Acórdão nº 216/14.2TTVRL.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Março de 2016
Magistrado Responsável | ANTÓNIO LEONES DANTAS |
Data da Resolução | 17 de Março de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I AA intentou a presente ação declarativa de condenação emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra BB, LDA., pedindo o reconhecimento da existência de justa causa na resolução do contrato de trabalho individual que o ligava à Ré, por sua iniciativa, em 11/02/2014, ou, em alternativa, que se considere sem justa causa o despedimento efetuado pela ré em 19/06/2013, e, em consequência, que se condene a ré no pagamento da quantia de € 21.336,86, a título de créditos salariais e subsídios em atraso, caso prevaleça a resolução do contrato por iniciativa do Autor, ou, caso venha a considerar-se ilícito o despedimento promovido pela ré, na quantia de € 15.512,86 e na quantia de € 17.280,00 a título de indemnização, bem como na quantia de € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais.
A ré apresentou contestação, impugnando os factos alegados pelo autor e peticionou, em reconvenção, a condenação daquele no pagamento da quantia de € 939,66, a título de indemnização por falta de aviso prévio.
A ação prosseguiu seus termos e veio a ser decidida por sentença de 8 de abril de 2015, nestes termos: «1. - Julgar parcialmente procedente, por provada, a presente ação que AA move à ré “BB, Lda”, e, em consequência, condena-se a ré a pagar ao autor a quantia de € 1.114,92 (mil, cento e catorze euros e noventa e dois cêntimos), relativa a créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento; 2. - Julgar parcialmente improcedente, por não provada, a presente ação quanto ao mais peticionado, absolvendo nessa parte do pedido a ré “BB, Lda.; 3. – Julgar improcedente, por não provado, o pedido reconvencional deduzido pela ré contra o autor e, consequentemente, absolver este do respetivo pedido.
Custas da ação a cargo de ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento (art. 527º, nºs 1 e 2 do C.P.C.), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário com que litiga o Autor».
Inconformado com esta decisão, dela apelou o Autor para o Tribunal da Relação de Guimarães, que veio a conhecer do recurso por acórdão 22 de maio de 2015, que integra o seguinte dispositivo: «5. Decisão Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente, e, em consequência, em alterar a sentença recorrida e declarar a ilicitude do despedimento do autor ocorrido em 26/06/2013, condenando-se a ré a pagar àquele as retribuições (à razão de € 832,00 por mês) que o mesmo deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, deduzidas das importâncias mencionadas no n.º 2 do art. 390.º do Código do Trabalho, e uma indemnização em substituição de reintegração correspondente a 30 dias de retribuição base (€ 832,00) por cada ano completo ou fração de antiguidade, atendendo-se ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, tudo a liquidar no incidente processual próprio.
No mais, confirma-se a sentença de primeira instância.
Custas pelas partes na proporção do decaimento.» Irresignada com esta decisão, dela recorre a Ré, de revista, para este Supremo Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: «1. Ao decidir que "o autor logrou demonstrar, como lhe competia por força do artigo 342.°, n.º 1 do Código Civil, que em 26/06/2013 foi objeto de despedimento pela ré", o Tribunal da Relação extrapola inadmissivelmente a causa de pedir enunciada na petição e extrapola as conclusões recursivas da apelante.
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Às partes cabe alegar e provar os factos que integram a causa de pedir, e aqueles em que se baseiam as exceções, só podendo o Juiz, por via de regra, servir-se dos factos articulados para fundar a decisão.
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E, embora não esteja sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de Direito, tem de lidar com essa forte limitação, sem prejuízo da abertura condicionada prevista no artigo 5.° do CPC.
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Além disso, não pode, também por via de regra, condenar em objeto diverso do que se pedir - 'ex vi' do n.º 1 do artigo 609.º do CPC - exceção feita, concretamente neste foro, à possibilidade de condenação 'extra vel ultra petitum', consagrada no artigo 74.º do CPT.
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Nos termos desta norma, todavia, só deve condenar em objeto diverso do pedido "quando isso resulte da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do art. 514.° do C.P.C., de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho".
6. Ora, 'in casu', no douto acórdão não só não se fundamenta minimamente a solução eleita, como não vemos que a mesma seja juridicamente sustentável.
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Com efeito, versando a causa de pedir (ínsita nos artigos 34.°, 35.° e 36.° da petição) e o respetivo pedido (veiculado na parte final da alínea A) do Pedido) sobre um alegado despedimento, operado de forma verbal em 19.6.2013, o que, aliás, o autor reitera no ponto 5 das conclusões das suas alegações de recurso, nada explica ou justifica por que haverá de condenar-se a ré com base num alegado despedimento ilícito operado em 26/06/2013, que o autor nunca alegou - porque nem quiçá imaginaria subsistente - e que não tem qualquer repercussão no seu pedido e na sua apelação.
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Em suma, o acórdão recorrido, em desrespeito pelo princípio consignado no artigo 609.°, n.º 1, do Código de Processo Civil, condenou em objeto diverso do que foi sempre pedido, uma vez que a causa de pedir invocada na ação era um despedimento ilícito, operado de forma verbal em 19/06/2013, e não um alegado despedimento ilícito consistente numa comunicação da ré de 26/06/2003.
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Repete-se, nem o autor quiçá imaginou sequer subsistente um despedimento operado pela referida missiva, porquanto nunca isso alegou nos autos: nem junto do tribunal a quo nem junto do tribunal de recurso.
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Apenas podem, eventualmente, ser considerados na ação laboral factos que extrapolam a causa de pedir enunciada na petição inicial se, no momento próprio (cfr. os artigos 60.º, n.º 2 e 28.º do CPT), o autor cumular uma nova causa de pedir, provocando uma decisão do juiz a admiti-la e cumprindo-se o contraditório.
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Em consonância com os ensinamentos colhidos do Acórdão do STJ de 6 de fevereiro de 2008 (em www.dgsi.pt. Documento n.º SJ200802060028984), vale entre nós a chamada teoria da substanciação, que exige sempre a indicação do título (ato ou facto jurídico) em que se funda o direito afirmado pelo autor.
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No caso vertente temos que o autor alicerçou o seu reivindicado direito no despedimento, operado de forma verbal, em 19/06/2013.
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Jamais o autor reivindicou nestes autos - nem poderia fazê-lo - que foi despedido por via da missiva que lhe foi endereçada pela ré em 26/06/2013.
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Por isso, face à inexistência de qualquer alegação nesse sentido, não teve a ré oportunidade de oferecer contraditório sobre esse hipotético despedimento (que só agora a Relação descortinou).
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Bem andou, pois, o douto tribunal a quo no segmento em que concluiu que óbvio se afigura, assim, não ter existido da parte da ré uma declaração apta a traduzir o despedimento verbal do autor, nem, por parte deste, tal declaração ter sido entendida como um despedimentos verbal, o que determina, quanto a nós, a improcedência dos pedidos formulados pelo autor que tinham como fonte jurídica o despedimento ilícito, baseado nessa declaração verbal.
16. A condenação proferida pela Relação tem por fundamento uma situação de facto não compreendida na causa de pedir.
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O artigo 74.° do Código de Processo do Trabalho não permite ao tribunal, ainda que esteja em causa a aplicação de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, alterar ou substituir os factos jurídicos invocados como fundamento de uma pretensão, de modo a resolver um litígio, apreciando e decidindo um pedido com fundamento numa causa de pedir que não foi submetida à sua decisão.
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O douto acórdão de que se recorre extrapolou a causa de pedir enunciada na petição inicial e que tem eco nas conclusões recursivas, considerando um despedimento, operado em 26/06/2013, que nunca o autor alegou e sobre o qual não foi nunca exercido o contraditório.
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O douto acórdão enferma, por isso, de nulidade por violação dos artigos 609.° e 615.°, n.º 1 al. d) e e) do CPC.
Sem prescindir, 20. Como decorre do teor da missiva referida em 17 dos factos provados, a ré limitou-se a comunicar uma presunção de abandono do trabalho, decorrente da lei, concretamente do artigo 403.° n.º 2 do Código do Trabalho, onde se diz que se presume o abandono do trabalho em caso de ausência de trabalhador do serviço, durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência.
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A ré teve, aliás, o cuidado de condicionar a procedência dessa presunção à apresentação de prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência por parte do trabalhador, como decorre do n.º 4 do citado normativo.
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Perante isto, transformar uma missiva com os dizeres sobreditos num despedimento ilícito constitui, com o devido respeito, um passo de todo desarrazoado e imprudente.
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Como se disse, não sendo demais repeti-lo, nem o autor encarou essa carta como um despedimento nem, quiçá, imaginou sequer subsistente essa possibilidade, porquanto nunca isso alegou nos autos: nem junto do tribunal a quo nem junto do tribunal de recurso 24. Como, bem, observou o Exmo. Magistrado do Ministério Público, no douto parecer que exarou nos autos "à luz da factualidade provada não parece emergir, com toda a probabilidade, que os comportamentos posteriores à conduta da recorrida consignada nomeadamente nos pontos 15 e 16, quer dela própria, quer do recorrente, sejam compatíveis com o entendimento por este agora defendido de que a relação laboral existente entre ambas as partes tenha cessado nesse momento, por equiparação a um...
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Acórdão nº 16995/17.2T8LSB.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Março de 2022
...de 5.4.2006, Pº 05S3822. [6] Cf. acórdãos STJ, de 22.10.2008, Procº 08S1034, 21.10.2009, Procº nº 272/09.5YFLSB, 17.3.2016, Procº 216/14.2TTVRL.G1.S1, 9.9.2020, Procº nº [7] Talvez por lapso pois a carta referida no facto 4., que não foi recebida pela A., mostra-se datada de 29 de Junho.
- Acórdão nº 108/23.4T8PTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Outubro de 2023
...Trabalho, 3.ª ed., 2006, pág. 951. [6] Neste sentido se pronunciaram os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17.03.2016 (Proc. 216/14.2TTVRL.G1.S1), de 07.09.2017 (Proc. 2242/14.2TTLSB.L1.S1) e de 11.04.2018 (Proc. 19318/16.4T8PRT.P1.S1), todos disponíveis em...- Acórdão nº 5492/17.6T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Outubro de 2018
...foi reconhecida presencialmente às 10h41: Qualquer um destes documentos, usando as palavras do acórdão do STJ de 17.03.2016 (procº 216/14.2TTVRL.G1.S1; www.dgsi.pt) consubstanciam inequivocamente manifestação de vontade de fazer cessar o contrato de trabalho por extinção de posto de trbalho...... - Acórdão nº 108/23.4T8PTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Outubro de 2023
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