Acórdão nº 17099/98.0TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Fevereiro de 2016
Magistrado Responsável | SEBASTIÃO PÓVOAS |
Data da Resolução | 16 de Fevereiro de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.
AA, BB e CC, intentaram acção, com processo especial de prestação de contas, contra DD.
Pediram que as contas se reportassem à actividade da Ré, na qualidade de corretora, no período de 1 de Janeiro de 1988 a 31 de Dezembro de 1990, referentes às quantias recebidas no exercício daquela actividade, com o trespasse e venda do activo do escritório das Amoreiras, em Lisboa, à “EE, SA” , com a venda dos direitos de subscrição desta sociedade a terceiros e ainda de todas as receitas auferidas para apuramento dos lucros líquidos daquele exercício; mais pediram a condenação da Ré a pagar-lhes 80% do saldo apurado, acrescidos de juros de mora, à taxa legal das operações comerciais, contados da data em que a Ré estava obrigada a distribuir lucros.
Alegaram, em cingida síntese, a celebração de um contrato-promessa de constituição de sociedade de corretagem e de um contrato de associação em participação para participarem nos lucros e nas perdas da actividade que a Ré desenvolveria a partir da sua nomeação como corretora da Bolsa de Lisboa, na sequência de concurso para o qual foi, tecnicamente, formadora pelos Autores; que financiaram o local de instalação do escritório da Ré, o fundo de maneio para o exercício da sua actividade, tendo-lhe adiantado 250.000$00 mensais por conta do seu vencimento; que, sem o seu acordo, a Ré constituiu a sociedade “EE, SA” negociando com futuros accionistas a venda dos activos do escritório que tinha sido equipado sem que tivesse prestado contas da associação em participação.
Na 1.ª Instância (Vara Cível de Lisboa) a Ré foi condenada a prestar contas aos Autores relativamente à actividade de corretagem exercida de 1 de Janeiro de 1988 a 30 de Setembro de 1990; às importâncias recebidas com o trespasse e venda do activo do escritório das Amoreiras da “EE, SA” e com a venda dos direitos de subscrição desta sociedade a terceiro; e a todas as outras “receitas auferidas para apuramento dos lucros líquidos de tais exercícios, calculados nos termos da cláusula 11.ª do contrato de associação em participação em causa; a pagar aos autores a importância correspondente a 80% do saldo apurado, sendo 1/3 (26,88%) para cada um; a pagar aos Autores os juros moratórios vencidos e vincendos, sobre o montante do saldo apurado, calculados às taxas aplicáveis aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais que a sentença indicou.
A Relação de Lisboa, em apelação interposta, alterou o julgado na parte ao período de prestação de contas que passou a ser de 24 de Fevereiro de 1988 a 30 de Setembro de 1990.
A Ré pediu revista que o STJ negou.
As contas foram prestadas na 12.ª Vara Cível de Lisboa com um saldo de 2.974.470$40 favorável aos Autores.
Após contestação foi proferida sentença que fixou as receitas auferidas em 817.294,24 euros, cabendo 1/3 a cada um dos Autores sendo a quantia global de 653.835,39 euros.
A Ré apelou pedindo, além do mais, a alteração da matéria de facto.
A Relação de Lisboa deu parcial provimento fixando em “648.984,93 euros o montante das receitas auferidas no período em causa” e condenando “a Ré apelante a pagar a cada um dos apelados um montante correspondente a 26,66%” Veio, então, Ré pedir revista excepcional.
Porém, a mesma não foi admitida “quo tale” já que o Relator do Colectivo/Formação a que se refere o n.º 3 do artigo 672.ºCPC determinou a remessa dos autos à distribuição como revista-regra por, na ponderação da data da propositura da acção e do disposto no n.º 1 do artigo 7.º, da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, entender ser inaplicável a dupla conformidade (n.º 3 do artigo 671.º do CPC) pressuposto da competência do seu Colectivo e da consequente verificação dos requisitos da revista excepcional.
Daí que se considere essa questão definitivamente decidida e, no elencar das conclusões da revista, se omitam as referências a tal ponto.
Na parte que releva a recorrente assim concluiu: “— Não pode o salário ser negado quando é efectivamente devido, inexistindo sequer um motivo de superior magnitude e justificativo (quando, ainda que assim fosse, sempre seria discutível os contornos de uma eventual negação do pagamento desse valor).
— Nos presentes autos está em causa uma acção especial de prestação de contas proposta pelos Recorridos contra a Recorrente, tendo esta vindo a prestar contas relativamente aos anos de 1988, 1989 e 1990 no quadro de um contrato de associação em participação entre as partes.
— A Após recurso interposto da decisão proferida em 1.ª instância, o T.R.L., entendeu - e bem - dar provimento parcial ao Recurso, não podendo contudo a Recorrente concordar com a solução jurídica alcançada no Acórdão ora recorrido, no sentido de não incluir os valores devidos a título de salários e impostos liquidados naqueles três anos.
— O Recurso aqui apresentado cinge-se ao erro de direito decorrente da decisão de mérito quanto a estes pontos, que merece censura pelo raciocínio adoptado no Acórdão recorrido em violação da lei substantiva.
— Tendo a acção especial de prestação de contas por base, conforme resulta do artigo 941,° ss, uma relação entre as partes com reflexos patrimoniais, havendo créditos e débitos recíprocos, a decisão proferida atingiu uma solução injusta em si mesma e violadora das normas reguladores da prestação de contas.
— Ao não admitir a inclusão das remunerações enquanto custos, o Tribunal da Relação de Lisboa condena a Recorrente a efectuar o pagamento de um valor que nunca seria devido por esta aos Recorridos, dizendo para tanto que a mesma se poderia ter pago ou deveria ter intentado a respectiva acção para ver considerado o seu crédito - o que é uma argumentação espúria ao processo especial de prestação de contas.
— Nem se compreende como é que, no limite, não considerando aqueles valores como custo, não podia tal valor ser elencado para efectuar uma compensação.
— Quanto aos impostos, assiste-se a uma aparente confusão do T.R.L. entre obrigação tributária e repartição de lucros, porquanto decide que, não comprovando a Recorrente o respectivo pagamento, pagá-los-á na presente acção, a quem nunca teria direito a recebê-los (aos Recorridos).
— As soluções adoptadas são violadoras das normas da acção especial da prestação de contas, assumindo especial gravidade nos termos em que foram proferidas, se atendermos a que durante três anos a Recorrente trabalhou ao abrigo do contrato de associação em participação sem receber as remunerações a que os Recorridos estavam obrigados a pagar decorrentes de tal contrato, e agora não só tem de entregar esses valores a quem nunca os pagou; como lhe é vedada a dedução de quaisquer impostos às receitas - o que contraria qualquer disposição legal acerca do conceito de lucro: contraria o contrato de associação em participação firmado entre as partes: e contraria ainda a decisão que condena a Recorrente a prestar contas.
— Não pode a acção de prestação de contas servir para sancionar o prestador, razão pela qual o processo lógico-dedutivo seguido pelo T.R.L. - alicerçado nos factos dados como provados transcritos no ponto II. do recurso - tem de ser corrigido de forma a garantir uma melhor aplicação do direito, por padecer de manifesto erro na sua aplicação.
— Pese embora se entenda que no ano de 1990 a Recorrente declarou fiscalmente encargos salariais, não ficou comprovado que o valor eventualmente correspondente a salário seja aquele que foi acordado no contrato de associação em participação, como nunca poderia, porque esse não foi pago conforme facto provado n.°2! — Diz o T.R.L. que se a Recorrente se tivesse pago da remuneração a partir de outras receitas, as quantias seriam levadas às contas enquanto verbas de despesas; ou que poderia ter exercido contra os Recorridos o correspondente direito, o que é um raciocínio - perdoe-se-nos a expressão - simplista e pouco fundamentado! - o que fere o Acórdão de nulidade nos termos do artigo 615.° n.° 1 alínea b) aplicável ex vi do art. 674.° n.° 1 alínea c) do C.P.C, devidamente arguida.
— As remunerações não pagas têm agora que ser contabilizadas na prestação de contas, não se podendo imputar à Recorrente a falta desse pagamento por não se ter pago com outros valores (indevidamente), ou sequer dizer que deveria ter exercido contra os Recorridos o "correspondente direito" numa outra sede, quando esta é a sede própria enquanto acção de prestação de contas decorrente do contrato de associação em participação, porque uma coisa é a Recorrente não receber os salários. Outra coisa é a Recorrente entregar esse valor aos Recorridos, que é o que acontecerá se a decisão se mantiver inalterada! — A Recorrente não se pagou dos valores auferidos, de forma a não comprometer a actividade levada a cabo - recorde-se que o valor em 1988 foi negativo - e também não propôs qualquer acção contra os Recorridos, porque a acção própria estava devidamente instaurada (a dos presentes autos).
— Resultando dos factos dado como provados o direito a receber os valores, e ainda que tais valores nunca foram pagos, decide definitivamente a questão.
— De qualquer forma, sempre se dirá descabido referir os salários como um custo normal da actividade de corretagem e depois negar o cômputo desses mesmos valores às contas apresentadas.
— Resulta como provada a obrigação de pagar os salários e, igualmente, a falta desse pagamento, assim como resulta inclusivamente da sentença que obriga à prestação de contas no ponto 5.2.2. a fls. 2015.
— Estando perante uma despesa real que não foi cumprida/paga, a Recorrente tem que incluir nas contas prestadas esses valores.
— Na operação matemática formada pelo Tribunal da Relação, a Recorrente fica obrigada a entregar aos Recorridos valores que não lhes são devidos, porque sempre têm que ser descontados no cômputo do dever e haver, o que culmina no locupletamento indevido, porque não só o valor devido e acordado não foi oportunamente pago à Recorrente, esta terá que suportar essas quantias das quais aqueles se...
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