Acórdão nº 1444/08.5TBAMT-A.P1.S1-A de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelPINTO DE ALMEIDA
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, no pleno das secções cíveis[1]: I.

Por sentença transitada em julgado foi declarada, em 21.11.2008, a Insolvência de AA, Lda.

Foram apreendidos para a massa insolvente apenas bens imóveis dessa empresa.

No apenso de reclamação de créditos foi proferida sentença que, no que aqui interessa, reconheceu que os créditos de BB, CC, DD e EE, ex-trabalhadores da insolvente, beneficiavam do privilégio imobiliário especial estabelecido no art. 377º, nº 1, al. b), do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27/8, quanto aos imóveis apreendidos para a massa insolvente que constam das verbas 1 a 14 e 28 a 35.

Discordando desta decisão, apelaram os credores CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS e FF, Lda, recursos que a Relação julgou procedentes, tendo revogado a sentença recorrida na parte em que graduou em primeiro lugar os aludidos créditos.

Os referidos credores BB, CC, DD e EE vieram então interpor recurso de revista, pugnando pela revogação do acórdão recorrido e pedindo que se lhes reconhecesse o privilégio imobiliário especial sobre os imóveis apreendidos, mantendo-se o decidido na 1ª instância.

A revista foi negada, tendo sido confirmado o acórdão recorrido.

Inconformados, vêm agora os referidos recorrentes interpor recurso para o Pleno do STJ, para uniformização de jurisprudência, nos termos dos arts. 688º e segs. do CPC, invocando como fundamento a contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão deste Tribunal de 13.09.2011 (Proc. nº 504/08.7TBAMR-D.G1.S1).

Concluíram assim as suas alegações: "1. Por douto acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça, de que ora se recorre, foi decidido que os créditos laborais reclamados pelos recorrentes não beneficiam do privilégio imobiliário especial previsto na al. b) do n.º1 do artigo 377.º do Código de Trabalho, aprovado pela lei n.º 99/2003 de 27/8, em vigor à data da declaração de insolvência, sobre as frações de edifícios construídos pela empresa insolvente.

  1. Argumentando-se, em síntese, que o privilégio imobiliário em análise pressupõe uma conexão entre a actividade profissional do trabalhador e o prédio onde a mesma era exercida, considerando-se que “não releva uma ligação ou conexão com um qualquer imóvel onde os trabalhadores tenham exercido funções, importando que esse imóvel faça pare integrante da empresa e de forma estável”.

  2. Afirmando-se ainda que no que concerne às frações de edifícios construídos pela empresa insolvente, “mais não representam essas frações que o resultado da actividade da empresa; integram o seu património, mas não a unidade ou organização produtiva da empresa”.

  3. Sucede que o Supremo Tribunal de Justiça não tem dado resposta uniforme à questão sub judice.

  4. Com efeito, no Acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça de 2011.09.13, relatado pelo Sr. Conselheiro Gregório Silva Jesus, Revista n.º 504/08.7TBAMR-D.G1.S1-1.ª secção, foi reconhecido aos trabalhadores o invocado privilégio especial sobre os imóveis destinados à construção ou construídos para revenda pela empresa insolvente.

  5. Aí se entendeu que “não tem sentido, nem essa é a “ratio legis”, procurar a preclusão de garantias reais concedidas a alguns credor, como os privilégios imobiliários especiais, em função do destino que aparentemente tinham os imóveis dentro da universalidade empresarial”.

  6. Acrescentando-se, em interpretação da al. b) do n.º 1 do art. 377.º do Código do Trabalho, que “se o legislador tivesse querido restringir a atribuição do referido privilégio imobiliário aos imóveis onde o empregador tivesse a sua sede ou estabelecimento e excluir do seu âmbito os imóveis advenientes para a empresa do exercício da sua actividade, certamente teria dado outra redacção a esse artigo referindo claramente essa exclusão e que esse privilégio recairia somente sobre os imóveis onde se encontrassem instalados os serviços da empresa, o que não aconteceu”.

  7. Refere ainda o douto acórdão fundamento que “os imóveis destinados à construção ou construídos para revenda são intrinsecamente objecto da actividade da empresa, como bens tangíveis constitutivos do seu activo, são parte integrante da unidade empresarial a que os trabalhadores pertenciam e nos quais trabalharam, pois que seriam a natural fonte de obtenção de novos capitais, de refinanciamento da empresa, e o suporte da continuidade do seu ciclo de actividade de construção. São, inquestionavelmente, parte integrante do património afecto à actividade empresarial que a insolvente desenvolvia”.

  8. Resulta do que se deixou exposto que existem manifestamente decisões contraditórias proferidas pelo Supremo Tribunal de Justiça, sobre a mesma questão fundamental de direito e no domínio da mesma legislação 10. Não havendo jurisprudência uniformizada sobre a matéria.

  9. Encontrando-se assim reunidos os pressupostos legais para se requerer uma decisão do Pleno das Secções Cíveis, de forma a uniformizar a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sobre a questão sub judice.

  10. Entendendo os recorrentes que deverá ser firmada jurisprudência no sentido de que o privilégio imobiliário especial previsto na al. b) do n.º 1 do art. 377.º do Código do Trabalho, abrange os imóveis construídos para revenda, devendo estes ser entendidos como parte integrante do património afecto à actividade empresarial desenvolvida pela insolvente.

  11. Pois que consideramos ser esta a interpretação da lei que se impõe, por ser a mais consentânea com a letra e o espírito da lei e aquela que melhor se coaduna com a protecção do direito fundamental dos trabalhadores à sua remuneração e à sua sobrevivência condignas.

  12. Interpretação diversa levaria, inelutavelmente, na prática, a que a grande maioria dos trabalhadores da construção civil não beneficiasse do referido privilégio imobiliário, o que constituiria uma intolerável discriminação destes trabalhadores, não justificada por qualquer razão válida e legalmente sustentada, consubstanciando uma manifesta violação do princípio da igualdade contemplado no art. 13.º da Constituição da República Portuguesa.

  13. Pois são consabidas as condições em que os mesmos trabalham e que não raras vezes, a entidade patronal não dispõe sequer de instalações próprias onde radica a sua sede, particularmente quando estão em causa pequenas e médias empresas, cujo único património imobiliário são os imóveis construídos para revenda.

  14. Face a tudo quanto se deixou alegado, deverá merecer acolhimento a tese defendida pelos ora recorrentes, devendo ser revogado o douto acórdão recorrido e substituído por outro em que se decida a questão controvertida, de acordo com a pretensão dos ora recorrentes, fixando-se jurisprudência nos termos expostos".

    A recorrida Caixa Geral de Depósitos contra-alegou, tendo concluído que "o privilégio imobiliário dos trabalhadores não incide sobre os imóveis construídos pela empresa insolvente".

    II.

    O recurso foi admitido (despacho de fls. 26 e segs.), por se reconhecer que os acórdãos referidos foram proferidos no domínio da mesma legislação e se entender que ocorre entre eles a invocada contradição, quanto à mesma questão fundamental de direito, que respeita, como aí se refere, ao privilégio imobiliário especial reconhecido aos créditos dos trabalhadores pelo art. 377º, nº 1, al. b), do Código do Trabalho de 2003 e, concretamente, sobre a extensão objectiva desse privilégio, ou seja, se o privilégio abrange os imóveis construídos pela empresa insolvente.

    Com efeito, a referida disposição legal foi, num e noutro acórdão, interpretada e aplicada em termos diferentes e opostos, havendo identidade do núcleo da situação de facto subjacente a tal aplicação – estão em causa empresas que tinham por objecto a actividade da construção civil; os credores foram trabalhadores dessas empresas e os respectivos créditos derivam de indemnizações por despedimento a que tinham direito; os imóveis, nos quais, esses trabalhadores exerceram funções, foram construídos por essas empresas para comercialização.

    Como se afirmou no aludido despacho, "decidiu-se no acórdão recorrido que não existia o privilégio imobiliário dos trabalhadores da insolvente, por este não abranger esses imóveis (apesar de integrarem o património da empresa, não representam mais do que o produto da actividade por ela desenvolvida, não fazendo parte da organização empresarial estável dos factores de produção com vista ao exercício daquela actividade).

    No acórdão-fundamento, pelo contrário, reconheceu-se a existência desse privilégio, entendendo-se que este se estende aos referidos imóveis, por serem objecto da actividade da empresa, sendo parte integrante da unidade empresarial a que os trabalhadores pertenciam e nos quais trabalharam".

    A oposição entre os referidos acórdãos parece, assim, não oferecer qualquer dúvida, mostrando-se preenchidos os pressupostos legais de admissibilidade deste recurso.

    Como decorre do que foi dito, a questão a resolver consiste em saber se os imóveis construídos por uma empresa da construção civil, para comercialização, são abrangidos pelo privilégio imobiliário especial, previsto no art. 377º, nº 1, al. b), do Código do Trabalho de 2003.

    O Exmo Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de que deve fixar-se jurisprudência nestes termos: "Para os efeitos do disposto no artigo 377.º, n.º 1, al. b) do C.T./2003, o privilégio imobiliário especial dos trabalhadores de uma empresa de construção civil não abrange os imóveis construídos pela empresa insolvente no âmbito da respectiva actividade industrial e que esta destinava à comercialização, ainda que na construção dos mesmos os trabalhadores credores tenham trabalhado".

    III.

    Foram considerados provados os seguintes factos:

    1. Para a Massa insolvente de “AA, Lda”, foram aprendidos entre outros, os seguintes bens imóveis: A1) Fracções AT, AA; BC, J, chão do edifício “...”, sito na Rua ..., concelho de ..., descrito na CRP de..., actual e respectivamente sob as fichas n.º...

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