Acórdão nº 207/15.6YRCBR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelMANUEL AUGUSTO DE MATOS
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I – RELATÓRIO 1.

O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Coimbra promoveu o cumprimento do Mandado de Detenção Europeu, doravante MDE, emitido em 11 de Agosto de 2015, por decisão da autoridade judiciária da Alemanha – Juiz do Tribunal de ...., Alemanha – no âmbito do processo 931-Gs-7840 Js 217100/15, que tem por objecto o cometimento, na Alemanha, entre Maio de 2011 e Junho de 2015, de crimes de evasão fiscal e retenção e desvio de remuneração, puníveis com pena de prisão até cinco anos, contra o agora recorrente, AA.

2.

Com base nas informações divulgadas pelo Sistema de Informações de Schengen – Registo Schengen ... – o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras comunicou a detenção do visado no MDE, efectuada pelas 16h15 do dia 16 de Novembro de 2015.

Submetido a interrogatório judicial no dia 18 de Novembro de 2015, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, o mesmo declarou não consentir na sua entrega às autoridades alemãs nem renunciar ao benefício do princípio da especialidade. Requereu a concessão de um prazo para deduzir oposição e apresentar meios de prova, o que foi deferido, tendo sido concedido o prazo de 10 dias para o efeito.

Por despacho então proferido pelo Ex.mo Desembargador Relator, a detenção efectuada foi julgada legal, sendo «válida por haver sido efectuada com base em instrumento internacional reconhecido pelo Estado Português no âmbito da Lei 65/2003 de 23/08, nomeadamente ao abrigo dos arts. 1.º, 4.º e 39.º da referida Lei». Foi ainda determinada a sujeição do requerido a prestação de TIR e apresentações semanais na autoridade policial competente.

3.

O requerido deduziu oposição à execução do MDE, alegando que a cópia do mandado que lhe foi entregue não se encontrava traduzida ou acompanhada de tradução para português pelo que, para além de não se mostrarem respeitados os artigos 3.º, n.º 2 da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, 8.º, n.º 2 da Decisão Quadro e 1.º, n.º 1, 2.º, n.

os 7 e 8 e 3.º, n.º 6 da Directiva 2010/64/EU, desconhece sem culpa o teor do mandado de detenção europeu, designadamente, se contém as menções obrigatórias previstas no artigo 3.º da Lei nº 65/2003 – identificação da autoridade judiciária emitente, qualificação e natureza das infracções, pena aplicável, circunstâncias do respectivo cometimento, etc, -, mas sabe que, «lido o mandado de fls. 5 a 20, dele não consta a descrição factual do que lhe é imputado», elemento fundamental ao exercício do direito de recusa, seja obrigatória, seja facultativa e essencial para que a Relação aprecie o mérito da questão, constituindo tudo isto nulidade insanável, nos termos do artigo 119.º, alínea d), do CPP e desrespeito pelos direitos do arguido, estabelecidos nos artigos. 58.º, 61.º, alínea g), 257.º e 258.º, nº 3 do CPP, ex vi, artigo 16.º, n.º 6 da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, acrescendo ainda que o MDE não indica se o seu fim é o cumprimento de pena ou o cumprimento de obrigações processuais, o que constitui igualmente violação das citadas normas e ainda as dos artigos 20.º, 27.º e 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. Alegou também que padece de hipertensão, tem hipertrofia concêntrica do ventrículo, padece de depressão e ansiedade, estando medicado, vive com a mãe, pessoa idosa e doente, a quem auxilia, sendo que a sua entrega às autoridades alemãs agravará a sua situação clínica, abalará a sua vida pessoal e familiar e afectará o estado de saúde da sua mãe, que, caso a finalidade do MDE seja a execução de pena ou a aplicação de medida de coacção, deve o cumprimento efectuar-se em Portugal, que só deve ser determinada a entrega se o Estado Alemão garantir a sua devolução a Portugal para cumprimento da pena ou da medida de coacção, e que, na hipótese de o MDE ter sido emitido para procedimento penal, o mesmo poderá efectuar-se por videoconferência, assim se evitando os custos inerentes. E, por tudo isto, concluiu que, nos termos dos artigos 12.º, n.º 1, alínea g) e 13.º, alínea b), da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, deve ser recusada a execução do mandado[1].

4.

O Ministério Público respondeu à oposição, afirmando que os argumentos do requerido são insusceptíveis de impedirem a execução do MDE pois que, quando foi ouvido neste tribunal, foi-lhe explicada a razão e o fim da emissão do mandado, bem como a punibilidade da conduta à luz do direito português, que a doença invocada e o auxílio prestado à progenitora não são subsumíveis à previsão dos arts. 11º e 12º da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, e que consta já do próprio MDE que o Estado alemão já se comprometeu a que o cumprimento da pena que, eventualmente, venha a ser aplicada, o seja em Portugal.

5.

Em 23 de Dezembro de 2015 foi proferido o acórdão recorrido do qual se transcreve a parte relativa à fundamentação e à matéria de facto (capítulo II): Consta, pois, aí que: «3. O Mandado de Detenção Europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado membro – Estado de emissão – com vista à detenção e entrega a outro Estado membro – Estado de execução – de um cidadão procurado, para efeitos de procedimento penal, de cumprimento de pena ou de medida de segurança privativa da liberdade (art. 1º, nº 1 da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, na redacção da Lei nº 35/2015, de 4 de Maio), que é actuado tendo por base o princípio do reconhecimento mútuo (nº 2 do mesmo artigo), cujo núcleo consiste em a decisão da autoridade judiciária competente e em conformidade com o direito do respectivo Estado membro, dever ter efeito directo e pleno em todo o território da União Europeia. Isto significa que as autoridades competentes do Estado membro onde a decisão pode ser executada, devem prestar a sua colaboração à respectiva execução, como se fosse decisão tomada por autoridade deste mesmo Estado.

Estamos perante um instrumento destinado a reforçar a cooperação entre as autoridades judiciárias dos Estados membros da União Europeia – entres os quais se encontram a Alemanha e a República Portuguesa, em substituição do antigo, complexo e menos ágil processo de extradição, para alcançar o mesmo fim.

4. No que respeita ao presente MDE, o requerido iniciou a oposição deduzida, dizendo que desconhece, porque a cópia que lhe foi entregue, não vinha acompanhada de tradução, se aquele contém as menções obrigatórias previstas no art. 3º da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto para de seguida acrescentar que, não obstante, lido o mandado – fls. 5 a 20 – dele não consta a base factual que lhe é imputada, assim estando verificada a nulidade insanável do art. 119º, d) do C. Processo Penal. Vejamos.

4.1. Nos termos do disposto no art. 3º, nº 1 da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, o MDE deve conter diversas informações, em conformidade com o formulário fixado, a saber: a) identidade e nacionalidade da pessoa procurada, b) Identidade e contactos da autoridade judiciária de emissão; c) Indicação da sentença com força executiva, mandado de detenção ou decisão judicial com a mesma força executiva; d) natureza e qualificação jurídica da infracção; e) descrição das circunstâncias da infracção; f) pena aplicada ou moldura penal aplicável; g) outras consequências da infracção, quando possível.

Por sua vez, dispõe o art. 4º, nº 2 da lei citada que a autoridade judiciária de emissão pode, em qualquer caso, decidir inserir a indicação da pessoa procurada no sistema de informação Schengen (SIS), dispondo o nº 4 do mesmo artigo que, uma indicação inserida no SIS produz os mesmos efeitos de um mandado de detenção europeu, desde que acompanhada das informações referidas no n.º 1 do artigo 3.º. Como resulta de fls. 5 e ss., que o requerido, como afirma leu, a autoridade judiciária alemã inseriu a identidade daquele no sistema de informação Schengen, estando nos autos o Formulário «A» e a respectiva tradução [esta a fls. 16 a 19]. E basta lê-los para concluir que deles consta, sem margem para qualquer equívoco, a identidade e nacionalidade do requerido, a identidade e contactos da autoridade de emissão, a especificação da decisão com força executiva como mandado de detenção para prisão preventiva, a natureza e qualificação da infracção e a moldura penal aplicável. E no que especificamente respeita ao que o requerido designa por ‘base factual imputada’ ali consta «Desde 15/03/2011 a pessoa acusada tem vindo a desempenhar as funções de director-geral da empresa denominada “Prolex Gebäudereinigungs GMBH”, sediada em Kronberg Im Taunus. No decurso do período relevante, a pessoa não cumpriu as obrigações devidas no que respeita ao pagamento de impostos sobre o volume de negócios e salariais, bem como contribuições à segurança social. No período de 2011 a 2014 a pessoa não pagou o imposto sobre o volume de negócios, cujo valor ascende a 95.272,97 euros. Não obstante, a pessoa evadiu o imposto sobre salários no valor de 49.377,26 no período entre 10/05/2011 e 12/01/2015. Finalmente, a pessoa não cumpriu com o pagamento das contribuições à segurança social no valor de 44.398,25 devidas pelos seus trabalhadores durante os meses de Maio de 2011 a Março de 2015.

».

Constando da inserção no sistema de informação Schengen todas a informações referidas no nº 1 do art. 3º da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, é evidente que nenhuma nulidade foi cometida, nem de forma alguma foram beliscados os direitos de defesa do requerido. Aliás, quando foi ouvido na Relação, o Exmo. Desembargador, primitivo relator, informou-o das...

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