Acórdão nº 499/14.8PWLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Março de 2016
Magistrado Responsável | HELENA MONIZ |
Data da Resolução | 31 de Março de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório 1.
No Tribunal Judicial de Lisboa, .... secção criminal da ...., o arguido AA foi condenado, entre outros, pela prática, em co-autoria, de um crime de roubo agravado pelo resultado de morte, previsto e punido pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal (CP) na pena de 12 (doze) anos de prisão.
2.
Inconformado com a decisão proferida, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 14.10.2015, julgou o recurso interposto improcedente, e manteve a decisão proferida.
3.
Vem agora o arguido AA interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto nos arts. 61.º, n.º 1, al. i), 399.º, 401.º, n.º 2, al. b), e 432.º, n.º 1, al. b), todos do Código de Processo Penal (CPP), e apresentando as seguintes conclusões: «1. Da não aplicação ao arguido do DL 401/82 de 23 de Setembro: O douto acórdão recorrido afastou liminarmente a aplicação do mencionado Decreto-Lei, com a argumentação de que "o que decorre da singela e crua descrição dos factos, é uma profunda desconformidade, no que se reporta à personalidade de ambos os arguidos, às regras do viver em sociedade, que não pode nem deve ser atribuída a mais ninguém senão a si mesmos". (a fls. 28 do acórdão recorrido, último parágrafo).
2. Ou que, o facto de o crime não ser apenas de ordem económica impediria a aplicação da mencionada legislação, mais benévola para o recorrente: " V. De facto, não estamos aqui perante um crime de reduzida gravidade, nem de um ilícito que se tenha limitado a ter consequências de mera ordem material. Estamos perante um crime de roubo agravado…," a fls. 27 do acórdão recorrido).
3. No entanto, parece-nos que se não poderá restringir, como o faz o douto aresto de que ora se recorre, o âmbito de aplicação da Lei mais benévola, em função da natureza do crime, impedindo desse modo a atenuação especial das penas - a fls. 27- 30 do recorrido acórdão.
4. Ao considerar "in casu" a impossibilidade da atenuação especial da pena faz-se, com o devido respeito, interpretação materialmente inconstitucional do disposto no art.º 4.º do DL 401/82 de 23 de Setembro, por violação do art.? 13.° da CRP e dos princípios nele consignados. (proibição de discriminação negativa).
5. O art.º 3.º do DL 401/82 de 23 de Setembro se interpretado na dimensão normativa constante do recorrido acórdão de que uma "vida incerta" e "ausência de ocupação laboral", podem afastar a possibilidade de aplicação do citado preceito legal a um jovem delinquente de etnia cigana e com 19 anos de idade, encontra-se ferido de verdadeira e própria inconstitucionalidade material, por violação do art.º 13.° da CRP e dos princípios nela consignados.
6. Pelo que o recorrente deveria ter sido condenado na pena de 7 (sete) anos de prisão efectiva. Sem conceder, note-se que o critério usado na condenação da coarguida BB, foi a de aplicar quase o mínimo legal da moldura penal, não se percebendo porque razão o douto acórdão não usou do mesmo critério na condenação do aqui recorrente. Se assim tivesse sucedido poderia o arguido ter sido condenado em 8 anos e 6 meses de prisão.
7. Pelo que, subsidiariamente, para o caso de não ser provida a aplicação da atenuação especial da pena, se requer a condenação do recorrente em pena de prisão efetiva que não ultrapasse os 8 anos e seis meses de prisão.
8. Ao assim não decidir, o douto aresto violou o disposto no art.º 4.º do DL 401/82 de 23 de Setembro e os art.º 40.º, 41.º 71º. 72.º e 73.º do Código Penal, por mero erro interpretativo.
9. Termos em que se requer seja dado provimento ao interposto recurso, revogando-se a recorrida decisão, que deverá ser substituída por outra que, ainda por mais acertada e douta, condene o arguido em pena não excedente a 8 anos e seis meses de prisão.» 3.
O Senhor Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação de Lisboa apresentou resposta, ao recurso interposto pelo arguido, considerando que deve ser negado provimento ao recurso interposto e concluindo que: «a. O acórdão recorrido fez correcta interpretação e aplicação do direito ao afastar a atenuação especial da pena nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro; b. A decisão não violou o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição, na sua dimensão de proibição da discriminação na aplicação do direito por razões de ordem subjectiva, designadamente a situação económica e laboral ou a etnia do recorrente; c. Deverá ser corrigido o erro ou lapso do ponto n.º 12 da matéria de facto dada como provada, nos termos do disposto nos artigos 425.º, n.º 4, e 380.º, n.º 1, al. b), e 2, do CPP, de modo a dele ficar a constar que as lesões provocadas pelos arguidos foram causa directa da morte da vítima ou que a morte desta foi consequência directa de tais lesões.» 4.
Subidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, a Senhora Procuradora-Geral-Adjunta, usando a faculdade prevista no n.º 1 do art. 416.º do CPP, e concordando com a resposta apresentada pelo Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação de Lisboa, emitiu parecer no sentido de “não [ser] possível a aplicação do regime especial e eventual atenuação especial da pena ao arguido por ausência total de pressupostos, já que face aos factos provados apesar da idade do arguido/recorrente, a globalidade da sua atuação pessoal e social, impõem firme reprovação e censura, que não se coaduna com uma punição especialmente atenuada, e, obstam decisivamente a que se possa acreditar que o recorrente esteja orientado convictamente para a reinserção na sociedade, e consequentemente que haja fundamento para a aplicação do art. 4º do dec-lei nº 401/82” (cf. fls. 1666) e afirmando que a “pena estabelecida pela co-autoria do crime de roubo, mantido pelos acórdãos recorridos de acordo com os pressupostos p. o art. 71º nºs 1 e 2 do CP, não nos parece poder ser alterada” (cf. fls. 1667). Entende ainda que deve ser corrigido o erro/lapso referido pelo Senhor Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação de Lisboa.
5.
Notificado deste parecer, de harmonia com o disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido nada disse.
6.
Colhidos os vistos em simultâneo, e não tendo sido requerida a audiência de discussão e julgamento, o processo foi presente à conferência para decisão.
II Fundamentação A. Matéria de facto provada: 1.
Matéria de facto dada como provada pela 1.ª instância: «1.- CC era taxista de profissão e residia na Rua...
2.- Diariamente jantava no restaurante “....”, situado na Rua ...., em Lisboa, local que era frequentado pelos moradores do Bairro do ..., entre os quais os arguidos AA e DD.
3.- Num passado recente, CC fora premiado por com prémios da lotaria nacional.
4.- Conhecedores das rotinas de CC, em data não concretamente determinada, os arguidos AA e DD, combinaram entre si, que se apoderariam do dinheiro que aquele tivesse guardado na residência.
5.- Para melhor concretizarem o plano, combinaram que adquiririam éter etílico na farmácia ...., sita no bairro onde ambos residiam, para com aquele químico forçarem a inalação do ofendido, cuja acção conheciam como sedante, e assim vencerem qualquer resistência inicial que aquele lhes pudesse opor.
6.- No dia 24 ou 26 de Abril de 2014, após o ter encomendado pelo menos um dia antes, o arguido AA adquiriu o éter etílico na referida farmácia, sita na Rua.....
7.- Assim, em execução de tal plano, os arguidos no dia 28 de Abril de 2014, cerca das 23H00, dirigiram-se ao prédio onde se situava o imóvel de CC e ali aguardaram pela sua chegada, indo os arguidos já munidos do éter etílico.
7.A.- Chegados aquele local, os arguidos entraram no prédio e ficaram nas escadas a aguardar que aquele chegasse.
8.- Quando o CC chegou a casa, cerca das 22H30 ou 23H00, os arguidos AA e DD abordaram-no e manietaram-no.
9.- De seguida retiraram-lhe a chave da residência, com a qual abriram a porta da mesma e com o ofendido em braços, acederam ao interior.
9.A.- O arguido AA caiu juntamento com o CC no chão do hall da residência.
9.B.- Um dos arguidos colocou então na boca do CC um pano embebido em éter etílico.
10.- Uma vez na residência, concretamente no hall de entrada, encontrando-se CC já caído no chão, envolveram-lhe o pescoço e a boca com um tecido de um cortinado que retiraram de uma das janelas da habitação.
10.A.- Porque o CC se mantinha consciente e oferecia resistência, os arguidos de forma e com objecto não apurado desferiram-lhe diversas pancadas na cabeça, designadamente na região frontal.
11.- Assim como lhe amarraram os membros superiores e inferiores, com um fio eléctrico que também encontraram na residência.
12.- Como consequência da descrita actuação dos arguidos, o CC sofreu infiltração sanguínea generalizada do couro cabeludo, mais marcada à direita, temporal e frontal, infiltração sanguínea do músculo temporal direito, hemorragia subdural e lateral, lesões que foram consequência directa da sua morte, o que os arguidos podiam saber que resultaria das suas condutas.
13.- Os arguidos retiraram dos bolsos das calças do ofendido o respectivo telemóvel de marca, modelo não concretamente apurados, com o valor de 10,00€ e a quantia de 100,00€.
14.- O arguido AA revistou o quarto de dormir do CC com o intuito de encontrar dinheiro, tendo encontrado algumas notas de dólares americanos.
15.- Seguidamente, dirigiram-se ao quarto de CC que remexeram em...
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