Acórdão nº 2153/06.5TBCBR-C.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução01 de Março de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc.2153/06.5TBCBR-C.C1.S1 R-523[1] Revista Acordam no Supremo Tribunal de Justiça A AA e a BB, intentaram, em 23.3.2011, no Tribunal Judicial de Coimbra – Vara de Competência Mista – 2ª Secção – agora Comarca de Coimbra – Inst. Central – Secção Cível – J1 a presente acção declarativa de condenação, ao tempo com processo ordinário, contra: O CC; A Diocese de DD, representada pelo respectivo Bispo EE; e, FF.

Formulando o seguinte pedido: “Ser declarada nula e de nenhum efeito a confissão no Processo nº2153/06.5 TBCBR, revogando o despacho de homologação e determinando-se que o processo siga os seus termos, anulando-se todos os actos subsequentes que pressupõem ou têm como fundamento a referida “confissão” e condenando-se os RR., solidariamente, nas custas dos autos a que deram causa e nas despesas suportadas pelas AA., a liquidar em execução de sentença.” Para tal alegam, em resumo, que na sequência do afastamento do signatário da petição inicial, como mandatário da Autora “BB”, com base no entendimento de que esta é uma associação canónica pública de fiéis, foi homologado o termo de desistência da acção e confissão da reconvenção, a que a Autora não pode reagir.

Não obstante, a Autora “BB” é uma associação privada de fiéis, representada pela sua Superiora, pelo que são nulos, por absoluta falta de poderes de representação, os actos praticados pelo Réu FF em representação da “BB”, nomeadamente os tidos em vista com os presentes autos.

Consequentemente, não podia o 3.º Réu, na qualidade de Bispo da Diocese de DD, emitir os dois decretos, que emitiu, em 15 de Julho de 2008 e 29 de Julho de 2008, designando o ora 4.º Réu, como comissário-adjunto, para representar a BB, invocando o disposto no cânone 318.º, do Código de Direito Canónico (adiante referido como CDC), por este ser apenas aplicável a associações públicas de fiéis e a bens eclesiásticos, o que, defendem, não ser o caso.

Sendo, como é, a 1.ª Autora uma associação privada, o acto do Senhor Bispo de DD é nulo, por fundamentado em norma que não é aplicável e porque violador do disposto no artigo 11.º da Concordata celebrada entre o Estado Português e a Santa Sé, que estabelece que as associações privadas de fiéis só têm as limitações à sua autonomia constantes do Código de Direito Canónico (CDC).

Do que decorre, reiteram, que o Sr. Bispo de DD, não tem poderes para indicar o 4.º Réu como representante da BB, o que se traduz na absoluta falta de vontade desta, que determina a nulidade ou anulabilidade da confissão/transacção que foi levada a cabo nos autos principais.

Contestando, os Réus, alegaram, além do mais, a incompetência material do Tribunal recorrido para julgar a presente acção, o que acarreta a sua absolvição da instância, dado que o que verdadeiramente está em causa é a apreciação da validade dos Decretos Bispais acima já referidos, o que implica averiguar da natureza jurídica da autora “BB”: - se se trata de uma Associação Pública ou Privada de Fiéis, sendo certo que só no 1.º caso, estaria sujeita à autoridade do Ordinário do Lugar (no caso o Senhor Bispo da Diocese de DD) e ao disposto nos cânones 318 e segs. do CDC, estando-lhe vedada no caso de se tratar de Associação Privada de Fiéis e, neste caso, seria ilegal a decisão do Sr. Bispo de DD, consubstanciada nos acima referidos Decretos Bispais.

Acrescentam, nesta sequência, que estando em causa um acto relativo à organização de uma pessoa jurídica canónica praticado com fundamento no Direito Canónico, a apreciação da sua validade cabe em exclusivo ao ordenamento jurídico canónico, estando vedado o conhecimento de tal matéria aos tribunais comuns, por força do disposto nos artigos 2.º 10.º, n.º1 e 11.º, n.º1, da Concordata acima já referida e artigos 41.º, n.º4 e 8.º, n.º2, da CRP, de onde decorre que o Estado Português reconhece à Igreja Católica o direito de aplicar o direito canónico, quanto à organização das entidades com personalidade jurídica canónica, através de órgãos e foro próprios.

Salientam, ainda, que a própria classificação da autora “BB”, enquanto Associação Pública ou Privada de Fiéis, depende da aplicação das regras contidas no CDC e, em qualquer caso, independentemente de tal qualificação (da BB) se tem de aplicar o ordenamento canónico, de que retiram a conclusão da validade dos Decretos Bispais a que acima já se aludiu, uma vez que só a Autoridade Eclesiástica, no caso o Ordinário do lugar – Bispo de DD, tem competência para dizer quem representa uma determinada Associação de Fiéis, com sede na referida diocese, em face do que deve ser decretada a invocada excepção de incompetência material dos Tribunais Comuns Portugueses para a decisão da presente acção.

Respondendo, as Autoras, reiteram que a “BB” se tem de qualificar como Associação Privada de Fiéis, pelo que, nos termos do artigo 11.º, n.º2 da Concordata, só relevam as limitações canónicas à capacidade das pessoas jurídicas canónicas quando estas constem no CDC e, in casu, trata-se de “questões de interesse temporal – disputa sobre a propriedade de dois prédios”, que estiveram na génese de todos processos que se encontram em curso na justiça terrena, pelo que são competentes para tal os tribunais comuns do Estado Português, como já decidido em alguns de tais processos, por se tratar de uma “associação privada e interesses puramente patrimoniais”, por inexistir qualquer limitação de direito canónico que limite a autonomia da autora BB, tal como decorre do cânone 305, só sendo de aplicar o previsto no cânone 318.º, no caso de se tratar de Associação Pública de Fiéis, o que aqui não acontece e assim sendo, de acordo com o cânone 1257, os bens temporais da pessoa jurídica privada apenas se regem pelos seus estatutos próprios.

Do que decorre serem os tribunais portugueses os competentes para dirimir a disputa entre as partes, nos termos do disposto no artigo 65.º-A, Código de Processo Civil, em face do que pugnam pela improcedência da invocada excepção.

*** Teve lugar a audiência prévia, na qual, conhecendo da excepção de incompetência do tribunal, em termos internacionais e em razão da matéria, se julgou a mesma procedente e se absolveram os Réus da instância, com o fundamento, em resumo, em a BB constituir uma Associação Pública de Fiéis e, por isso, as regras convocáveis para dirimir a questão sub judice são as constantes do CDC, designadamente as que determinam a forma de representação da “BB” e conexa validade dos Decretos Bispais que nomearam um seu representante.

*** Inconformada, a Autora “AA”, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, por Acórdão de 23.6.2015 – fls. 732 a 738 –, negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

*** Inconformadas, as AA. recorreram de revista excepcional para este Supremo Tribunal de Justiça, que não admitindo tal recurso, remeteu os autos à distribuição como revista normal, recurso que foi admitido – art. 629º, nº2, a) do Código de Processo Civil.

Alegando formulou as seguintes conclusões: A) O critério distintivo entre associações privadas e públicas de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
4 temas prácticos
4 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT