Acórdão nº 432/08.6 TASCR.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Março de 2016
Magistrado Responsável | SOUTO DE MOURA |
Data da Resolução | 31 de Março de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
AA, nascida em ...., com última residência conhecida em Lisboa, e a irmã BB, nascida a ..., local onde teve a última residência conhecida, casada e mediadora de seguros, ambas presentemente ausentes em parte incerta, foram julgadas em processo comum e com intervenção de tribunal coletivo, juntamente com a demandada "..., Companhia de Seguros S.A.", no então ... Juízo do Tribunal Judicial de ..., e condenadas em acórdão de 18/7/2014, na pena de 5 anos de prisão, cada uma, pela prática do crime de burla qualificada na forma continuada, p. e p. nos arts. 30º, nº 2, 79º, nº 1, 217º e 218º, nº 1 e 2, al. a) do CP.
Arguidas e demandada "..., Companhia de Seguros S.A.", foram ainda condenadas ao pagamento de indemnizações aos demandantes CC, DD e marido EE, FF, GG, HH, II, JJ, LL e MM. As arguidas e a demandada recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa, que por acórdão de 17/12/2014 negou provimento ao recurso das arguidas e concedeu provimento ao recurso da Companhia de Seguros "...". Procedeu à alteração da matéria de facto, por esta pretendida (cf. fls. 3072 v. e 3073), e absolveu-a de todos os pedidos cíveis contra si deduzidos.
Seguidamente, as arguidas interpuseram recurso para o STJ da decisão da Relação, arguindo logo, como questão prévia, a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia (fls. 3114). Os demandantes interpuseram, do mesmo passo, recurso quanto à parte cível (fls. 3125), por se não conformarem com a absolvição da Companhia de Seguros "...".
Foi então elaborado novo acórdão da Relação, de 6/5/2015, que abordou a questão da nulidade, arguida ao abrigo dos art.s 379º, nº 2, 414º, nº 4, e 419º, nº 3, al. c), todos do CPP, indeferindo-a. As arguidas interpuseram novo recurso (fls. 3168) daquele acórdão, o qual não foi admitido (fls. 3175) porque, circunscrito à parte penal, se confrontava com uma situação de dupla conforme (art. 400º, al. e) e f) do CPP). Reclamaram dessa não admissão de recurso para o Exmº Presidente do STJ e viram a reclamação ser indeferida.
No que toca ao recurso dos demandantes civis, foi admitido o recurso interposto pelo demandante HH, o único lesado que formulara um pedido superior à alçada da Relação. Como se viu, este ofendido havia obtido a condenação em primeira instância, não só das arguidas como também da Companhia de Seguros "...". Ficaram todas condenadas a pagar-lhe solidariamente a quantia de 70 000 euros, por danos materiais, e só as arguidas AA e BB (também solidariamente), o montante de 2 500 euros, por danos morais. Mas o acórdão recorrido absolveu a demandada "..., Companhia de Seguros S.A.", da responsabilidade pelo pagamento de quaisquer indemnizações aos ofendidos, incluindo portanto HH. Face ao exposto, apenas cumpre conhecer o recurso interposto para este STJ pelo demandante HH quanto ao pedido cível por si deduzido.
A – FACTOS A matéria de facto que se fixou e que releva para o presente recurso de HH foi a que se segue, figurando em realce e entre parêntesis os factos ou segmentos eliminados pela Relação no acórdão ora recorrido.
"1. As arguidas AA e BB são irmãs, sendo que esta última é casada com NN.
2. Ambas residiram até à data da prática dos factos na cidade de ..., a primeira, no ...., e a segunda, no....
3.
[Ambas as arguidas desempenhavam funções na Companhia de Seguros “OO” (entretanto denominada de ... Companhia de Seguros, S.A.), sendo que] a arguida BB desempenhava funções como mediadora de seguros, sem capacidade de cobrança, e a arguida AA como agente de seguros, com capacidade de cobrança.
[4. Todo o seu trabalho era supervisionado pelo técnico comercial da Companhia de Seguros PP.] 5. Em data não apurada e aproveitando-se das funções que desempenhavam [na referida companhia de seguros], as ora arguidas congeminaram um plano segundo o qual, [a coberto da companhia que representavam e] com vista a apropriarem-se de dinheiro de terceiros, convenceriam esses terceiros com quem mantinham uma relação de familiaridade ou uma relação próxima de confiança ou amizade, a adquirir produtos financeiros da Companhia de Seguros “OO”, com base numa falsa promessa de que, desse modo, obteriam um bónus em numerário dessa companhia por terem atingindo o objetivo imposto por esta ou taxas de juros elevadas sempre superiores a 5%.
6. As arguidas bem sabiam que a Companhia de Seguros “OO” não atribuía mais dinheiro em função da venda dos produtos financeiros por si efetuados e que não lhes era permitido renegociar as taxas de juro pois estas eram fixas e determinadas pela Companhia.
7. De igual modo sabiam que as propostas de seguro que entregavam aos clientes para aquisição de produtos financeiros da Companhia de Seguros “OO” não constituíam o contrato final, mas apenas uma mera proposta, cabendo à companhia de seguros emitir um recibo e o respetivo contrato.
* Ofendida CC (…) 9. Convencida de que estava a subscrever apólices de capitalização na referida companhia, [dado que as arguidas representavam essa companhia], a queixosa entregou àquelas, nas datas abaixo assinaladas, as seguintes quantias em numerário: (…) * Ofendidos DD e EE (…) * Ofendido QQ (…) * Ofendido GG (…) * Ofendida FF (…) * Ofendido HH: 58. Em data não concretamente determinada, aproveitando-se da relação de familiaridade (a arguida BB era cunhada do seu filho), as arguidas BB e AA, agindo de comum acordo e em conjugação de esforços, abordaram o ofendido HH (marido da queixosa II) na sua residência, sita no ..., e, alegando que necessitavam de atingir o objetivo imposto pela Companhia de Seguros de venda de produtos financeiros no valor de 50.000,00€ e que lhes faltavam apenas 10.000,00€ para atingir esse objetivo, propuseram-lhe a aquisição de diversos produtos financeiros comercializados pela Companhia de Seguros OO, com a promessa de que auferiria uma taxa de juro elevada entre os 5% e os 9%.
59. Por depositar confiança nas arguidas e julgando que estava efetivamente a adquirir produtos financeiros da Companhia de Seguros “OO” e que, com isso, iria auferir vantagens patrimoniais, o queixoso aceitou adquirir tais produtos financeiros.
60. Assim, em junho de 2005, e por saber que tinha recebido 25.000,00€ da venda de um terreno, a arguida BB, com o conhecimento da arguida AA, convenceu o queixoso a adquirir o produto financeiro “PPR/E”, por um período de cinco anos, tendo-lhe entregue a proposta junta aos autos a fls. 211 dos autos, já por si preenchida, fazendo crer que se tratava do contrato definitivo.
61. Após a assinatura de tal proposta, o queixoso HH entregou à arguida BB a quantia de 25.000,00€ em numerário.
62. Na posse de tal quantia, as arguidas BB e AA utilizaram-na em seu benefício pessoal, fazendo-a sua.
63. Tal proposta bem como o respetivo dinheiro nunca deram entrada na Companhia de Seguros.
64. Em Março de 2007 e por saber que o queixoso iria receber o capital e juros de uma aplicação financeira que havia efetuado em 1999 na companhia de seguros “OO” através do Banco ..., a arguida BB, com o conhecimento da arguida AA, argumentando que tinha objetivos a atingir impostos pela companhia de seguros e com promessa de que tal investimento lhe seria rentável atenta a taxa de juro indexada, convenceu o queixoso a investir novamente esse dinheiro, sendo que inclusive por o investimento ter sido feito na companhia para a qual trabalhava lhe trataria de todo o assunto.
65. Assim, a arguida BB, com o conhecimento da arguida AA, utilizando um impresso que já não estava em vigor na companhia de seguros desde 2002, convenceu o queixoso HH a assinar a proposta junta aos autos a fls. 223 a 226 dos autos, fazendo-lhe crer de que se tratava do contrato definitivo.
66. Após a assinatura de tal proposta, o queixoso entregou-lhe o cheque n.º ... da Caixa Geral de Depósitos emitido pela companhia de seguros, tendo a arguida BB o depositado em 16 de março de 2007 na conta bancária n.º ..., titulada pelo seu marido NN.
67. Para dar credibilidade à sua atuação, a arguida entregou-lhe a proposta com um carimbo da data de entrada na companhia de seguros, com a data de 03.09.04, e a quantia de 525,70€ em numerário, que lhe havia sido entregue pela companhia de seguros através do cheque com o n.º ....
68. Bem como e a fim de o convencer da veracidade do por si alegado entregou-lhe, em data não determinada, uma carta por si forjada, com o timbre da Companhia de Seguros “OO” e a data de 3 de março de 2008.
69. Na posse de tal quantia, as arguida sBB e AA utilizaram-na em seu benefício pessoal, fazendo-a sua.
70. Tal proposta bem como o respetivo dinheiro nunca deram entrada na Companhia de Seguros.
71. Em 3 de julho de 2007, a arguida BB, com o conhecimento da arguida AA, argumentando que tinha objetivos a atingir impostos pela Companhia de Seguros e com promessa de que tal subscrição lhe seria rentável atenta a taxa de juro indexada, convenceu o queixoso a adquirir o produto financeiro “PPR Ganha +” .
72. Assim, a arguida BB, com o conhecimento da arguida AA, convenceu o queixoso HH a assinar a proposta junta aos autos a fls. 213 dos autos, fazendo-lhe crer de que se tratava do contrato definitivo.
73. Após a assinatura de tal proposta, o queixoso HH entregou à arguida BB a quantia de 5.000,00€ em numerário que detinha no interior da sua residência.
74. Na posse de tal quantia, as arguidas BB e AA utilizaram-na em seu benefício pessoal, fazendo-a sua.
75. Tal proposta bem como o respetivo dinheiro nunca deram entrada na companhia de seguros.
76. Em Julho de 2008, a arguida BB, com o conhecimento da arguida AA, argumentando novamente que tinha objetivos a atingir impostos pela Companhia de Seguros e com promessa de que tal subscrição lhe seria rentável atenta a taxa de juro indexada, convenceu o queixoso a adquirir o produto financeiro “Reforma Plena”.
77. A arguida bem sabia que já não era possível a subscrição de tal produto pois este apenas esteve em vigor entre 01.04.2000 e 31.08.2006 e o impresso utilizado apenas foi utilizado pela companhia até ao ano de 2006.
78. Assim, a...
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