Acórdão nº 26/13.4 GGIDN.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelSOUTO DE MOURA
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

AA, ...., nascido a .... em ...., com última residência na ...., atualmente preso no E.P. de ...., foi julgado em processo comum e por tribunal coletivo, na Comarca de .... (Instância Central, Secção Cível e Criminal, juiz 2) e condenado, para além do pagamento de várias indemnizações cíveis, nas seguintes penas: · Pela prática de quatro crimes de tráfico de pessoas p. e p. pelo artigo 160.º, n.º 1, alíneas a), b) e d), do CP, na pessoa de BB com a pena de 6 anos de prisão, na pessoa de CC, com a pena de 5 anos de prisão, na pessoa de DD, com a pena de 6 anos e 6 meses de prisão, e na pessoa EE, com a pena de 6 anos de prisão. Ainda pela prática de um crime p. e p. pelo artigo 160.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CP, de que foi vítima FF com a pena de 5 anos de prisão.

· Pela prática de um crime de detenção de arma proibida p. e p. nos termos dos art.s 2.º, n.º 1 al. a), 3.º, n.º 1, al. h), e 86.º, n.º 1, al. d), todos da Lei n.º 5/2006 de 23 de fevereiro, na pena de 1 ano de prisão; · Em cúmulo jurídico destas penas parcelares, o recorrente foi condenado na pena única de 15 anos de prisão.

Recorreu da condenação na parte crime, tendo os autos sido remetidos a este STJ para julgamento, por se ter considerado ser a instância de recurso competente.

A - FACTOS Foram os seguintes os factos considerados provados: "1. - Em data não concretamente apurada do ano de 2008, o arguido AA encontrou ocasionalmente o ofendido BB, num café da localidade de Mirandela.

1.1 - O arguido ofereceu-lhe trabalho de limpeza florestal de vários terrenos (limpeza de mato, corte de silvas e poda de parreiras de vários terrenos em ..., bem como, em localidades próximas), mediante a retribuição mensal de 650,00 €, acrescida de alojamento e alimentação.

1.2 - O arguido alojou o ofendido BB na sua residência, sita na Rua.....

1.3 - Durante o período que o ofendido BB trabalhou para o arguido, este nunca lhe pagou a retribuição combinada.

1.4 - No primeiro mês o arguido ainda pagou alguma quantia, enquanto no segundo mês deu ao ofendido o valor de 200,00 €.

1.5 - A partir de então, o arguido, apenas esporadicamente, e sempre ao fim-de-semana, entregava ao ofendido quantias pequenas, na ordem dos 5,00 €, 10,00 € ou 20,00 €, de cada vez, passando-se no entanto meses sem que o ofendido recebesse qualquer quantia.

1.6 - Quando confrontado com a falta de pagamento o arguido respondia “agora não tenho … eu já vos dou de comer, por isso não precisais de dinheiro”.

1.7 - O ofendido BB, quando não trabalhava ao domingo, e com a permissão do arguido AA, fazia alguns trabalhos agrícolas para vizinhos, auferindo por cada dia de trabalho cerca de 40,00 €.

1.8 - Algumas dessas vezes, o arguido pedia o dinheiro que o ofendido realizava nesses trabalhos extra, dizendo-lhe que “o gastava mal gasto”.

1.9 - Caso o ofendido não lhe entregasse o dinheiro, o arguido batia-lhe com um pau ou com murros, ou ainda com um cinturão verde, tipo tropa, acertando, indiscriminadamente em todas as zonas do corpo.

1.10 - Porque o arguido BB na sequência de agressões perpetradas pelo arguido ficou com hematomas e dores intensas nas costas, teve o mesmo de ser socorrido no Hospital de ...., no entanto o arguido disse-lhe que caso revelasse a verdadeira razão das suas lesões, voltaria a bater-lhe.

1.11 - O ofendido BB, durante o período que trabalhou para o arguido, encetou várias fugas, no entanto este acabava por o descobrir e debaixo de ameaças e agressões, levava-o novamente para Alfandega da Fé.

1.12 - No Verão de 2013, porque o arguido não lhe pagava, o ofendido fugiu com uma motosserra, no entanto o arguido encontrou-o em .... e levou-o, de novo, para .....

1.13 - Aí chegados, o arguido colocou o ofendido só em cuecas a cortar silvas com a roçadora, como forma de castigo, ficando o ofendido com arranhões por todo o corpo.

1.14 - Numa outra fuga encetada em data não concretamente apurada, o arguido encontrou o ofendido em ...., agrediu-o a soco e pontapés na cabeça e costas e introduziu-o à força no veículo de marca Mitsubishi, de cor verde, matrícula ....-JB, e de novo o levou para .....

1.15 - Durante o tempo que o ofendido esteve sob a alçada do arguido, este agrediu-o um número não concretamente apurado de vezes, com pontapés, murros e com um cinto, por todo o corpo, sempre que o ofendido reclamava o seu vencimento, encetava fugas ou quando o arguido entendia que as tarefas a cargo do ofendido não estavam a ser bem executadas.

1.16 - O ofendido BB acabou por fugir num fim-de-semana próximo da Páscoa de 2014, aproveitando a ausência do arguido e do ...., utilizando para o efeito um telemóvel que o arguido lhe dera (para efeitos de trabalho e que era carregado por aquele em quantias muito pequenas), contactou umas pessoas amigas da zona de .... e pediu-lhes para o irem buscar, o que acabou por acontecer.

1.17 - Já após a sua fuga, foi contactado pelo arguido (que ligava de número confidencial), o qual o ameaçava que o ia buscar e que o levaria de volta para .... “de arrasto na parte de trás da carrinha”.

1.18 - De forma não concretamente apurada o arguido solicitou ao ofendido que assinasse uma declaração de início de actividade e contrato de trabalho a termo certo, sem que estes documentos sempre ficaram na posse do arguido.

1.9 - Igualmente de forma não concretamente apurada, o arguido detinha na sua posse um contrato de mútuo da habitação de Vilarelhos, no qual o ofendido figura como mutuário.

  1. Em data não concretamente apurada, mas compreendida entre o ano de 2011 e 2012, o arguido AA, abordou o ofendido CC, em ...., área de residência deste último à data, propondo-lhe trabalho na agricultura, oferecendo-lhe como contrapartida o valor diário de 20,00 €, mais alojamento e alimentação.

    2.1 - O arguido transportou então o ofendido CC 2.3 - Decorridos alguns meses, o arguido AA transportou o ofendido CC para a residência daquele, sita na Rua ....

    2.4 - O arguido AA atribuiu ao ofendido CC as tarefas relacionadas com limpeza florestal, mais especificamente, cortar mato e silvas, limpar sobreiras e podar parreiras, de vários terrenos situados em várias localidades, como ....

    2.5 - No entanto, se no primeiro ano em que laborou para o arguido este lhe pagava o combinado, após, a pedido do arguido, o ofendido abriu uma conta, em banco que não sabe identificar, mas com sucursal na cidade de ..., ficando todos os documentos inerentes à referida conta na posse do arguido.

    2.6 - De igual forma, o cartão de multibanco respeitante à mesma conta ficou sempre na posse do arguido, que era quem levantava o dinheiro que, alegadamente, pagava ao ofendido, bem como, o valor que o mesmo auferia a título de pensão de invalidez pela Segurança Social.

    2.7 - Decorrido algum tempo, o arguido deixou de pagar qualquer quantia pelos trabalhos prestados pelo ofendido CC, entregando-lhe esporadicamente, ao fim de semana, o valor que variava entre os 20,00 €, os 10,00 € e os 5,00 €.

    2.8 - Confrontado com o incumprimento, o arguido limitava-se a dizer que não tinha, que os patrões não estavam a pagar.

    2.9 - O ofendido CC trabalhava de segunda-feira a sábado, e por vezes ao domingo.

    2.10 - O ofendido CC apenas saía da habitação na companhia do arguido AA, pois que este dizia aos trabalhadores que não podiam sair sozinhos, ficando as portas da habitação fechadas e muitas das vezes ficava o Pedro a tomar conta e posse das chaves.

    2.11 - O ofendido CC chegou a ausentar-se da habitação sozinho, aproveitando o facto do arguido aos fins de semana se ausentar para visitar a esposa e filhos em ..., mas sempre com receio que os demais trabalhadores contassem ao arguido.

    2.12 - Durante o período em que trabalhou para o arguido, o ofendido chegou a encetar algumas fugas, porém, o mesmo acabava sempre por conhecer o seu paradeiro e por o recolher levar de volta para ...., tal como aconteceu em Março de 2014.

    2.13 - A 07 de Março de 2014, pela manhã, o ofendido, quando se encontrava a trabalhar num terreno em ...., e aproveitando o facto do arguido se ter deslocado ao centro da localidade, colocou-se em fuga, caminhando durante todo o dia, até às 19h horas, refugiando-se em casa de uma amiga em .....

  2. No dia 12.02.2013, os ofendidos DD e o seu companheiro EE foram transportados pelo arguido AA para a residência deste, na Rua...., num veículo de marca Mitsubishi, de cor verde, e matrícula....-JB, após este, alguns dias antes, lhes ter proposto trabalhar para si, na actividade de pastoreio, e aquela, ainda, na concretização das tarefas domésticas, por 20,00 € por dia a cada um, alojamento e alimentação, entregando à ofendida um cartão, que referiu ser da empresa do seu filho, onde consta o nome deste (...) e vários contactos telefónicos.

    3.1 - Todavia, durante o período em que laborou para o arguido AA, designadamente, limpando terrenos, limpando mata, cortando silvas e podando parreiras de vários terrenos, situados quer nas imediações, quer em localidades mais distantes, a ofendida Matilde nunca foi paga pelo trabalho realizado e o ofendido Josué recebia uma quantia entre 5,00 € a 10,00 € semanais.

    3.2 - Os ofendidos DD e EE apenas não trabalhavam, por regra, aos Domingos, dia em que executavam alguns serviços para os vizinhos, recebendo cerca de 30,00 €, sendo este o seu único rendimento.

    3.3 - Cerca de uma semana após, os ofendidos DD e EE chegarem ao local, o arguido AA solicitou-lhes os telemóveis e, já na sua posse, atirou-os ao chão, partindo-os para não terem contactos com ninguém, partindo também os cartões SIM, referindo que lhes compraria telemóveis novos, o que nunca fez.

    3.4 - Em data não concretamente apurada, mas no início do Verão, o arguido AA comunicou à ofendida DD que deixaria de trabalhar no campo e que passaria a ficar na residência, a cuidar do seu filho de 4 anos. Também nessa altura, os ofendidos DD e EE passaram a dormir na garagem, em camas individuais, dispostas em fila e em paralelo, juntamente com outros dois funcionários, o .... e o .....

    3.5 - Quando confrontado pela...

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