Acórdão nº 854/13.0TAMAI.P1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Fevereiro de 2016
Magistrado Responsável | HELENA MONIZ |
Data da Resolução | 04 de Fevereiro de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório 1.
AA, assistente neste processo e identificado nos autos, vem, ao abrigo do disposto no art. 437.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência (mediante requerimento apresentado a 21.05.2015) do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 25 de março de 2015, transitado em julgado a 16.04.2015 (conforme certidão a fls. 104), por considerar que existe oposição de julgados com o decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19.02.2014.
-
Entende o recorrente, em súmula, que: «Quem, com falsidade ideológica, inscrever um documento de lavra de uma acta de deliberação social de dissolução de uma sociedade comercial que esta não possui qualquer massa patrimonial activa e/ou passiva comete um crime de falsidade de documento, p. e p. pelo art. 256.º, 1, d), por aí incrustar de per si um facto juridicamente relevante, que é, crê-se, com apodicticidade, a supressão da existência de uma pessoa colectiva no tráfico com prejuízo para os credores sociais e a criação de um novo e transitório regime legal jus-civilístico de assunção das responsabilidades por aquele ente assumido. Vale dizer, uma tentativa de endosso de responsabilidades patrimoniais e um logro no tanto que seria acionável contra os corpos sociais e gerentes de uma sociedade comercial para lá das barreiras da personalidade colectiva, para o que é irrelevante a existência de um qualquer nexo de causalidade entre a forja intelectual e a real e efectiva insusceptibilidade de recebimento patrimonial dos credores sociais» (fls. 6) O recorrente não apresentou conclusões (sendo que as deve apresentar apenas numa fase ulterior — cf. art. 442.º n.ºs 1 e 2, do CPP), porém da motivação apresentada é clara a sua pretensão. Assim: a) considera que “a hipótese fáctica comum aos arestos recorrido e fundamento” é a seguinte: “os sócios de uma sociedade comercial, quando fazem aprovar uma deliberação social cuja acta integra o inverídico facto da inexistência de qualquer activo e/ou passivo, cometem um crime de falsidade de documento p. e p. pelo art.º 256.º.1.d) do CP?”; b) a divergência entre ambos os arestos resulta do diferente entendimento sobre a necessidade probatória da intenção de causar prejuízo: “18 -O acórdão recorrido, em congruência com outros arestos, proclamou uma formulação negativa à resposta, por daquela inveracidade não se poder concluir, sem nexo de causalidade entre a falsidade e o não recebimento dos créditos pelos terceiros, que existe intenção de causar prejuízo a outrem nem de obter um benefício para si (sócios), porquanto se a sociedade não possuía qualquer massa patrimonial idónea para esse fito sempre os credores não seriam ressarcidos; 19 - O acórdão fundamento, ciente que a falsidade em documento se subsume aos conceitos tipológicos de facto juridicamente relevante quando promove uma alteração do mundo jurídico através da via registral que se impõe à acta de dissolução que contém o facto falso, bem como ao interesse em prejudicar terceiros ou colher benefício ilegítimo apenas pelo desvalor da acção uma vez que o crime figurado e o bem jurídico protegido se assimilam pelas figuras do crime de perigo abstracto e pela protecção do tráfico jus-probatório, sufraga doutromodo a consumação criminal com a mera inclusão da forja documental no tráfico, relegando por isso quaisquer nexos de causalidade entre facto e dano para a sua sede própria: a responsabilidade civil aquiliana, a apurar em sede de pedido de indemnização civil ou por uma acção judicial de responsabilidade civil, que assim não cabem no taetbestand do art.º 256.º.1.d) do CP.
” c) entende que a “previsão tipológica” não integra a necessidade de produção de um dano: “32- Queremos com isto queremos aludir à subtracção do dano na previsão tipológica, bastando-se a imputação criminal com a forja intelectual e o risco de si irradiante, isto é, e por melhores palavras, “para que o tipo legal esteja preenchido não é necessário que, em concreto, se verifique aquele perigo (de violação do bem jurídico); basta que se conclua, a nível abstracto, que a falsificação daquele documento é uma conduta passível de lesão do bem jurídico-criminal aqui protegido; basta que exista uma probabilidade de lesão da confiança e segurança, que toda a sociedade deposita nos documentos e, portanto, no tráfico jurídico – verifica-se, pois, uma antecipação da tutela do bem jurídico, uma punição do âmbito pré-delitual” - cfr. Helena Moniz, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pág. 681 ss.
“ d) e sintetiza a oposição entre acórdão recorrido e acórdão fundamento afirmando: “58 - Sabemos já onde reside o dissídio interpretativo entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento: se para o último o tipo legal do art.º 256.º.1.d) do CP se preenche pela forja intelectual (1) num documento (2) de um facto juridicamente falso (3), o acórdão recorrido toma partido por uma exigência de punibilidade acrescida: o nexo de causalidade entre a falsidade declarada e a prova que essa asserção constituiu causa-efeito do não recebimento, por terceiros, de créditos em estado de inadimplência perante uma sociedade dissolvida. Sem isso, diz-se, “não é possível extrair qualquer consequência de relevo criminal de tal declaração, visto o prejuízo do credor não lhe poder ser associado”. Vale dizer, por palavras sinónimas, se para o acórdão fundamento existe crime se houver declaração falsa juridicamente relevante a se, para o acórdão recorrido ele - o facto juridicamente relevante e a fortiori o crime - só existe se for acompanhado da prova de factos demonstrativos que a inveracidade produzida é causa-efeito do não recebimento dos créditos de terceiros.
“ 3.
O Tribunal da Relação do Porto, no acórdão recorrido (relatora: Desemb. Maria Deolinda Dionísio), ao analisar o despacho de pronúncia dos arguidos BB e CC, pela prática do crime de falsificação de documentos, previsto e punido nos termos do art. 256.º, n.º 1, al. d), do Código penal (CP), decidiu que: «Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação julgar procedente o recurso interposto e, em consequência, revogar a decisão recorrida com a consequente não pronúncia dos arguidos BB e CC, este por força da estatuição dos arts. 402.º, n.º 2, al. a) e 403.º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal, pela prática do imputado crime de falsificação de documento, previsto e punível pelo art. 256.º, n.º 1 d), do Cód. Penal» (cf. fls. 35).
-
No acórdão fundamento do Tribunal da Relação de Coimbra (proc. n.º 651/11.8TATNV.C1, relatora: Desemb. Maria José Nogueira, consultável aqui: http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/5ba9a6ee88d0a81f80257c890053824d?OpenDocument), de 19 de fevereiro de 2014, concluiu-se que: Em suma, não merece censura a decisão recorrida enquanto julgou presentes os elementos objectivo e subjectivo do crime de falsificação de documento, na modalidade de falsificação intelectual, atenta a relevância da acção das arguidas/recorrentes no mundo do direito, geradora da aparência perante terceiros de uma realidade inexistente, com o consequente prejuízo – o qual, consabidamente, no tipo de crime em questão não tem de revestir natureza patrimonial – e, sobretudo, benefício, ambos nas diferentes vertentes ali assinaladas, aspecto de que as arguidas estavam conscientes.» 5.
O Senhor Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação de Porto, e em cumprimento do disposto no art. 439.º, n.º 1, do CPP, respondeu nos seguintes termos: « (...) Com efeito, como se constata facilmente, do confronto entre as duas decisões no que concerne aos factos apurados [uns provados na sentença e outros indiciados na pronúncia] no caso do processo relativo ao acórdão fundamento demonstrou-se que, ao contrário do exarado na deliberação social, a sociedade tinha um activo que rendeu 200.000 €, bastante superior ao crédito da demandante [ou de outros credores], enquanto no caso dos presentes autos, a pronúncia é omissa quanto à efectiva existência de activo [e, porventura, quanto ao seu destino]. (...) Ou seja, os factos em que assentaram os dois acórdãos não são sobreponíveis, pois tratam de situações diferentes.
Por outro lado, salvo o devido respeito, as decisões de direito insertas nos acórdãos em confronto também não são antagónicas, não só porque a matéria factual é diferente, mas porque se revela que no acórdão proferido nestes autos se julgaria como verificado o crime em apreço se, porventura, se demonstrasse, como no caso do acórdão fundamento, que a sociedade DD, Lda possuía, afinal, activo que não foi destinado à satisfação dos créditos sociais, ou melhor dito que, na expressão da decisão recorrida, foi “partilhado” e “dissipado” pelos sócios. (...) Assim, não se verifica oposição de julgados entre as decisões em confronto.
Nestes termos e nos demais que V. Exªs se dignarão suprir, em conclusão, deve o recurso interposto pelo assistente AA com vista à fixação de jurisprudência ser rejeitado, ao abrigo do disposto no art. 441º, n.º 1 do CPP, por não se verificar oposição de julgados relativamente à questão de direito colocada, sem prejuízo da questão prévia levantada relativamente ao trânsito do acórdão fundamento.» 6.
Por despacho do Tribunal da Relação do Porto — 4.ª secção — de 14.10.2015, foi o recurso admitido.
-
Distribuído o processo como recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos do art. 439.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o processo foi com vista ao Ministério Público, em conformidade com o disposto no art. 440.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitido o seguinte parecer: «(...) Não obstante a legitimidade do recorrente e tempestividade do recurso, entendemos que o recurso deve ser rejeitado, nos termos do art.º 441.1 do Cód. Proc. Penal, por se nos afigurar não ocorrer a necessária oposição de julgados. (...) Ora, subscrevendo-se integralmente a resposta...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO