Acórdão nº 1825/08.4PBSXL.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

* Acordam no Supremo Tribunal de Justiça No âmbito do processo supra referenciado da extinta Vara de Competência Mista da comarca de Setúbal (actual Instância Central, Secção Criminal – J3), após contraditório, foi condenado o arguido AA, com os sinais dos autos, como autor material de um crime de homicídio simples previsto e punível pelo artigo 131º, do Código Penal, na pena de 11 anos de prisão, bem como no pagamento ao demandante BB, na qualidade de representante legal dos menores CC e DD, a importância de € 115.000,00.

O arguido interpôs recurso desta decisão para o Tribunal da Relação de Évora, na sequência do qual, no parcial provimento, foi alterada a decisão de facto e reduzida a pena para 9 anos de prisão, com integral confirmação do demais decidido[1].

O arguido interpõe agora recurso para este Supremo Tribunal, sendo do seguinte teor o segmento conclusivo da respectiva motivação[2]: 1º. O presente recurso vem interposto do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora que julgou parcialmente procedente o recurso do arguido, e reduziu a pena pela prática de um crime de homicídio simples p. e p. pelo Artº 131º do Cód. Penal na pena de 11 (onze) anos para 9 (nove) anos de prisão efectiva; mantendo o demais decidido na primeira instância.

2º.

Existe nos autos uma - CONTRADIÇÃO ENTRE OS FACTOS PROVADOS GERADOR DE ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA E INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PARA DECISÃO ( artigo 410 nº 2 alínea c) e a) do CPP) 3º. O arguido foi condenado pelo crime de homicídio simples p.p. pelo Artº 131 do C. Penal, um crime doloso, e comporta todas a formas de dolo previstas no art.º 14.º do C.P., dolo directo, necessário e eventual.

4º. O crime é doloso quanto à acção e quanto ao dano, neste caso o dano morte.

5º. Ora, resulta do acórdão recorrido uma contradição insanável que gera o erro notório na apreciação da prova 6º. Ora vejamos consta dos factos provados constantes do acórdão recorrido que: 7º.

3 - Nesse momento EE subiu o muro, delimitador do logradouro, virando-se para o lado oposto daquele onde surgiu o arguido.

4 - Concomitantemente o arguido efectuou cinco disparos na direcção de EE, o qual se encontrava de costas, em cima do muro, a uma distância entre 4 a 5 metros.

5 - Um dos referidos disparos atingiu EE penetrando o seu abdómen, tendo seguido um trajecto oblíquo de baixo para cima, de trás para diante e da direita para a esquerda tendo saído do corpo.

8º. O local de entrada o projétil, sua direcção no corpo do falecido são detalhados no acórdão nos seguintes termos:- 10 - Ferida perfuro contundente, circular, medindo 0,5 de diâmetro, com bordos escoriados, com orla de contusão concêntrica medindo 0,25 centímetros, na face posterior, a nível do bordo inferior da décima segunda costela, cerca de oito centímetros para fora da linha média e 35 centímetros abaixo do ombro; ( entrada do projéctil) 11 - Ferida inciso contusa, oblíqua de cima para baixo e de fora para dentro, com uma ligeira escoriação no bordo interno da ferida, medindo 1,4 cm X 0,5 cm, tendo a extremidade interna e inferior 12 centímetros acima e um centímetro para dentro do mamilo; ( saída do projéctil) 12 - Ferida transfixiva da parede posterior do hemitorax direito a nível da extremidade da 123 costela; 13 - Ferida transfixiva do lobo direito do figado; 9º.

14 – Ferida transfixiva do diafragma direito; 15 - Ferida transfixiva do pulmão direito; 16 - Infiltração hemorrágica do hilo do pulmão direito e dos lobos médio e inferior do pulmão direito; 17 - Laceração do saco pericárdio e da aurícula esquerda com infiltração hemorrágica.

18 - As lesões descritas foram causa directa, necessária e adequada da sua morte que foi verificada pelo INEM às 22:55 do dia 31.12.2008 na Rua 1° de Maio, na Amora. E certificada à 1 hora e 2S minutos do dia 1 de Janeiro de 2009.

10º. - Ou seja o local de entrada da bala é no dorso direito do falecido junto à cintura.

11º. - A bala entra no corpo do malogrado Roki, sobe, quase na vertical, da direita para a esquerda, no seu percurso lacera o lobo direito do figado; o diafragma direito, o pulmão direito( com infiltrações hemorrágicas hilo do pulmão direito e dos lobos médio e inferior do pulmão direito), o saco pericárdio e da aurícula esquerda com infiltração hemorrágica.

12º. - E vem a sair, em cima, à frente junto à clavícula esquerda acima do mamilo onde parece uma Ferida inciso contusa, oblíqua de cima para baixo e de fora para dentro, com uma ligeira escoriação no bordo interno da ferida, medindo 1,4 cm X 0,5 cm, tendo a extremidade interna e inferior 12 centímetros acima e um centímetro para dentro do mamilo.

13º. - Ora o local de entrada da bala e o seu percurso no corpo do malogrado Roki são totalmente contraditórios com o factos dados como provados sobre a forma do diparo e local e posição dos intervenientes: Diz-se no acórdão recorrido 14º.

- Nesse momento EE subiu o muro, delimitador do logradouro, virando-se para o lado oposto daquele onde surgiu o arguido.

Concomitantemente o arguido efectuou cinco disparos na direcção de EE, o qual se encontrava de costas, em cima do muro, a uma distância entre 4 a 5 metros.

15º. Com efeito, estando o arguido a quatro ou cinco metros do ofendido, disparando na sua direcção, o tiro não podia ter percorrido a trajetória que percorreu.

16º.

Ou seja, se o arguido tive previsto a hipótese de disparando o tiro atingir o malogrado EE, este tiro seguiria um trajeto que de angulo um agudo e não uma linha vertical que seguiu e vem e descrita no douto acórdão recorrido.

17º. Entre o local de entrada da bala, (fundo das costa junto à cintura do lado direito e saída no lado esquerdo junto à clavícula) a linha de percurso da bala, a mesma descreveu em relação ao ponto de entrada angulo quase recto 18º. Estando o arguido a uma distância de ou cinco metro do ofendido, de pé, no chão, e aqueloutro de costas em cima de um muro, um tiro disparado nestas circunstâncias nunca poderia descrever o trajecto que descreveu.

19º. De facto um tiro de baixo para cima só pode ser dado se o arguido estivesse mesmo por debaixo do ofendido, ou se aquele por qualquer razão estivesse dobrado para a frente.

20º. Ora a localização do arguido, não permite admitir a hipótese de ele estar por debaixo do ofendido.

21º. Por outro lado e se a vítima estivesse dobrada para a frente, o ter sido atingida só pode ter resultado e um acaso e não de qualquer acto doloso do arguido 22º. É um facto que o arguido estava, muitíssimo nervoso, era de noite, e o factos passaram-se seguramente com muita rapidez.

23º. Na verdade, tudo aconteceu de noite, (31 de Dezembro noite de passagem de ano, num inverno) numa situação de grande stress emocional, em que duas pessoas de idade, sozinhas de noite em casa, vêem-se ladeados de vários homens; dois velhotes que se convenceram que ser assaltados por vários homens e a dado passo veem a entrar no quintal avistando o seu vulto.

24º. Entraram em pânico, como qualquer pessoas normal entraria.

25º. Direcção do tiro no corpo da vitima é contrariada pela forma como se descreve que os tiros ocorreram.

26º. O que gera um erro notório na apreciação da prova e um vício do julgamento ( artigo 410 do CPP) 27º. Também, não se percebe como pode ter o arguido ter disparado cinco tiros “ na direcção” da vitima, a quatro ou cinco metros, e só ter acertado com um dos tiros, sendo certo que esse tiro entra na vertical no corpo do ofendido.

28º. Não há no acórdão recorrido, nem na fundamentação nada que explique tão bizarro facto.

29º. Diz-se no douto acórdão recorrido o seguinte: 30º. “ se conjugarmos este factos com a circunstância do arguido ser militar da GNR e ter grande experiência de armas, tendo tido a especialidade de atirador na Guerra colonial e ter efectuado os ditos disparos a cerca d 4/5 metros, no máximo, da vítima, torna-se evidente a configuração da intenção de matar, ainda que desenhada a título de dolo eventual.” Com efeito, pela profissão do arguido, pela sua experiência no uso e manuseamento de armas de fogo, pela curta distância a que a vitima se encontrava, pela visibilidade que o arguido tinha para com a mesma- pois a luz estava acesa- é inevitável concluir que ao deparar cinco tiros na direcção daquele, o arguido, pelo menos representou como possível que tal conduta poderia provocar a morte desta e actuou conformando-se com essa possibilidade”.

31º. Salvo o devido respeito que é muito, não se percebe é como tendo disparo cinco tiros na direcção de um individuo e como “ tal experiência” falhou a tão curta distância (4/5) e só acertou um tiro com o um trajecto impossível… 32º. Com efeito, a verdade é que a guerra colonial terminou há 40 anos.

33º. O facto de o arguido ter sido ser GNR não lhe dá treino de armas como todos sabemos, sendo certo que também o arguido estava reformado há alguns anos ( 2002).

34º. Por outro lado, inexiste qualquer evidência ou meios de prova constante da sentença que conduzam à prova de que o arguido tinha treino de armas 35º. Mais, não se sabe, sequer se arma estava afinada, se tinha desvios, se não.

36º. Ora para se dar como provada a intenção de matar, era necessário que tivesse sido apurado capacidade de tiro da arma, e bem como se o arguido, apesar de ter sabido saber disparar há 40 anos ainda tinha condições ter o mínimo de segurança no tiro.

37º. O que gera a insuficiência de matéria de facto provada para a intenção de matar e nos termos do disposto no artigo 410 do CPP, como tal para se ter dado como provado que o :- 38º.

O Arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, admitindo que ao disparar cinco tiros na direção do corpo de EE, lhe causaria a morte, conformando-se com esse resultado.” Acresce que 39º. A verdade é que o arguido nunca admitiu como possível que algum dos disparos levasse e resultasse uma qualquer lesão para a vítima e muito menos a sua morte.

40º. Quanto muito o arguido actuou negligentemente, querendo afastar os agressores, pelo quanto muito deveria ser...

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