Acórdão nº 135/12.7TCFUN.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução16 de Fevereiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I. – Relatório.

“AA, SA” e “BB, SA” instauram a presente acção contra a “CC” (“CC”), pedindo: i) “ser a prática de abusos de posição dominante pela R., ao abrigo do artigo 6º da Lei nº 18/2003, de 11 de Junho, e do artigo 102º do TFUE; ii) ser declarada a prática de abusos de dependência económica pela R., designadamente na imposição do contrato GG, celebrado contra disposição imperativa da lei, proibido ao abrigo do artigo 7º da Lei 18/2003, de 11 de Junho; iii) ser a R. declarada a pagar à “AA” 39.183.667,40 € (trinta e nove milhões, cento e oitenta e três mil, seiscentos e sessenta e sete euros e quarenta cêntimos), acrescidos de juros moratórios contados à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento; e iv) ser a R. condenada a pagar à “BB” 1.042.791,76 (um milhão e quarenta e dois mil setecentos e novecentos e um euros e setenta e seis cêntimos), acrescidos de juros moratórios contados à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

” Para o pedido que impetram, as demandantes desenvolvem, em cume, a sequente facticidade: - A “AA, SA” dedicou-se, de forma exclusiva em território português, à importação e distribuição (grossista) de produtos CC, desde, pelo menos 1985, até Outubro de 2011, sem prejuízo de uma sucessão de empresas, designadamente no interior da DD, que deteve o controle da “AA”; - A ““AA, SA” passou, desde 2001, a ser detida pela “BB, SA.” - A “BB, SA” desenvolveu a actividade em diversos escritórios – cfr. artigo 16 da p.i. – sendo capital social detido, na totalidade, pela “EE, S.A.”, que mantém, coligadas em grupo, uma ligação à CC – cfr. artigos 19º e 20º; - A ligação entre a CC e a “AA” teve as vicissitudes e desenvolvimento relacional explicitado nos artigos 28º a 44º (descartando as inanidades pospositivas que no entremês pervagaram pelo articulado); - A “AA” era o distribuidor não exclusivo de produtos CC cabendo a esta a total discricionariedade dos produtos colocava à disposição daquela e com as vicissitudes territoriais e de responsabilização referidas nos mencionados artigos (FF e GG celebrados entre a AA e a CC) – cfr. artigos 45.º a 59; - Sob a modelo FF, a AA beneficiava de condições comerciais que lhe permitiam, ainda que de forma limitada, desenvolver com resultados a respectiva actividade de distribuição de produtos da CC – cfr. explicitações em artigos 61.º a 73º; - Além da comercialização a “AA” desenvolvia um leque de obrigações e direitos relativos à gestão da actividade da CC em Portugal – cfr. artigos 74º a 78º; - A partir de 1 de Abril de 2001, ocorreu uma alteração das relações contratuais (período GG) – cfr. artigos 79º a 91º - que determinaram que a “AA” passasse a figurar como responsável financeira e a transportadora dos produtos da CC, tendo esta empresa passado a celebrar directamente contratos com os seus LLs autorizados – cfr. artigos 85º e 89º; - A “AA” procurou negociar com a “HH, Lda.” para a venda do negócio da distribuição, que não se concretizou – cfr. artigos 92º a 99º - tendo a “AA” sido compelida (imposta) a solicitar duas garantias bancárias, nos termos exigidos pela CC – cfr. artigos 100º e 101º - e que esta viria a executar (parcialmente) – cfr. artigos 102º a 108º; - A “BB, SA” foi revendedora da CC – cfr. artigos 109º a 111º; - (Após a descrição das funcionalidades, capacidades e necessidades (a satisfazer) de cada um dos produtos comercializados pela CC – tablets, laptop e desktop, passando pela individualização dos referidos produtos “iPad”,”iPod” e “Macbook Air”) – cfr. artigos 109º a 147º - as demandantes procedem à descrição da respectiva dependência económica da CC – cfr. artigos 148º a 186º - bem com dos recursos humanos – cfr. artigos 187º a 210º; - A partir do inicio do período FF, a CC iniciou uma estratégia comercial que teve como objectivo a exclusão da “AA” e da sua accionista “BB” do mercado, designadamente, da cadeia de distribuição de produtos CC e dos respectivos estabelecimentos comerciais – cfr. artigos 228º a 246º - e desenvolvimento de condições para instalação de novos estabelecimentos comerciais (artigos 234º a 237º) e de uma postura estratégica relativamente ao mercado (artigos 238º a 246º); - A CC passou a definir, de modo unilateral, os preços pelos quais a “AA” devia vender os produtos aos grandes retalhistas e na negociação de descontos desta empresa aos retalhistas, mediante fixação de preços – cfr. artigos 247º a 255º; - A CC passou a disciplinar os preços ao nível dos retalhistas e a impedir as importações paralelas que colocassem em riscos preços e equilíbrios de preços por si definidos a nível nacional – cfr. artigo 256º - do mesmo passo que pressionou a “AA” a submeter-lhe encomendas de produtos em conformidade com as previsões da CC sobre o mercado português – cfr. artigos 258º a 264º; - A CC abusou da sua posição ao impor o “GG” – cfr. artigos 265º a 286º; - Desde o inicio do FF e atá ao termo da relação comercial a CC definiu de modo unilateral as circunstâncias factuais descritas nos artigos 288º a 290º, tendo proibido a “AA” de exportar para outros Estados Membros – cfr. artigos 292º a 307º - tendo-se apropriado do principal cliente da “AA”, a II (artigos 308º a 314º) bem como das vendas on line (artigos 315º a 320º); - A CC obrigou a “AA” a passar aos seus clientes condições discriminatórias por ela decididas (artigos 321º a 334º); - A CC desde a vigência do FF recusou injustificadamente fornecer produtos a determinados grandes clientes da “AA” obrigando esta a recusar encomendas ou mesmo a pôr termo a relações comerciais – cfr. artigos 331º a 334º; - Pelo menos desde 2004, a CC impôs à “AA” a nomeação e demissão de trabalhadores – cfr. artigos 335º - tendo imposto à demandante a assumpção de encargos no plano da reparação e manutenção de produtos CC – cfr. artigos 336º a 347º; - A partir de 2004, a CC pressionou a “BB” para transmitir dois estabelecimentos comerciais, sitos em Lisboa – cfr. artigos 348º a 361º; - A CC pôs fim à relação comercial entre si e a “AA” invocando falta de pagamento de facturas, embora esta tivesse procurado negociar um plano de pagamentos, sem sucesso, por a CC ter accionado as garantias que detinha junto da JJ – cfr. artigos 362º a 372º; - Os comportamentos abusivos e a ruptura da relação comercial entre a CC e a “AA”, anteriormente descritos e referenciados traduziram-se para a “AA” em danos patrimoniais, que especifica de artigos 373º a 423º. Na contestação que apresentou, a demandada, incoa por excepcionar a competência da jurisdição portuguesa para o julgamento da causa intentada, para o que, em síntese apertada, carreia: - A disposição invocada pelas demandantes – artigo 5.º, nº 3 do Regulamento (CE) nº 44/2001 – não se aplica à situação versada na causa; - O preceito citado concede e reconhece o direito à instauração de causas em que a pretensão jurisdicional requestada se funda no instituto da responsabilidade civil aquiliana, ao invés do que reverbera a situação jurídico-factual que as demandantes pretendem dirimir, que, em seu juízo, atina com a violação de regras de funcionamento da relação contratual estabelecida entre as partes, que a deman-dante descreve, especificando, no artigo 12.º da contestação; - A constatação da asserção expressa no item anterior retira-o a demandada da profusão de alusões à relação contratual que diz ter sido objecto de violação por parte desta – cfr. artigos 13º a 16º da contestação; - Acresce que, e em cume, se a causa de pedir indica a violação de pactos contratuais referentes ao GG (posteriores a Abril de 2011) então a responsabilidade que daí se possa vir a colher colima com responsabilidade pré-contratual – cfr. artigos 19.º e 20º da contestação.

Esparge e prova de inculcar a respectiva tese nos artigos 22.º a 52º da contestação.

A questão ainda teve debate nas, réplica – fls. 2298 a 2328 – e tréplica – fls. 2332 a 2379 – tendo o tribunal decidido a questão – fls. 2817 a 2823 – com decreto de abstinência da jurisdição portuguesa para o julgamento da causa.

Da apelação que alçaram para o Tribunal da Relação de Lisboa, as demandantes – agora massa insolvente de “AA – …, S.A.” e “BB, Lda.” – não obtiveram sucesso, por esta instância ter decidido (sic): “(…) negar provi-mento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.” Irresignada mantém o alor recursivo, com pedido de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo dessumido das extensas alegações o epítome conclusivo que a seguir queda extractado.

I.a. – Quadro Conclusivo.

(…) 2. DA NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO POR FALTA DE FUNDAMENTACÃO XX. O artigo 607º, nº 3, do Código de Processo Civil, dispõe que a sentença tem obrigatoriamente de ser fundamentada, «devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final» (sublinhado nosso). Tal significa que, na fundamentação da sua decisão, o tribunal deve esclarecer capazmente a linha de raciocínio que presidiu à sua operação de subsunção da matéria de facto ao Direito e evidenciar de forma clara as razões que justificam a aplicação das normas invocadas e a subsequente tomada de decisão final.

XXI. In casu, à apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa havia sido submetida uma questão de competência jurisdicional, que não é apenas processual, antes implicando uma necessária e conjunta apreciação de matérias diversas de Direito da Concorrência e Direito das Obrigações.

(…) XXIX. Nos termos do disposto na alínea b), do nº 1, do artigo 615.º do Código de Processo Civil, é nula a decisão que «[n]ão especifique os fundamentos de facto ou de direito que justificam a decisão».

XXX. In casu, a fundamentação do acórdão não é meramente imperfeita ou insuficiente; é, em absoluto, inexistente.

XXXI. Assim, «[a]o juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão (659-2). Há nulidade (no sentido lato de invalidade, usado pela lei) quando falte em absoluto a indicação dos...

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