abarcou ab initio, as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que viriam a ter lugar os vários ates sexuais que o arguido praticou com o menor LL, nascido em 29/07/1998, constituindo assim um único crime de trato sucessivo de abuso sexual de menor previsto e punido pelo artigo 171.º n.º 1 do Código Penal.

15.ª No que respeita, ao ofendido EE, nascido em ---, cada um dos actos praticados pelo arguido, respeitantes à matéria de facto provada, constante dos pontos n.ºs 23 a 29 e 30 a 32, foi perpetrado, de forma homogénea, no mesmo contexto situacional e temporal, permitindo concluir pela existência de uma unidade resolutiva, devendo por isso, enquadrar-se tais condutas, num único crime de trato sucessivo de abuso sexual de menor previsto e punido pelo artigo 171.º n.º 1 do Código Penal.

16.ª Quanto ao ofendido HH, cada um dos vários actos do arguido que resultaram provados nos pontos n.ºs 33 a 37, do douto acórdão, ocorreram no mesmo contexto situacional e temporal, consubstanciando a mesma resolução criminosa a uma única violação do bem jurídico, havendo, por isso, que concluir pela prática de um único crime de trato sucessivo...

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