Acórdão nº 502/08.0GEALR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelJOÃO SILVA MIGUEL
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em conferência na 3.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. Nos presentes autos de processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, mediante acórdão datado de 3 de abril de 2013, proferido pelo (extinto) Tribunal Círculo de Santarém foi decidido condenar (fls 430-431)[1]: «- (…) o arguido AA, melhor identificado nos autos, pela prática, como co-autor material, de 1 (um) crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 2, al. b), com referência ao art. 204.º, n.º 2, al. f), do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

- (…) o arguido BB, melhor identificado nos autos, pela prática, como co-autor material, de 1 (um) crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 2, al. b), com referência ao art. 204.º, n.º 2, al. f), do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão.

- (…) o arguido CC, melhor identificado nos autos, pela prática, como co-autor material, de 1 (um) crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 2, al. b), com referência ao art. 204.º, n.º 2, al. f), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão.

- (…) o arguido CC, pela prática, de 1 (um) crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º, n.º 2, do DL 2/98, de 03-01, na pena de 6 (seis) meses de prisão.

- (…) o arguido CC, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão a qual foi suspensa por igual período de tempo, acompanhada do regime de prova (art. 53.º, n.º 3, do Código Penal).» 2. Inconformados com a sentença proferida pelo tribunal de 1.ª instância, dela interpuseram recurso os arguidos AA e BB, recurso que dirigiram ao Tribunal da Relação de Évora (fls 661-667).

  1. Na sua motivação (fls 661-667), os recorrentes formulam as seguintes conclusões: «1.ª-Ao qualificar o crime praticado pelos Arguidos de roubo agravado, o Tribunal a quo violou os arts. 204.º,2,f) e 210.º,2,b) do Código Penal e 4.º do Decreto-Lei 48/95, de 15/3, uma vez que considerou erradamente que os Arguidos estavam na posse de uma arma para os efeitos daquela agravação, quando de facto apenas consta dos factos provados que estavam na posse de um objeto não apurado, mas em tudo semelhante a uma pistola, objeto não apurado que não pode ser considerado arma para os efeitos dos dispositivos do Código Penal acima referidos. A qualificação correta para os factos é a de crime de roubo p. e p. pelo art. 210.º,1 do Código Penal, com a necessária redução dos limites mínimo e máximo das penas e assim das penas em concreto aplicadas aos ora Recorrentes.

    1. -Ao não levar suficientemente em conta a confissão e arrependimento dos Arguidos aquando da fixação da medida da pena o Tribunal a quo violou o art. 71.º,2,e) do Código Penal: deveriam as penas aplicadas ter sido fixadas em menos de 5 anos de prisão.

    2. -Da mesma forma, ao fixar penas de prisão superiores a 5 anos de prisão não levando em conta o valor relativamente reduzido dos bens móveis roubados, o Tribunal a quo violou o princípio resultante dos arts. 202.º, 204.º e 210.º,2,b) do Código Penal, dos quais resulta que o valor dos bens em questão deverá ser fator relevante para a fixação da medida da pena, não apenas para o seu agravamento mas também para a sua redução.

    3. -Ao aplicar ao Arguido BB a pena de 5 anos e 3 meses de prisão, o Tribunal a quo alheou-se da finalidade reintegrativa da pena, violando assim o art. 40.º,1 do Código Penal. Deveria, levando em conta a comprovada situação pessoal do Arguido e as hipóteses manifestas da sua reintegração daquela resultantes, ter aplicado uma pena substancialmente inferior a 5 anos de prisão.

    4. -Face à personalidade do Arguido BB, suas condições de vida e conduta anterior e posterior ao crime será adequada e suficiente a aplicação de uma pena de prisão suspensa na sua execução, nos termos do art. 50.º,1 do Código Penal, embora acompanhada de regime de prova nos termos previstos no n.º 2 daquela disposição, havendo algum paralelismo de situações com a do Arguido Joel Costa, que viu ser suspensa a execução da pena de prisão que lhe foi aplicada. Ao não proceder de tal forma o Tribunal a quo violou o disposto no art. 50.º,1 e 2 do Código Penal.

    5. -Em conclusão, deverá o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que aplique: a) ao Arguido AA uma pena não superior a 1 ano e 9 meses de prisão; b) Ao Arguido BB uma pena não superior a 1 ano e 6 meses de prisão, pena suspensa na sua execução por igual período, acompanhada de regime de prova, com o que se fará JUSTIÇA!».

  2. Na resposta, o Senhor Procurador da República na 1.ª instância pronuncia-se pela confirmação do acórdão recorrido (fls. 704-710), concluindo como segue: «a) O tribunal a quo terá bem avaliado e analisado os factos e, igualmente, terá bem aplicado o direito; b) Verificar-se-ão todos os requisitos típicos, quer subjetivos, quer objetivos, do crime de roubo pelo qual os arguidos foram condenados em coautoria; c) Para que se verifique a agravação constante da al. f), do n.º 2, do art.º 204º, do C. Penal, bastará que a vítima, perante um objeto ou instrumento que se lhe afigure ou deva afigurar, segundo o padrão e o conhecimento normal do homem médio, como sendo ou podendo ser uma verdadeira arma, se veja na necessidade e contingência, para poder salvaguardar a sua integridade física de qualquer ameaça ou outra ofensa, de abrir mão do que lhe é solicitado ou retirado em tais circunstâncias, id est, necessário será, apenas, que se registe um nexo causal entre a detenção / exibição da arma, ainda que fictícia ou simulada, e a entrega da coisa que a originou; d) As penas arbitradas encontrar-se-ão no seu ponto ótimo de equilíbrio, mostrando-se adequadas e necessárias a atingir os fins que visam colimar, quer sejam eles de prevenção especial, quer sejam eles de prevenção geral; e) Se uma pena inferior à culpa será uma injustiça, uma pena superior a esta será um desperdício; f) No mais, não terá sido violado qualquer inciso legal; g) Por via disso, negando-se provimento ao recurso e mantendo-se, nos seus precisos termos, o douto acórdão condenatório, será feita justiça.» 5. Remetido o processo ao Tribunal da Relação de Évora, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta (fls 734-739) entende que, uma vez que se questiona apenas matéria de direito, relativamente a decisão final em que se aplicaram penas de prisão superiores a 5 (cinco) anos, o tribunal competente para apreciar o recurso é o Supremo Tribunal de Justiça e não o Tribunal da Relação, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal (CPP).

  3. O Senhor Desembargador relator no Tribunal da Relação de Évora, por Decisão Sumária de 19 de novembro de 2015 (fls 744-746), ordenou a remessa dos autos ao STJ, considerando que, a este, cabe a competência para a apreciação do recurso.

  4. Recebidos os autos neste Supremo Tribunal, o Senhor Procurador-Geral Adjunto (fls 754-759), depois de se pronunciar pela competência do Supremo Tribunal para conhecer do recurso, “por visar exclusivamente o reexame de matéria de direito e as penas aplicadas serem superiores a 5 anos”, e de destacar as duas questões a analisar – agravação do roubo pela circunstância da al. f) n.º 2 do art. 204.º do Código Penal e medida das penas – pronuncia-se pela procedência do recurso, considerando que, atenta a factualidade dada como provada, “apenas se pode considerar que o arguido empunhou algo que aparentava ser uma pistola”, pelo que, no seguimento da doutrina maioritária sobre o assunto, não cometeram os arguidos o tipo agravado do roubo, mas sim o crime de roubo. Mais, indica que, na sequência “(…) do desagravamento do crime, e dentro da moldura do roubo simples, pelos fundamentos constantes do acórdão a fls. 623 a 625, entendemos que as penas por este crime se devem situar na proximidade dos 4 anos e 6 meses para o arguidoAA e 4 anos e 3 meses para o arguido BB.”.

  5. Dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal (CPP), os recorrentes nada vieram dizer.

  6. Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o recurso é apreciado em conferência (artigos. 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP).

  7. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

    1. Fundamentação a. Enquadramento, questões a conhecer e afirmação da competência do Supremo Tribunal 11. É jurisprudência assente deste Supremo Tribunal que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, relativas aos vícios da decisão quanto à matéria de facto, a que se refere o n.º 2 do artigo 410.º do CPP, e às nulidades, a que alude o n.º 3 do mesmo preceito, é pelo teor das conclusões apresentadas pelo recorrente, onde resume as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se define e delimita o objeto do recurso.

    Nas conclusões apresentadas, os recorrentes circunscrevem o objeto do recurso à alteração da qualificação jurídica dos factos e à medida da pena de prisão que lhe foi imposta, matérias que se compreendem na competência do Supremo Tribunal de Justiça.

    De facto, tratando-se de acórdão final condenatório do tribunal coletivo do círculo judicial de Santarém que aplicou as penas de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão e de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão, respetivamente, ao recorrente AA e ao recorrente BB, e tendo o recurso exclusivamente por objeto o reexame da matéria de direito, por os recorrentes entenderem, face à factualidade provada que foi usado «(…) objeto não apurado que não pode ser considerado arma para os efeitos dos dispositivos do Código Penal (…)», pelo que «[a] qualificação correta para os factos é a de crime de roubo p. e p. pelo art. 210.º,1 do Código Penal, com a necessária redução dos limites mínimo e máximo das penas e assim das penas em concreto aplicadas (…)», o Supremo Tribunal de Justiça é o competente para conhecer do recurso, nos termos das disposições combinadas dos artigos 427.º e 432.º, n.

    os 1, alínea c), e 2, do CPP, o que se passa a fazer.

    1. ...

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