Acórdão nº 151/10.3TBCTB.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução03 de Março de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA e BB instauraram contra CC, acção de condenação, sob a forma de processo ordinário, pedindo que: - seja reconhecido e declarado que, à data da celebração da escritura de doação mencionada nos art.º 11.º e ss. da petição inicial, o prédio urbano nela identificado como sendo seu objecto era propriedade não só de DD, como também da herança aberta por óbito de seu marido, EE, de que são seus herdeiros legitimários os autores, a interveniente FF e a mesma Inabilitada DD, todos estes em comum e sem determinação de parte ou direito; - seja declarado que a referida doação é nula, pelos fundamentos cumulativos da simulação, da falta de declaração negocial e da alienação de bem alheio, com a consequente condenação do Réu a reconhecê-lo para todos os efeitos; ou, pelo menos, ineficaz em relação à herança aberta por óbito de EE, - decretando-se o cancelamento de quaisquer registos prediais, já efectuados, pendentes e ou futuros, relacionados, sob qualquer forma, com a escritura de doação mencionada; - o réu seja condenado a, de imediato, restituir e entregar aos autores, por si e como representantes e ou gestores de negócios da Inabilitada DD e da herança aberta por óbito de seu pai EE, o identificado prédio urbano com todos os frutos e benfeitorias contados desde 22 de Janeiro de 1999, até sua efectiva restituição e entrega; - o réu seja condenado a pagar à herança aberta por óbito de EE, aos autores, à interveniente FF e à inabilitada DD, a título de indemnização, o valor dos danos causados com o seu comportamento .

Pedem ainda que seja admitida a intervenção principal provocada de FF e, em consequência, ordenada a sua citação.

Como fundamento de tais pretensões, alegaram, em síntese, que: - sendo filhos, juntamente com FF, de DD, esta última, em 22.01.1999, doou ao réu, por conta da sua quota disponível, o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob o nº 30… da freguesia de Castelo Branco, actualmente descrito sob o nº 10…/…24.

-Tal prédio fazia parte da herança aberta por óbito de EE, de quem os autores, a requerida interveniente FF e DD são herdeiros legitimários, não tendo sido efectuada a competente partilha, pelo que foi doado bem alheio.

-A doação feita foi simulada, na medida em que nenhuma das partes teve a intenção ou vontade de proceder a qualquer doação.

- O réu não apenas sabia que o prédio não era de DD, como que esta não se encontrava, desde há vários anos, capaz de reger convenientemente a sua pessoa e património, dependendo daquele no campo sentimental e material, fazendo o que este queria ou mandava fazer, sem consciência das respectivas consequências ou liberdade para tomar a decisão ou deixar de fazer o que quer que fosse, actuando aquele com o intuito de se apropriar do património de DD, faltando, assim, a vontade e a intenção para efectuar a dita doação, o que integra a nulidade prevista no art. 246º do CC.

O réu contestou, negando que DD fosse incapaz de reger a sua pessoa e património, e impugnando a actuação que lhe era imputada, de agir de má-fé ou com intenção de se apropriar dos bens daquela.

A doação foi feita de livre vontade e de boa-fé, por si aceite, sendo que era amigo de longa data de DD e que foi em função dessa amizade que foi feita a doação.

A DD era a proprietária de todo o prédio e, como tal, tinha legitimidade para doar, por si só e na totalidade, o mesmo – sendo certo que , por força do estatuído no art. 1727º do CC, o bem adquirido seria próprio, e não comum.

Os autores replicaram reiterando a posição por si já apresentada no seu articulado inicial.

Foi admitida a requerida intervenção principal de FF e determinada a sua citação.

Prosseguiu o processo os seus termos, tendo, a final, sido proferida sentença, na qual foi decidido: Julgar parcialmente procedente a presente acção e, em consequência,:

  1. Declarar que a doação objecto da escritura de compra e venda mencionada nos art.º 11.º e ss. da petição inicial é nula parcialmente, por a doadora não poder transmitir metade do prédio objecto de tal doação e, consequentemente, ineficaz, nessa parte, relativamente aos autores e à interveniente principal, condenando-se o réu a reconhecê-lo; b) Determinar o cancelamento parcial da inscrição de aquisição a favor do réu – Ap. 4385 de 2009/09/02 sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob o n.º 10…/…25; c) Absolver o réu do demais peticionado.

    1. Inconformados apelaram os autores, impugnando, desde logo, o decidido em sede de matéria de facto, o que conduziu à estabilização do seguinte quadro factual: 1. AA, BB e FF são filhos de DD e de EE.

    2. DD nasceu a 12 de Janeiro de 1924.

    3. DD casou com EE em 7 de Junho de 1948, em primeiras e únicas núpcias de ambos, casamento esse dissolvido por óbito do último.

    4. EE faleceu em 29 de Agosto de 1981.

      5. Por sentença proferida a 23 de Fevereiro de 2009, no âmbito da acção especial de inabilitação que correu termos pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco sob o n.º 568/2002, transitada em julgado em 25/03/2010, foi DD declarada inabilitada, por prodigalidade, ficando-lhe vedado praticar actos de administração e disposição de bens e assunção de quaisquer responsabilidades.

    5. Na sentença referida em 5., foi nomeada curadora, AA, a quem foi entregue, na totalidade, a administração do património da inabilitada, sendo que, por despacho proferido em 16 de Agosto de 2002, foi, no âmbito de tal processo, nomeada curadora provisória e determinado que providenciasse pela administração do património de DD até ser proferida decisão definitiva.

    6. Por escritura pública intitulada de “Doação”, outorgada no dia 22 de Janeiro de 1999, no Primeiro Cartório Notarial de Castelo Branco, perante a Sra. Notária Dra. GG, outorgada por DD, como primeiro outorgante e CC, como segundo outorgante, aquela declarou que “pelas forças da sua quota disponível, doa ao segundo outorgante, um prédio urbano, sito no Largo da Sé, na freguesia e concelho de Castelo Branco, a confrontar do norte rua …, do sul e poente com a proprietária e do nascente com o Largo da Sé, composto de um edifício de rés do chão e primeiro andar, com a superfície coberta de trezentos e seis metros e noventa decímetros quadrados, inscrito na matriz predial sob o artigo 3.9…, com o valor patrimonial de 5.608.980$00 e declarado de seis milhões de escudos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob o número trinta mil oitocentos e oitenta e dois do Livro B-oitenta e dois, com o registo de transmissão a favor da doadora pela inscrição oito mil duzentos e dezassete do Livro G-treze.

      Que, o prédio estava anteriormente inscrito na respectiva matriz sob o artigo 18…, sendo a divergência entre a descrição e matriz, na parte respeitante à sua situação, derivado pelo facto do prédio formar gaveto entre a …, Largo da Sé e Rua de …, sendo certo que a entrada principal é actualmente pelo Largo da Sé.”, tendo o segundo outorgante declarado “que aceita a presente doação”.

    7. Na sequência da celebração da escritura pública referida em 7., pela Ap. 43... de 2009/09/02, efectuada na Conservatória do Registo Predial de Idanha-a-Nova, o réu obteve o registo de aquisição a seu favor, do identificado prédio urbano.

    8. O identificado prédio urbano encontra-se, actualmente, descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob o n.º 10…/…24 da freguesia de Castelo Branco.

    9. DD adquirira metade indivisa do identificado prédio por partilha judicial por óbito de seu avô HH.

    10. E, posteriormente, por escritura pública de compra e venda celebrada em 16 de Agosto de 1956, no Cartório Notarial de Idanha-a-Nova, de fls. 29 v. a fls. 32 do Livro de Notas para Actos e Contratos entre Vivos n.º A-284, em que foi seu procurador o seu então marido EE, DD comprou, livre de ónus e encargos, a II a metade de que este era proprietário em cada um dos prédios descritos na relação anexa à mesma escritura.

    11. Entre os quais faz parte o prédio urbano descrito na verba número quatro da sua relação anexa: “uma casa de andar e lojas, sita na Rua …, limite e freguesia de Castelo Branco, que confina do norte com o Largo da Sé, sul e nascente com bens dos herdeiros de II e do poente com a rua, inscrito todo o prédio na respectiva matriz sob o artigo mil oitocentos e cinquenta e um”.

    12. Tal prédio corresponde ao prédio urbano actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob o n.º 10…/…24 da freguesia de Castelo Branco.

    13. DD e EE celebraram, em 5 de Junho de 1948, no Cartório Notarial de Castelo Branco, de fls. 55 a fls. 58 do Livro para actos e contratos entre vivos n.º 248 do Cartório Notarial de Castelo Branco de JJ, escritura antenupcial, onde convencionaram, além do mais, o seguinte: “Primeiro: O seu casamento é com separação de bens.

      Segundo: A separação abrange tanto os bens que eles esposados actualmente possuem e levam para o casal, como os que durante o casamento lhes advierem por sucessão, ou por outro qualquer título gratuito, ou por direito próprio anterior.

      Terceiro: Os bens a que se refere o precedente artigo ficam e serão considerados a todo o tempo próprios do cônjuge a quem pertencem ou por cuja … advierem.

      Quarto: Entre eles futuros cônjuges só haverá a comunhão dos bens adquiridos por título oneroso.

      Quinto: Não entrarão, porém, na comunhão os bens advindos por trocas ou subrogações dos bens próprios de qualquer deles futuros cônjuges, pois esses ficarão no lugar dos alheados. (…) Declarou ela esposada que os bens que actualmente possui e leva para o casamento são os seguintes: Primeiro: Todos os bens que lhe foram … no inventário orfanológico por óbito de seu avô, HH (…)” – cfr. certidão junta de fls. 159 a 166, cujo teor, no de mais, se dá aqui por integralmente reproduzido.

    14. Por escritura intitulada “Habilitação”, outorgada no dia 5 de Janeiro de 1982, na Secretaria Notarial de Castelo Branco, perante o Sr. Notário do Segundo...

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