Acórdão nº 1190/10.0TBFLG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução03 de Março de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA instaurou uma acção contra BB, Companhia de Seguros, SPA, pedindo a sua condenação no pagamento de € 56.796,00, por danos sofridos em consequência de um acidente de viação provocado por culpa exclusiva do condutor de um veículo automóvel segurado na ré.

A ré contestou. Por entre o mais, negou que o acidente tivesse ocorrido como o autor o descreveu e afirmou que fora o autor que “agiu com culpa causal”, como aliás se teria já decidido no procedimento cautelar que o mesmo requerera.

Foi citado o Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social; o Centro hospitalar do Tâmega e Sousa, E.P.E. requereu a sua intervenção principal, pedindo a condenação da ré no pagamento de €10.068,99, com juros desde a propositura da acção, correspondentes a despesas hospitalares do autor, realizadas na sequência do acidente dos autos.

As partes não responderam.

Pelo despacho de fls. 90, foi admitida a intervenção “em coligação com o autor”.

A acção foi julgada improcedente pela sentença de fls. 276, por se ter entendido que a prova revelou que fora o autor que “deu causa ao acidente dos autos”, do qual teve manifestamente “culpa única e exclusiva”.

O autor recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, impugnando diversos pontos do julgamento de facto e concluindo pela procedência do pedido de indemnização; mas o Tribunal da Relação do Porto negou provimento ao recurso, rejeitando a “impugnação da decisão da matéria de facto” e considerando prejudicada a apreciação da decisão de direito, por não ter sido autonomamente questionada.

Fundamentando a referida rejeição, e após explicitar as exigências decorrentes do artigo 640º do Código de Processo Civil, o acórdão afirmou o seguinte: «No caso em apreço, temos de considerar que o apelante não cumpriu aqueles ónus de alegação, cfr. art.º 640.º do C.P.Civil.

Na verdade, lendo e relendo as alegações do presente recurso e as conclusões do mesmo constatamos que, em parte alguma, o apelante indica quais as decisões que, no seu entender, deviam ser proferidas sobre as questões de facto impugnadas, isto, quer por referência aos pontos da base instrutória, que aliás diz terem sido incorrectamente julgados, quer por referência aos pontos de facto da fundamentação de facto da sentença recorrida.

Como acima já deixámos consignado, o apelante, depois de dizer que o tribunal de 1.ª instância interpretou erradamente o conjunto da prova produzida nos autos e, por isso, são incorrectas as respostas dadas aos quesitos 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 45.º, 46.º, 48.º, 49.º e 50.º da base instrutória, desenvolve uma análise sobre os depoimentos produzidos quer pelo autor quer pela testemunha CC em sede de audiência de julgamento, que transcrevendo, passagens da gravação dos mesmos, devidamente assinaladas por referência ao tempo da sua gravação; analisa e interpreta o que, no seu entender resulta do teor dos vários documentos juntos aos autos, designadamente o “croquis” da participação da entidade policial e várias fotografias e, conclui fazendo a sua exposição da dinâmica e do modo como eclodiu o acidente em apreço nos autos, dizendo além do mais que: -“deviam, quanto às respostas dadas à matéria de facto supra sinalizada, ter levado o Tribunal a concluir que a versão do sinistro apresentada pelo Sr. CC só pode ser irreal”; - “deviam ter levado o Tribunal a concluir que o sinistro ocorreu na hemi-faixa de circulação do A. e não no eixo da via ou na faixa destinada à circulação do MS e que, tendo em conta a concreta via em que ocorreu o sinistro (em curva e com fraca visibilidade para quem vem no sentido do CC – cfr. foto 1, 2 e 3 do auto de inspecção ao local), a velocidade a que o CC diz circulava era, como é bom de ver, excessiva”; -“elementos que, se bem ponderados e relacionados entre si, farão perceber que o responsável foi o Sr. CC e que as respostas aos acima indicados quesitos deviam ter sido no sentido de que o Sr. CC embateu no A. na sua hemi-faixa e não no eixo da via”.

Daqui decorre que este tribunal de recurso não pode saber em que sentido propõe o autor/apelante que sejam alterados os nove pontos de facto que diz terem sido incorrectamente julgados, ou seja, o que no entender do apelante se deve julgar provado quanto às respostas aos quesitos 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 45.º, 46.º, 48.º, 49.º e 50.º da base instrutória, ou quanto aos correspectivos factos julgados provados e não provados em sede de fundamentação de facto da sentença recorrida.

Destarte, não tendo o apelante cumprido o ónus de alegação que sobre ele recaia, previsto expressamente na al. c) do n.º1 do art.º 640.º do C.P.Civil, há que rejeitar o recurso relativo à impugnação da decisão da matéria de facto, o que se faz.» 2.

O autor recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça. Nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões: «1ª.

Entendemos que no presente caso houve violação do preceituado nos arts. 640°, nº 1, al. c), art. 639°, nº 3, art. 6° nº 1 e 2 e art. 411°, todos do NCPC.

  1. Apesar do Rte não ter especificado as concretas respostas que pretendia que tivessem sido dadas aos quesitos colocados em crise, é facto objectivo que da leitura das alegações facilmente se depreende quer o sentido das desejadas respostas, quer o sentido da pretendida decisão.

  2. Na situação sub judice é importante analisar a ratio do art. 640° do NCPC e perceber se era este o sentido que o legislador (que no presente NCPC privilegiou a substância em detrimento da forma, reforçando fortemente o princípio do inquisitório) pretendia com o inciso normativo em consideração.

  3. As exigências do art. 640° do NCPC têm como objectivo a viabilização do exercício do contraditório, com vista a não criar de dificuldades acrescidas à posição da contraparte, privando-a de elementos importantes para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações.

  4. Percebe-se que se considere que a não indicação das concretas passagens da gravação (art. 640°, n° 2, a)), dificulte o contraditório e, por isso, se deva rejeitar, de imediato, o recurso, nessa parte.

  5. Na situação sub judice, o R.te indicou, com precisão, as passagens e disse que o Tribunal deveria ter concluído que "o sinistro ocorreu na hemi-faixa de circulação do A. e não no eixo da via ou na faixa destinada à circulação do MS e que, tendo em conta a concreta via em que ocorreu o sinistro (em curva e com fraca visibilidade para quem vem no sentido do ...) a velocidade a que o CC diz que circulava era, como é bom de ver, excessiva" (esta era a questão central!).

  6. A Recorrida contra-alegou sem suscitar qualquer tipo de dificuldades, sendo, por isso, de concluir que percebeu perfeitamente o desiderato do recurso ...

  7. No acórdão-fundamento, sobre a presente questão de direito, referiu-se o seguinte: "No âmbito da impugnação sobre a matéria de facto, a cominação da rejeição do recurso, prevista para a falta das especificações quanto à matéria das alíneas a), b), e c) do nº 1, ao contrário do que acontece quanto à matéria da alínea b) do n.º 2 do art. 640.º do CPC, a propósito da "exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso ", não funciona, automaticamente, devendo o Tribunal convidar o recorrente, desde logo, a suprir a falta de especificação daqueles elementos ou a sua deficiente indicação.

A entender-se que as sobreditas especificações, em relação aos pontos de facto impugnados e aos meios de prova, deveriam, desde logo, constar do corpo das alegações, o convite ao aperfeiçoamento que o nº.

1, ao contrário do n.º 2, do art. 640.º do CPC, consente, estaria sempre coberto pelos princípios da cooperação, do poder de direcção do processo pelo juiz e do inquisitório, do contraditório e da proibição da indefesa... Mas, quando as alegações do recorrente permitam conhecer os pontos de facto que o mesmo considera mal julgados, os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa e () sentido da decisão defendida.

se o Tribunal «ad Quem» e a parte contrária conseguem apreender as questões suscitadas pelo recorrente, já não se justifica o convite ao aperfeiçoamento das conclusões, a fim de não retardar o andamento do processo...

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