Acórdão nº 1219/11.4TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelGARCIA CALEJO
Data da Resolução01 de Março de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I- Relatório: 1-1- AA S.A., BB e CC, instauraram acção declarativa sob a forma de processo comum ordinário, contra a DD e EE, Lda.

, pedindo a condenação das RR. a absterem-se de aceder e utilizar a cobertura superior do prédio sito na Rua … nº… em Lisboa e remover o corrimão, os cinzeiros , os chapéus de sol e os pontos de luz, a pagar-lhes a quantia de € 500,00 por cada dia de atraso no cumprimento da injunção anterior a título de sanção pecuniária compulsória, a pagar aos 2º e 3ª AA. a título de indemnização a quantia de € 35.000,00 por danos não patrimoniais sofridos e a pagar à 1ª A. indemnização por conta dos danos patrimoniais sofridos inerentes à desvalorização do imóvel sito na Rua do … nº … em Lisboa, a liquidar em execução de sentença , mas que se estima em valor não inferior a € 50.000,00 , como consequência directa da utilização da cobertura superior pelas RR.

Fundamentam este pedido alegando, em síntese, a sociedade A. é dona do imóvel que identifica, um palacete de construção pombalina, integrado numa zona habitacional e histórica da cidade de Lisboa, e serem os 2º e 3º AA. os utilizadores de tal imóvel há mais de 20 anos, sendo aí que instalaram a sua residência. Contíguo ao seu prédio dos, existe um outro de que é dona a 1ª R. e inquilina a 2ª que nele fez instalar um estabelecimento de alojamento local (hostel), cujos hóspedes passaram a frequentar e utilizar uma cobertura clandestina do mesmo prédio – o que durante o período em que anterior inquilina a “Escola ...” esteve no prédio nunca sucedeu, o que tem devassado a privacidade dos 2º e 3ª AA., perturbado o seu descanso e serenidade, já que nela foi instalada uma esplanada com música, que em determinadas ocasiões é tocada ao vivo quando aí decorrem festas. Em consequência, o imóvel da sociedade A. desvalorizou-se o que compromete o lucro decorrente da sua eventual alienação.

As RR. foram citadas regularmente, tendo ambas apresentado contestações.

A R. EE Lda. defendeu-se, por impugnação, referindo que o terraço em causa foi ao longo dos tempos utilizado, que a própria CML autorizou a instalação no imóvel em apreço de um estabelecimento de alojamento local, descrevendo-o como possuindo um terraço, negando que a utilização que tem vindo a ser feita cause os transtornos e prejuízos alegados, tanto mais que as festas que ocorreram traduziram-se em eventos esporádicos realizados para celebrar ou comemorar determinados acontecimentos específicos.

A R. DD alegou que a circunstância de ser senhoria do prédio em causa não é suficiente para ser responsável pelos danos alegados já que os AA. não lhe imputam a prática de quaisquer dos factos que lhes terão dado origem, negando em qualquer circunstância a existência daqueles.

Na réplica os AA., pugnando pela improcedência da invocada ilegitimidade que reputaram de processual, requereram a condenação da 2ª R. como litigante de má - fé.

Realizou-se audiência preliminar na qual, designadamente, foi consignada, por acordo, a matéria de facto assente e a base instrutória.

Procedeu-se a julgamento, em cuja audiência foi pelos AA. apresentado um outro articulado superveniente, que foi admitido, vindo a factualidade dele constante a ser incluída na base instrutória tendo, a final, sido fixada a matéria de facto.

Foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente, decidindo: “1. Condenam-se, ambas as Rés, a absterem-se de utilizar como esplanada o terraço (cobertura) superior do prédio sito na Rua ... nº … em Lisboa, condenando a Ré Zona Cómoda a daí remover os chapéus de sol.

2. Condena-se a Ré EE Lda., ao abrigo do disposto no artº 829º-A nºs 1 a 3 a pagar aos Autores BB e CC a quantia de € 100,00 por cada infracção e/ou atraso à obrigação estabelecida no nº1 ; 3. Absolvem-se ambas as Réus do demais peticionado.

”.

Esta sentença foi objecto de aclaração, tendo-se exarado, em suma, que “o tribunal proibiu a utilização do terraço como esplanada. O acatamento de tal proibição passará – o bom senso o revela - por retirar do terraço todos os elementos que a componham”.

1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreram a 2ª R. e os AA., estes subordinadamente, de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo-se aí, por acórdão de 27-11-2014, julgado improcedente o recurso de apelação subordinado interposto pelos AA. e julgar procedente o recurso de apelação interposto pela 2ª R., revogando-se a sentença recorrida e, em consequência, julgou-se a acção totalmente improcedente, absolvendo-se as RR. do pedido.

1-3- Irresignados com este acórdão, dele recorreram os AA. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido (parcialmente) como revista e com efeito devolutivo.

1-4- Os recorrentes alegaram, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões: “a) O acórdão recorrido merece censura porquanto fez uma errada aplicação da lei, da doutrina e da jurisprudência, atenta a matéria de facto que se encontra fixada pelas instâncias; b) Estando em causa uma situação jurídica conflituosa pela qual se convoca a apreciação de um confronto do exercício do direito de propriedade e de exercício de uma atividade económica por parte das recorridas com os direitos de personalidade dos recorrentes BB e CC e o direito de propriedade da recorrente AA, o acórdão aplicou mal o disposto nos artigos 1346º, 1347º, 70º, nº 1 e 335º, nº 1 do Código Civil; c) Uma vez que a aplicação daqueles normativos ao caso concreto, se densificava com outra legislação acessória, também esta foi censuravelmente violada quando concatenada com a interpretação daquelas, designadamente: o artigo 4º, n.º 2, alínea d) artigo 60º, n.º 1 do RJUE do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação aprovado pelo Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de dezembro e alterado pelo Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de março); a Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro; o artigo 9º do Plano de Urbanização do Núcleo Histórico do Bairro Alto e Bica, aprovado por deliberação da Assembleia Municipal de Lisboa, em 24.10.1996 e publicado na Série 11 do Diário da República de 14.10.1997, o parágrafo 8 do artigo 1O.º do Decreto n.º 902 do Ministério do Interior, publicado no Diário do Governo, I Série - Número 177, de 30 de setembro de 1914; o Regulamento de Salubridade das Edificações Urbanas, de 14 de fevereiro de 1903, publicado no Diário do Governo n.º 53, de 9 de março de 1903; o artigo do 56º Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março e atualmente no Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de agosto; o Decreto-lei n.º 9/2007, de 17 de janeiro (Regulamento Geral do Ruído); o Decreto-Lei n.º 48/2011, de 01 de abril; o Decreto-Lei n.º 268/2009, de 29 de setembro; o Regulamento de Segurança Contra Incêndios em Edifícios de Habitação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 220/2008, de 12 de novembro e a Portaria 1532/2008, de 29 de dezembro; d) Uma vez nesta causa se discutem direitos fundamentais (personalidade, propriedade e exercício de atividade económica) a interpretação e aplicação que o acórdão fez dos artigos 1346º, 1347º, 70º, n.º 1 e 335º, n.º 1 do Código Civil ao caso concreto é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 18º, n.º 2, 25º, n.º 1 e 66º, n.º 1 da CRP; e) Consequentemente, também saiu violada a interpretação e integração desses preceitos de harmonia com as regras do direito internacional, designada mente os artigos 3º e 25º, n.º 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos; f) O acórdão recorrido viola o artigo 1305º do Código Civil quando considera que as recorridas têm o direito de usar e fruir sem qualquer restrição da cobertura superior/terraço do imóvel sito na Rua ... n.º 7 em Lisboa, não obstante ter ficado abundantemente demonstrado que a obra de construção desse terraço não se encontra em conformidade com o projeto aprovado pela Câmara Municipal, no qual se encontra projetado um telhado para o local onde se encontra o referido terraço.

g) Dito de outro modo: uma vez que o terraço em causa não se encontra construído de acordo com a lei, porquanto não se encontra licenciado pela autoridade administrativa competente, o uso incondicional desse local, agora permitido pela decisão sob censura, passa a ser feito fora dos limites da lei por não terem sido observadas as restrições legais à sua existência, violando a 2ª parte daquela norma, o que tem que ser corrigido por esta revista.

h) Trata-se de uma obra ilegal (que a própria autoridade administrativa confirmou nomeadamente nos documentos de fls. 666 a 683) não colhendo razão ao acórdão, quando se refere que "não existem elementos de facto para aferir sobre a legalidade ou ilegalidade da obra do terraço"; i) O facto de se tratar de uma obra existente há mais de sessenta anos muito antes da entrada em vigor de toda a legislação administrativa invocada, designadamente o Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de março, não é argumento válido para se considerar sanada a ilegalidade da obra de construção do terraço; j) De acordo com o disposto no artigo 60º, n.º 1 do RJUE, as edificações erigidas ao abrigo do direito anterior e as utilizações respetivas só não são afetadas por normas legais e regulamentares supervenientes se no momento da respetiva construção cumpriam todos os requisitos materiais e formais exigíveis, e no caso concreto não cumpriam, atenta a invocada legislação administrativa de 1914 (data do último Projeto de Obra aprovado) e até de 1903, que sempre determinou que na cidade de Lisboa não poderá proceder-se a reconstrução ou modificação importante em prédios já construídos, sem licença da Câmara Municipal; k) Não vinga também o argumento de que encontrando-se a decorrer uma fase administrativa com vista à regularização e licenciamento do terraço, fica prejudicada a discussão neste pleito quanto à verificação da legalidade ou ilegalidade da obra de construção do terraço; tal argumento viola as dimensões...

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