Acórdão nº 568/10.3TTSTR.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelGONÇALVES ROCHA
Data da Resolução03 de Março de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça 1--- AA, viúva, residente em ..., por si e em nome dos seus filhos menores, BB, e CC, instaurou uma acção com processo especial, emergente de acidente de trabalho, contra DD, Lda.

, com sede em Lisboa, peticionando a sua condenação no pagamento do seguinte: a) À A, viúva do sinistrado, uma pensão anual, acrescida de subsídios de férias e de Natal, devida a partir de 15-12-2010; despesas de transporte; subsídio de funeral e subsídio por morte; b) A cada um dos filhos do sinistrado uma pensão anual, acrescida de subsídios de férias e de Natal, devida a partir de 15-12-2010; e subsídio por morte; c) A todas as quantias deverão acrescer de juros legais.

Requereu ainda a fixação duma pensão provisória para cada um dos beneficiários.

Alegou para tanto que é viúva de EE, pai dos co-autores BB e CC, falecido em 14-12-2010, na sequência duma queda quando desempenhava as funções de técnico de optoelectrónica e informática por conta da R, de quem era funcionário, e ao serviço de quem auferia uma remuneração anual de 33.459,84 euros, cuja responsabilidade emergente de acidentes de trabalho não estava transferida para qualquer seguradora. Na altura do acidente, encontrava-se o sinistrado EE no seu local e tempo de trabalho, estando então a instalar uma antena de radiofrequência nas vigas de cobertura de um edifício, a uma altura de 9 metros, quando caiu desamparado no chão, tendo sofrido lesões que lhe determinaram a morte.

Mais alegou que o mencionado acidente ocorreu por violação de regras de segurança por parte da ré, pelo que a mesma é responsável pelo pagamento de uma pensão quer à viúva, quer a cada um dos filhos do falecido, tendo ainda direito ao pagamento das despesas de deslocação a tribunal, ao subsídio por morte e ao subsídio de funeral. A Ré apresentou contestação, alegando, sumariamente, que o acidente que vitimou o seu trabalhador ocorreu por violação, sem causa justificativa por parte do mesmo, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador e previstas na lei, e por um comportamento negligente daquele.

Pugna assim pela descaracterização do acidente, nos termos do disposto no artigo 14.º, n.º 1, alíneas a) e b), da Lei 98/2009, de 4-09, pois no dia e hora em que o mesmo ocorreu, o sinistrado efectuava um trabalho que não estava incluído no tipo de serviço que a ré prestava aos seus clientes, pelo que não estava a trabalhar “por conta e sob ordens da ré”. Acresce ainda que no local se encontravam meios que permitiam a execução do trabalho com segurança, o que o sinistrado desrespeitou, conduta que determinou o acidente que o vitimou, actuando assim com negligência grosseira.

Além disso, sustenta que a retribuição do sinistrado não incluía o pagamento das deslocações em viatura própria, concluindo pela sua absolvição dos pedidos.

Foi proferido despacho saneador, sendo deferido o pedido de pagamento de pensão provisória, determinando-se que a mesma fosse paga pelo FAT nos seguintes termos: a) À autora AA, a pensão anual de 8.450,35 euros b) À autora BB, a pensão anual de 5.633,57 euros c) Ao autor CC, a pensão anual de 5.633,57 euros.

E seleccionada a matéria de facto assente e a base instrutória, foi realizada a audiência de discussão e julgamento da causa, a que se seguiu a prolação de sentença, que julgando improcedentes os pedidos, deles absolveu a ré.

Não se conformando, apelaram os AA, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa acordado em julgar parcialmente procedente o recurso, pelo que, e revogando a sentença apelada, condenou a R, DD, Ldª, a passar a pagar aos AA. as pensões por morte, nos valores anuais, respectivamente, de € 8.450,35 à A. AA, até atingir a idade da reforma por velhice, alterada para € 11.267,13 (acrescida das actualizações a que houver lugar) a partir dessa data, e € 5.633,67 (igualmente acrescida das actualizações a que houver lugar) a cada um dos AA, BB e CC, até perfazerem 18, 22 ou 25 anos, consoante deixem de frequentar ou continuem a frequentar o ensino secundário ou equiparado ou o ensino superior ou equiparado, respectivamente.

E condenou-se ainda a R a: - Reembolsar o Fundo de Acidentes de Trabalho dos valores adiantados aos AA; - Pagar à A. AA a quantia de € 2.515,32, a título de subsídio por morte e € 1.914,06, a título de despesas de funeral; - Pagar aos AA. BB e CC a quantia de € 2.515,32, a título de subsídio por morte; - Pagar a todos os AA juros de mora, à taxa supletiva legal, desde a data de vencimento de cada prestação (que, quanto ao subsídio de funeral, é 27/12/2010).

Inconformada, traz-nos a R a presente revista, rematando a sua alegação com as seguintes conclusões: 1) O Supremo Tribunal de Justiça pode, com fundamento no disposto no artigo 674°, n° 1, alínea b) do C.P.C., apreciar se o tribunal recorrido violou as condições previstas no artigo 640° respeitantes ao ónus do recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto; 2) Nos termos do disposto no artigo 640º, nº, 2, alínea a), aplicável ao caso sub judice, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso; 3) A indicação "com exactidão" das passagens da gravação dos depoimentos das testemunhas não se basta com a referência ao início e termo dos depoimentos, devendo ser indicadas as horas, minutos e segundos das passagens das gravações dos depoimentos em que funda o recurso; 4) Os Apelantes não cumpriram o ónus de impugnação da matéria de facto previsto no artigo 640º, nº 1, alínea b) e nº 2, alínea a) do C.P.C., pois limitaram-se a indicar o início e fim dos tempos dos depoimentos das testemunhas FF e GG; 5) O incumprimento de tal ónus comprometeu o contraditório exercido pela ora Recorrente em sede de contra-alegações; 6) O Tribunal a quo deveria, por incumprimento do referido ónus de impugnação, ter rejeitado o recurso da matéria de facto interposto pelas Apelantes; 7) Ao admitir o recurso sobre a matéria de facto e ao alterar a redacção do ponto 38º da matéria de facto e aditado o ponto 39º-A, o Acórdão recorrido violou o disposto no artigo 640º, nº 1, alínea b) e n° 2, alínea a) do CPC; 8) A decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância sobre o artigo 10º da Base Instrutória não foi impugnada pelos Apelantes, e, por isso, não constitui objecto de recurso; 9) O artigo 10º da Base Instrutória foi dado como "não provado" porque, de acordo com a prova testemunhal produzida nos autos, o pagamento das despesas de funeral do sinistrado foi suportado pelo pai e irmão do sinistrado; 10) O artigo 74º do C.P.T. permite ao Tribunal "condenar em quantidade superior ao pedido" ou "em objecto diverso" do pedido, mas não permite que o Tribunal da Relação altere a decisão da matéria de facto, simplesmente porque estão em causa direitos indisponíveis; 11) O caso dos autos não se enquadra em nenhuma das situações previstas nas alíneas a) a d) do artigo 662º, n° 2 do C.P.C; 12) O Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 74º do CPT e 662º, n° 2 do C.P.C., ao aditar o ponto 51 à matéria de facto; 13) O sinistrado, ao elevar-se a mais de 9 metros de altura num empilhador, em cujos garfos encaixou um cesto metálico que não fazia parte integrante daquele e que, depois de encaixado, não permanecia imóvel e estável, incumpriu as prescrições de segurança que decorrem dos artigos 4°, 5°, 14°, 15°, 29°, 36° e 37° do Decreto-Lei n° 50/2005; 14) Foi o uso deste equipamento, que não oferecia os requisitos mínimos de segurança, que deu causa à queda, de que resultou a morte do sinistrado; 15) O acesso à informação de que sinistrado dispunha não era de molde a tomar-lhe manifestamente difícil o conhecimento das normas sobre condições de segurança no trabalho em altura, maxime o uso de equipamento adequado; 16) A conclusão do Tribunal a quo de que foi a pressão do trabalho que fez com que o sinistrado optasse por se elevar a mais de 9 metros de altura utilizando um empilhador com um cesto encaixado nos garfos, é desprovida de fundamento fáctico; 17) Não consta da decisão da matéria de facto, nem da sua fundamentação, qualquer facto do qual se infira a quantidade de trabalho que o sinistrado tinha agendado para os dias seguintes ao dia do acidente ou, sequer, se o sinistrado podia ou não acomodar a conclusão daquele trabalho - que não fazia parte das tarefas do sinistrado - na sua agenda; 18) O sinistrado não estava obrigado a concluir o trabalho no dia do acidente e a testemunha FF propôs o cancelamento dos trabalhos; 19) O sinistrado estava perfeitamente consciente do perigo que corria quando decidiu utilizar o empilhador para se elevar a mais de 9 metros de altura, porque a testemunha FF o alertou para tal perigo; 20) A decisão do sinistrado de se elevar através do empilhador a mais de 9 metros de altura importa a violação, sem causa justificativa, das condições de segurança; 21) O Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, considerando que o sinistrado, justificadamente, violou as condições de segurança, violou o disposto no artigo 14°, n° 1, alínea a) e n° 2 da LAT; 22) A decisão do sinistrado de se elevar num empilhador com um cesto encaixado nos respectivos garfos a cerca de 9 metros de altura, ou seja, numa estrutura que não apresentava condições mínimas de segurança, "configura efectivamente negligência grosseira, porquanto se tratou de um comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancia em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão." 23) A testemunha FF não concordou com a utilização do empilhador para a realização dos trabalhos, quis cancelar os trabalhos e chateou-se com o sinistrado porque ele insistiu em realizar os trabalhos naquelas condições.

24) A conduta do sinistrado foi negligente e constitui, naquele contexto, um comportamento temerário, gratuito e inútil, de uma imprudência inaudita...

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