Acórdão nº 117/14.4PBVRL.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelISABEL SÃO MARCOS
Data da Resolução31 de Março de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. Relatório 1.

Na Comarca de ...., Instância Central, Secção Criminal, ...., e no âmbito do processo comum colectivo n.º 117/14.4PBVR, o arguido AA foi julgado e, a final, condenado, por acórdão de 15.07.2015, no que releva para o caso aqui em apreciação, como autor material e em concurso real, da prática de: a) Um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, números 1, e 2, alínea b), do Código Penal, na pena de 22 (vinte e dois) anos de prisão; b) Um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, número 1, alínea b), e número 2, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão; c) Um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, número 1, alínea d), e número 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão; d) c) Um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, número 1, alínea d), e número 2, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Em cúmulo jurídico, foi o arguido AA condenado na pena conjunta de 25 (vinte e cinco) anos de prisão.

  1. Inconformado com o assim decidido, o arguido AA interpôs recurso para o Tribunal da Relação de ... que, por acórdão de 17.12.2015, julgando-o improcedente, manteve o aresto recorrido.

  2. Irresignado com o assim decidido pelo Tribunal da Relação de ..., o arguido AA interpôs, então, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo extraído, da motivação que apresentou, as seguintes conclusões: «1.º - A instrução destes autos lamentavelmente omitiu a apreensão e peritagem ao telemóvel e ao computador portátil da vítima BB, sem dúvida carregadores de elementos essenciais para descoberta da Verdade dos Factos, beneficiando acusação e defesa; 2.º - Deve reapreciar-se toda a prova constante dos autos e factos provados do douto acórdão (no que não contenderem com o a seguir alegado) e, em consequência, de direito alterarem-se os termos da condenação proferida, de acordo com a Lei e com Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça em casos similares; 3.º - Designadamente, deve aceitar-se e valorar-se a confissão do arguido como um todo e exacta versão da forma como os factos realmente ocorreram (já que ninguém jamais pode testemunhar o contrário), que não aqui e além, como o Tribunal “a quo” entendeu (art.º 344.º CPP), acrescendo a aplicação do princípio “in dubio pro reo”; 4º - Assim, é de proceder a invocada legítima defesa (quiçá excessiva, adiante-se em mera hipótese) referida nos artºs 31.º a 33.º do C. Penal; 5º - Deve aceitar-se e valorar-se como relevante e essencial para a descoberta da Verdade dos Factos, o provocatório documento junto desde início aos autos - documento/carta da vítima, por infeliz acaso encontrada pelo arguido escassa hora antes do trágico acontecimento; 6.º - A confissão escrita aí deixada pela BB deve ser aceite de forma a confirmar a verdade das dúvidas e afirmações proferidas pelo arguido e participadas aos 17 de Março de 2014; 7.º - Confirmando-se a vida dupla da vítima, a sua infidelidade virtual e real (confessando actos de sexo, mais do que uma vez, e que tanto a empolgaram) com outro homem surgido na sua vida através do maléfico facebook, e a sua decisão de abandoná-lo e terminar os 14 anos de vida conjugal com o arguido; 8.º - Notícias de que o arguido “foi o último a saber”, escassa hora antes da cena que terminaria com a trágica morte da BB; 9.º - A descoberta e leitura dessa carta pelo arguido, que sempre amara sinceramente e jamais desejaria separar-se da vítima e dos filhos de quem foi verdadeiro “pai” durante 14 anos, constituiu nessa altura um enorme choque, um ultraje, uma verdadeira violência doméstica por parte da vítima contra o AA, ferindo muito mais do que um insulto ou agressão física, pois que atingiu a honra e dignidade do seu companheiro de 14 anos; 10.º - Humilhando-o e perturbando-o duma forma dolorosíssima que quem quer compreenderá e imaginará, obnubilando seu espírito e vontade, o que, sem nada legitimar, deverá ser atendido como relevante atenuação do seu acto e aplicação, na pior das hipóteses, aquém das penas seguidas pela recente corrente jurisprudencial do Supremo Tribunal de Justiça; 11.º - A carta da vítima não pode, pois, continuar a ser arredada e minorada pelo Tribunal e, em reapreciação, deve ser considerada no seu todo como espontânea confissão do que ela fizera e do que pretendia fazer, sendo um elemento probatório relevante para a descoberta da Verdade e eventual defesa do arguido que o Tribunal de ... e o Tribunal da Relação de ... nunca deveriam menosprezar nem desatender.

    12.º - Por tudo, evitando violação dos artºs 31.º a 33.º do Penal, 368.º, n.º 2, d), 343.º, 344.º, 345.º, 379.º, n.º 1, c), do C. P. Penal, após esta requerida mais experiente e fria reapreciação por Vossas Excelências – art.º 127.º, do C. P. Penal, de acordo com a Lei, Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, impõe-se a procedência do presente recurso e a alteração das penas em que os doutos acórdãos recorridos condenaram o arguido Rui; 13.º - Assim, em conformidade com o supra alegado, crêem-se adequadas e justas as seguintes penas: Deverá fixar-se ao AA as penas de (porventura até em excesso) um máximo de 1+1 anos pelos crimes de violência doméstica para com o ... e para com a ... e o mesmo/ou até anulado perante a BB se viva fosse, a par da devida pelo crime de homicídio.

    Aqui, se aceite a legítima defesa e intensa provocação, o facto nem seria punível; se se entender estarmos perante excesso de legítima defesa, então a pena adequada deveria rondar os 10 anos de prisão.

    E, se assim não se entender, de acordo com a Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a pena deveria ser, no máximo, de 16 anos face as atenuantes provadas, Do total decidido por Vossas Excelências se fazendo o cúmulo jurídico-legal da prisão efectiva, teremos uma sanção ajustada aos crimes em apreço e que também satisfará totalmente os fins da prevenção especial e geral».

  3. Ao motivado e assim concluído pelo recorrente, respondeu o Ministério Público junto do Tribunal da Relação de ..., que se pronunciou, em síntese, no sentido da improcedência do recurso e consequente manutenção de todo o decidido, concluindo assim: «1. A factualidade dada como assente deverá manter-se intangível pois que do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência, não resulta a verificação de um qualquer dos vícios previstos no n.º 2 do art.º 410.º, do C. P. Penal, mormente em resultado da violação do princípio in dubio pro reo pois que em momento algum o julgador aportou a uma situação de incerteza, de oscilação, e diante dela posicionou-se contra o arguido, tendo, ao invés, logrado alcançar uma certeza jurídica consolidada e justificada racionalmente na prova produzida em audiência, tendo em vista o disposto no art.º 127.º, do C. P. Penal.

  4. Para além de que o STJ, conforme dispõe o art.º 434.º, do C. P. Penal, e com a salvaguarda do acabado de referir, apenas conhece de direito.

  5. É que não cabe nos poderes de cognição do STJ valorar, ponderar e reapreciar a factualidade provada à luz de dois específicos meios de prova evidenciados pelo arguido recorrente no seu dissídio para com aquela, reeditando o que já apresentara no seu recurso para o Tribunal da Relação, concretamente as suas declarações prestadas na audiência de julgamento e uma carta escrita pela vítima, assim conferindo ao STJ missão fora dos termos previstos no citado art.º 434.º, do C. P. PenaI.

  6. Imodificada se apresentando a matéria de facto dada como assente, dela não decorre a verificação de uma causa de exclusão da ilicitude do arguido, a por si invocada legítima defesa, ou até o seu excesso, por inexistência de factualidade que a reclame e obrigue.

  7. Tendo em vista o disposto no art.º 400.º, n.º 1, aI. f), do C. P. Penal, já se firmou caso julgado relativamente ao sancionamento do arguido recorrente quanto às penas parcelares de prisão fixadas para cada um dos três crime de violência doméstica por si praticados, ante a verificada dupla conforme, devendo o recurso do arguido, nesta parte, ser rejeitado.

  8. A pena de 22 anos de prisão aplicada ao arguido pelo uxoricídio que levou a cabo, pela autoria de um crime de homicídio qualificado, apresenta-se adequada, proporcional e justa, tendo em vista a sua especial gravidade, o especial contexto agravativo em que foi cometido, de múltipla violência doméstica, inexistindo fundamento para a sua diminuição.

  9. Sendo exacto, por último, que o arguido não põe em causa a pena única fixada.

  10. Por não ter violado qualquer normativo legal, nenhuma censura merece o acórdão do Tribunal da Relação colocado sub judice».

  11. Subidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, a Senhora Procuradora-Geral-Adjunta, na oportunidade conferida pelo número 1 do artigo 416.º do Código de Processo Penal, pronunciou-se (confira-se folhas 1095 a 1102) no sentido da rejeição do recurso, por inadmissibilidade, no que concerne aos segmentos da decisão relativos à impugnação da matéria de facto, à alegada violação dos princípios in dubio pro reo e livre apreciação da prova, e bem assim aos crimes de violência doméstica e penas parcelares impostas, e improcedência do recurso quanto às demais questões nele suscitadas.

  12. Tendo sido dado cumprimento ao disposto no número 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, o arguido reiterou todo o motivado.

  13. Por não ter sido requerida audiência, foi o julgamento do recurso remetido para a conferência [artigo 419.º, número 3, alínea c) do Código de Processo Penal].

    Colhidos os “vistos”, realizou-se a conferência, de onde foi tirado o presente acórdão.

    *** II. Dos Fundamentos II.1 – De Facto É a seguinte a matéria de facto dada como provada pelo tribunal recorrido: «1) O aqui arguido AA viveu como se de marido e mulher se tratassem, ao longo de cerca de 14 anos com a vítima – BB, sendo o agregado familiar composto pelo arguido AA (de ora em diante apenas referido Como AA), a...

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