Acórdão nº 31/10.2JACBR de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelMANUEL AUGUSTO DE MATOS
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – RELATÓRIO 1.

O Tribunal Colectivo da Comarca de Aveiro – Instância Central – 1.ª Secção Criminal – J3, procedeu a julgamento, para realização do cúmulo jurídico de várias penas aplicadas ao arguido AA, condenando-o, por acórdão proferido em 23 de Setembro de 2015, nos seguintes termos: «

  1. Manter o cúmulo jurídico que foi efetuado ao arguido AA no Processo referido em 10), onde se incluíram as penas aplicadas nos Processos n.ºs 480//07.3GDGDM, 228/07.2PAGDM, 1266/07.0PEGDM e 89/08.4GAVLG, pelo qual foi condenado na pena única de 5 (cinco) anos de prisão; b) Efetuar o cúmulo jurídico entre as penas que lhe foram aplicadas nos Processos n.ºs 795/08.3PAVLG, 233/10.1JAPRT, 1356/08.2GDGDM, 1145/09.7PEGDM, 12/10.6GDGDM e 31/10.2JACBR, condenando-se o arguido AA na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão; c) Manter autónoma a pena única de 2 anos de prisão e a inibição de conduzir pelo período de 6 meses em que foi condenado no Processo n.º 864/10.0SMPRT.

    Aquelas penas são cumpridas sucessivamente, sendo descontado o tempo de detenção, obrigação de permanência na habitação ou prisão que o arguido AAtenha sofrido à ordem desses processos (art. 80.º, n.º 1, do C. Penal).» 2.

    Deste acórdão recorreu o arguido directamente para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando as conclusões que se transcrevem: «CONCLUSÕES DE RECURSO 1. Vem o recorrente condenado, entre outras penas únicas que permaneceram inalteradas, numa pena conjunta de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses pelo cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas nos processos n.º 795/08.3PAVLG, do então 1.º Juízo Criminal de Gondomar; 233/10.1JAPRT, do antigo 1.º Juízo Criminal de Paredes; 1356/08.2GDGDM, do então 1.º Juízo Criminal de Gondomar; 1145/09.7PEGDM, do então 1.º Juízo Criminal de Gondomar; 12/10.6GDGDM, do à data 2.º Juízo Criminal de Gondomar; e, nos presentes autos 31/10.2JACBR, já na actual Instância Central Criminal de Aveiro, indicados em 3) a 7) e 11) do acórdão a quo.

    1. Ora, sucede desde logo que a decisão proferida é completamente omissa quanto aos factos dados como provados nos processos relativos aos crimes e às penas parcelares em concurso.

    2. O acórdão recorrido absteve-se de relatar os factos efectivamente praticados, na sua singularidade circunstancial, ainda que de um modo sucinto pelo que não cumpre as suas funções de convicção (e de legitimação) que toda a decisão deve cumprir.

      Para além disso, 4. O ilustre Tribunal a quo também não fundamentou devidamente a medida concreta da pena aplicada nos autos, ignorando a necessária conexão exigida entre os artigos 71.º, n.º 3 e 77.º, n.º 1 e 78.º, n.º 1, todos do CP, 5. Omitindo ainda qualquer referência aos artigos 70.º e 71.º do CP, não aludindo às finalidades de prevenção geral e especial que devem presidir à fixação da pena conjunta, 6. Ao contrário do defendido pela maioria da Doutrina e da Jurisprudência produzidas sobre essa matéria.

    3. Mas cumprindo também o dever de aplicação dos critérios estabelecidos pelo artigo 77.º, n.º 1 de forma telegráfica e insuficiente.

    4. Perante isto, o acórdão a quo não demonstrou, fundamentadamente, que ponderou e avaliou o conjunto dos factos concretos praticados pelo arguido e a sua relação com a personalidade deste, nem tão pouco que sopesou as concretas necessidades de prevenção geral e especial que se fazem sentir no caso concreto, em particular estas últimas, pelo que violou os artigos 70.º e 71.º, 77.º, n° 1 e 78.º, n.º 1 do CP e o artigo 374.º n.º 2 do CPP, e ainda o artigo 205.º, n.º 1 da CRP, sendo o douto acórdão nulo por força do artigo 379.º, n.º 1 al. a) e c) do CPP.

      Isto posto, 9. Sem prejuízo das nulidades invocadas, o recorrente entende que o ilustre Tribunal recorrido não aplicou correctamente os factores enunciados pelo artigo 77.º, n.º 1 ex vi artigo 78º nº 1, do CP na determinação da medida da pena única, o que redundou na determinação de uma pena conjunta excessiva [[1]].

    5. Logo à partida porque, apesar da gravidade dos factos praticados, que o recorrente reconhece, os mesmos foram cometidos em co-autoria, em virtude da inclusão de esporádicos grupos juvenis, o que permite deduzir que o apoio familiar de que o recorrente goza e gozará quando sair em liberdade, o afastará da prática de novos ilícitos, e lhe permitirá comportar-se de um modo conforme com o Direito.

    6. Mas também em virtude do valor não muito elevado dos montantes apropriados, e do manifesto arrependimento e sentido crítico do arguido face ao seu percurso criminoso.

    7. Já quanto à personalidade e à sua conduta posterior aos factos, nos termos do artigo 71.º, n.º 2 e) do CP, o aqui recorrente entende que não foi devidamente valorizado o seu percurso em contexto prisional, 13. Adquirindo qualificações escolares e profissionais, exercendo uma actividade remunerada, e recebendo regularmente as visitas de familiares, revelando satisfação face a este contexto e um sentido crítico de reprovação das suas condutas anteriores.

    8. O que denota uma forte vontade e probabilidade de se conseguir integrar familiar, social e laboralmente assim que restituído à liberdade, confirmadas até pelo respectivo relatório social.

    9. E que no seu entender também não foi relevado de forma adequada pelo douto acórdão recorrido, e o seu efeito na redução das necessidades de prevenção especial sentidos no caso.

    10. Assim como o facto de o recorrente ter menos de 21 anos à data de todos os factos que lhe são imputados, podendo ainda beneficiar do regime do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro.

    11. Por tudo isto, o aqui recorrente entende que uma pena conjunta não superior a 5 (cinco) anos de prisão em cúmulo jurídico, a somar às restantes penas únicas de 5 (cinco) anos e de 2 (dois) anos, que permaneceram inalteradas, satisfaria de forma adequada as necessidades de pena que aqui se fazem sentir, sem que as finalidades gerais das penas aplicadas fossem colocadas em risco.

    12. O que em termos globais faria com o que o recorrente cumprisse uma reclusão não superior a 12 (doze) anos de prisão, com o propósito de não o estigmatizar excessivamente, e considerando a sua idade ainda jovem.

    13. Pelo que entende o aqui recorrente que o Tribunal a quo não interpretou nem tampouco aplicou devidamente a 2.ª parte do n.º 1 do artigo 77.º do CP, e o artigo 78.º, n.º 1, do CP, nem o artº 71º nº 2 do mesmo diploma, não reflectindo a medida da pena o justo equilíbrio entre os diversos factores, e devendo os referidos normativos ser interpretados e aplicados de forma mais justa e vantajosa para o recorrente [[2]].

    14. Não podendo a decisão sobre a medida concreta desta pena única ser condicionada pelas anteriores decisões de cúmulo proferidas, em prejuízo do recorrente.

    15. Até porque, caso assim sucedesse, sempre se deveria considerar que esta nova pena única elevou excessivamente o quantitativo da pena anteriormente fixada neste cúmulo, pois representou um agravamento da medida concreta da pena em praticamente metade das penas parcelares fixadas nos presentes autos - de um total de 6 (seis) anos para 7 (sete) anos e 6 (seis) meses.

    16. E isto sem que o insigne Tribunal a quo considerasse a manutenção da conduta adequada e disciplinada do recorrente em meio prisional desde Novembro de 2013 – data do último cúmulo, até ao presente, o que não poderá deixar de relevar também para os sobreditos efeitos de determinação da medida concreta da pena.

      Por fim, 23. Uma eventual reformulação da pena de cúmulo jurídico, quer por este Supremo Tribunal, quer em especial pelo ilustre Tribunal a quo, deverá sempre ter como limite intransponível a barreira imposta pelo princípio da proibição da reformatio in pejus, 24. Quer na sua dimensão directa, quer indirecta, aqui já como princípio geral do Direito Processual que limita e condiciona as decisões da instância de recurso e da primeira instância, no caso de reenvio do processo.

    17. Considerando que antes do presente recurso a situação global do recorrente se cifrava em 14 (catorze) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva, qualquer decisão sobre estes mesmos crimes não poderá condenar o recorrente em penas de concurso que no seu conjunto ultrapassem este mesmo limite.

    18. Sob pena de violação do n.º 1 do artigo 32.º da CRP, enquanto restrição injustificada e desproporcionada do direito fundamental ao recurso em processo penal.

    19. Neste sentido se pronunciaram, entre outros, os acórdãos deste STJ de 14-09-2011, no processo n.º 138/08.6TALRA.C1.S1, e de 31-01-2008, também do STJ, proferido no âmbito do processo n.º 07P4081.

    20. Pelo que a única interpretação conforme com o princípio plasmado no artigo 409.º do CPP é a que fixa o conjunto de penas aplicadas a um recorrente em primeira instância como limite inexcedível em caso de reapreciação do cúmulo jurídico, como poderá acontecer nos presentes autos.

      TERMOS EM QUE DEVE O PRESENTE RECURSO OBTER PROVIMENTO E, EM CONSEQUÊNCIA:

      1. SER O DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO DECLARADO NULO, NOS TERMOS DO ARTIGO 379.º, N.º 1 A) C) DO CPP, POR VIOLAÇÃO DO DEVER DE FUDAMENTAÇÃO, ESTATUÍDO PELO ARTIGO 374.º, N.º 2 DO CPP; OU, SUBSIDIARIAMENTE, B) SER A MEDIDA CONCRETA DA PENA ÚNICA DO SEGUNDO CÚMULO JURÍDICO ALTERADA PELO PRÓPRIO TRIBUNAL AD QUEM, NÃO DEVENDO A PENA CONJUNTA, ATENTOS OS FUNDAMENTOS ADUZIDOS, SER SUPERIOR A 5 (CINCO) ANOS DE PRISÃO, NUM TOTAL GLOBAL DE 12 (DOZE) ANOS DE PRISÃO.» 3.

        A Ex.ma Procuradora da República no tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, nos seguintes termos: «Contesta o recorrente tal decisão, defendendo que:

      2. O Acórdão recorrido é nulo por ser completamente omisso quanto aos factos dados como Provados nos processos relativos aos crimes em concurso; B) A pena é excessiva; C) Ainda que o processo venha a ser remetido á primeira instância na sequência do recurso, um eventual novo acórdão não poderá impor um conjunto de penas que excedam na globalidade os referidos 14 anos e 6 meses de prisão, em nome do...

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