Acórdão nº 562/12.0PCMTS.P2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Janeiro de 2016
Magistrado Responsável | ARMÉNIO SOTTOMAYOR |
Data da Resolução | 14 de Janeiro de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Pelo tribunal colectivo do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Matosinhos foi julgado AA, nascido em ... e com os demais elementos de identificação constantes dos autos, a quem foi imputada a prática de factos integradores da autoria material de um crime homicídio qualificado na forma tentada. Realizada a audiência foi proferido acórdão em 22-10-2013, que condenou o arguido como autor material de um crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelos art. 144º al. d) do Código Penal, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão efectiva.
Inconformado o Ministério Público recorreu, de facto e de direito, para o Tribunal da Relação do Porto que, tendo julgado procedente o recurso, alterou a matéria de facto, eliminando o facto não provado nº 17, consignando que do facto provado nº 17 ficou a constar que o arguido actuou com o intuito de causar a morte de BB, aditando ainda o facto nº 18. Considerou ainda que os factos após a alteração são subsumíveis como tentativa de homicídio, ordenando que os autos voltassem à 1ª instância, a fim de aí ser determinada a escolha e medida concreta da pena a aplicar.
Por acórdão de 27-05-2014, foi o arguido condenado como autor material de um crime de homicídio (simples) na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts, 22º, 23º, 72º., 73º e 131º do Código Penal, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão.
Continuando inconformado, o Ministério Público interpôs novo recurso para o Tribunal da Relação do Porto, desta vez limitado à questão da medida concreta da pena. Por acórdão de 6-05-2015, foi dado provimento ao recurso, tendo a pena sido fixada em 6 anos de prisão.
Desta pena discorda o arguido, que interpôs o presente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, de cuja motivação constam as seguintes conclusões: 1 - O Recorrente foi condenado na pena de 6 anos de prisão efetiva, pela prática do crime de homicídio simples na forma tentada, p. e p. pelo artigo 131.° e pelos artigos 22.º; 23.º; 72.º e 73.º do CP, 2 - Fundamenta o presente recurso, salvo o devido respeito que é muito e melhor opinião, ter havido, por parte do Digno Tribunal "a quo", um desrespeito e incumprimento dos artigos 40.º; 70.°, 71.º do Código Penal revisto 3 - Pelas razões a seguir desenvolvidas, é nosso entendimento dever o Douto Acórdão condenatório, proferido pelo Digno Tribunal da Relação do Porto (em sede de recurso) ser revogado na sua parte condenatória (que aplicou ao arguido a pena de seis anos de prisão efetiva), sendo o arguido condenado em pena mais branda, isto é, deverá ser mantida a pena aplicada ao arguido pelo tribunal de Primeira Instância (4 anos e três meses de prisão efetiva).
4 - A aplicação da pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade - Artigo 40°, nº 1, do Código Penal. Sendo certo que a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa, em caso algum - Artigo 40°, nº 2, do Código Penal. Nos termos do disposto no Artigo 71 ° do Código Penal, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, designadamente as exemplificativamente previstas no n° 2 daquele preceito legal.
5 - O Ilustre Tribunal de primeira Instância, com uma claríssima análise dos factos provados, e o conhecimento empírico que lhe advém da análise das palavras ditas nos depoimentos, da análise da forma como foram ditas, dos gestos, dos olhares, dos movimentos corporais, e das emoções que transpareceram quer da ofendida quer do arguido, concluiu que: - pag 16 e 17 do Douto Acórdão condenatório proferido pelo tribunal de 1ª Instância - "A ilicitude dos factos é média, dentro do respectivo tipo de crime, tendo em conta o meio empregue (faca), a quantidade de golpes que o arguido desferiu (cerca de 23, no total) e as consequências que advieram para a ofendida (não se tendo provado que as lesões sofridas tenham causado sequelas).
- A intensidade do dolo foi normal neste tipo de crime (dolo directo) tendo em conta a quantidade de golpes que o arguido desferiu e as partes do corpo atingidas.
- Quanto à culpa, é de ter em consideração a relação de namoro que o arguido tinha mantido com a vítima (a qual foi encontrar-se com o arguido para lhe entregar os seus pertences, que tinha em seu poder), relacionamento esse que. ainda que terminado (na véspera), tornava mais exigível ao arguido que respeitasse a integridade corporal da ofendida.
Agrava ainda a culpa do arguido o facto de se ter munido da faca antes de ir ter com a ofendida, por tal significar que a intenção de cometer a agressão foi minimamente pensada e desejada e não que foi cometida num mero impulso momentâneo.
- Quanto às causas e circunstâncias do crime, é de ter em conta que o crime foi praticado na sequência do fim da relação de namoro, que ocorreu na véspera por iniciativa da ofendida.
- Quanto às condições pessoais do arguido, é de atender a que o arguido se encontra familiarmente integrado (na sua família de origem), embora sofrendo de um défice cognitivo que prejudicou a sua escolaridade e, bem assim, a sua inserção profissional, não exercendo, por isso, qualquer actividade laboral. Embora o arguido nunca tenha manifestado comportamentos anómalos ou agressivos em contexto familiar ou escolar, em determinados contextos revela dificuldades no processo de resolução de problemas e tomada de decisão, em que é necessária a mediação e compromisso, reagindo de forma impulsiva, tendo já sido alvo de dois registos disciplinares durante a sua reclusão preventiva à ordem destes autos. Por outro lado, apesar de revelar um discurso que denota consciencialização sobre a situação jurídico-penal e sobre as razões que estão na origem do presente processo, o arguido não equaciona adequadamente o impacto e consequências dos danos causados à vítima.
- Quanto à conduta anterior aos factos, o arguido é primário (não têm antecedentes criminais).
- Em matéria de prevenção geral quanto a este tipo de crime, as exigências são elevadas, obrigando a que a pena, tendo sempre como limite a culpa do arguido, seja fixada de forma a não defraudar as expectativas da comunidade, fazendo-a continuar a acreditar na eficácia do ordenamento jurídico. No caso dos autos mostra-se particularmente necessário afirmar a defesa dos bens jurídicos protegidos, atendendo ao grau da ilicitude dos factos.
- As exigências de prevenção especial são acima da média relativamente a este tipo de crime, tendo em conta essencialmente a personalidade do arguido, resultante das suas condições de vida acima referidas, bem como atendendo à culpa do arguido e às causas e circunstâncias do cometimento do crime, igualmente acima referidas.
- Assim, considerando a moldura abstracta da pena (prisão de 1 ano, 7 meses e 6 dias até 10 anos e 8 meses), a culpa do arguido, o grau da ilicitude e a intensidade do dolo, as causas e circunstâncias do crime, as condições pessoais do arguido e a sua personalidade, a sua conduta anterior aos factos, a natureza do crime em causa e as necessidades de prevenção geral e especial, é justo e adequado fixar-lhe a pena de 4 anos e 3 meses de prisão.
6 - Dando parcialmente provimento ao recurso e às razões apresentadas pela (Digníssima Procuradora), o Ilustre Tribunal da Relação do Porto, decidiu que: a) - A determinação da pena concreta faz-se em função da culpa do agente, atendendo às necessidades de prevenção de futuros crimes e a todos os elementos exteriores ao tipo legal que deponham em favor e contra o arguido b) - Na fixação do quantum da pena, de acordo com os critérios fixados no artigo n° 71.º do CP, o agente está a ser avaliado em concreto por aquilo que fez ... " c) - Como a ofendida foi chamada ao local onde tudo ocorreu a solicitação do próprio arguido para devolver-lhe alguns pertences, ao que esta acedeu de boa fé, sendo que o arguido se muniu da faca da cozinha - instrumento do crime - antes de ir ao encontro da ofendida BB e lhe desferiu a primeira facada sem antecedência de qualquer discussão e, sem que nada o fizesse prever, na zona da região abdominal .... Após o que persistiu desferindo mais 22 golpes com a mesma faca ... " d) - A ilicitude revelada pelos factos é elevada e intenso o dolo directo com que o arguido agiu, pelo que apesar do défice cognitivo de que padece, mas atenta a capacidade de juízo critico que conserva, e competência para se responsabilizar pelos atos cometidos, consideramos que a sua culpa também é significativa e) - Pelo que é condenado o arguido na pena de 6 anos de prisão efectiva pela pratica do crime, em autoria, de homicídio simples na forma tentada ORA SOBRE ESTES PONTOS que determinaram o aumento do quantum da pena aplicada, DIGA-SE O SEGUINTE: 7 - Os relatórios médicos e o exame pericial realizado pelo IML do Porto, referem que BB sofreu: - uma lesão na região lateral do abdómen, concretamente no "flanco direito, lateral e superiormente, com 12 por 10 milímetros de maiores dimensões".
- Três lesões na região lateral do braço direito, nomeadamente no "terço superior na face lateral do braço, paralelas entre si".
- Todas as demais lesões sofridas pela BB não foram laterais, mas sim ora na face, ora na zona anterior ora posterior do corpo.
8 - É a própria acusação pública, no seu artigo 12, que acusa o arguido de ter desferido uma facada na zona abdominal da BB - APENAS UMA FACADA 9 - E que depois, mantendo-a agarrada, com a mesma faca, lhe desferiu pelo menos 23 golpes consecutivos na região peitoral, nas costas e na cabeça, atingindo-a ainda nas mãos e nos braços, sempre que aquela procurou defender-se - artigo 13 da Douta Acusação publica - OS RESTANTES FORAM GOLPES E NÃO FACADAS 10 - Tal acusação, foi deduzida após exaustiva análise dos mesmos relatórios médicos e o exame pericial realizado pelo IML do Porto, que foram ponderados pelo Digno Coletivo.
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