Acórdão nº 729/13.3TTVNG.P1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelGONÇALVES ROCHA
Data da Resolução03 de Maio de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1--- AA, com sede no Porto, intentou uma acção com processo comum, contra BB, S.A.

, com sede em São Félix da Marinha, pedindo que sejam declarados ilícitos os cortes impostos pela Ré, desde Agosto de 2012, à retribuição prevista no n.º 7 da cláusula 74.ª do CCT do sector, e que a mesma seja condenada a devolver os valores retirados àquela remuneração a cada um dos seus trabalhadores filiados no Autor.

Pediu ainda que a R seja condenada a inserir o valor pago a título de diuturnidades no cálculo do valor mensal pago pela retribuição prevista no n.º 7 da cláusula 74.ª daquele CCT, com o consequente pagamento a cada uma dos seus trabalhadores filiados no Autor das diferenças daí decorrentes.

Alegou para tanto que: Representa os trabalhadores seus associados, motoristas TIR, que exercem a sua actividade por conta da Ré que se dedica ao transporte rodoviário de mercadorias; Estes têm direito a uma retribuição mensal, não inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia, conforme o disposto no n.º 7 da cláusula 74.ª do CCT aplicável e que recebem desde a data da sua admissão, tratando-se portanto duma remuneração regular e periódica, devida em relação a trinta dias do mês, sendo integrada também na retribuição de férias e respectivo subsídio; Contudo, a Ré, a partir de Agosto de 2012, começou a pagar aos seus trabalhadores motoristas TIR, uma importância abaixo da que vinha pagando a título da retribuição prevista na citada cláusula 74.ª, pois até Julho de 2012, aqueles trabalhadores auferiam a importância de € 371,26 e, a partir de Agosto de 2012, passaram a auferir apenas € 299,86 mensais; Esta retribuição não depende da realização efectiva de trabalho suplementar e nada tem a ver com este, correspondendo ao pagamento de duas horas de trabalho com o acréscimo de 50%, uma, e a outra de 75%; Acresce que a Ré também não tem em conta no cálculo desta retribuição o valor pago a título de diuturnidades, o que viola o disposto no artigo 262.º, do C.T.

Como a audiência de partes não redundou na sua conciliação, veio a Ré contestar, alegando que: O interesse colectivo não pode ser a discussão da interpretação da cláusula 74.ª pois, nesse caso, seria a R. parte ilegítima e a forma do processo não seria a própria; A partir de Agosto de 2012, passou a liquidar o valor da cláusula 74.ª, n.º 7, pela fórmula da remuneração horária prevista no artigo 271.º do CT x 30 x 2 e o total dos acréscimos da remuneração da 1ª hora e da 2ª hora pela percentagem indicada no artigo 268.º, n.º 1, a), do C.T. x 30; O cálculo das duas horas de trabalho suplementar não integra diuturnidades, equivalendo ao conceito restrito de retribuição base descrito no artigo 262.º, n.º 2, a), do C.T; Que nos termos do n.º 4 do artigo 7.º da Lei n.º 23/2012 de 25/06, estão suspensas as disposições de IRCT que disponham sobre acréscimos de pagamento de trabalho suplementar superiores aos estabelecidos pelo C.T. e, assim, só uma fórmula de cálculo do trabalho suplementar subsiste e só essa pode ser aplicada no cálculo da cláusula 74ª, n.º 7.

Pugna assim pela sua absolvição da instância; e caso assim se não entenda, deverá a acção improceder na sua totalidade.

O A. não apresentou resposta. De seguida, foi proferido o despacho saneador sentença nos seguintes termos: “(…) decide-se pois julgar a acção procedente e, em consequência: a) consideram-se ilícitos os “cortes” impostos pela Ré, BB, S.A., desde Agosto de 2012, ao valor da retribuição prevista no nº 7 da cláusula 74ª da C.C.T. celebrada entre a CC e a DD, publicada no BTE, de 08-03-‑1980; b) condena-se a Ré a devolver aos seus motoristas de Transportes Internacionais Rodoviários de Mercadorias filiados no AA os valores subtraídos desde Agosto de 2012 e até à reposição da retribuição anteriormente paga a título de cl. 74ª, nº 7, da C.C.T.; c) e condena-se ainda a Ré a considerar o valor das diuturnidades no cálculo da referida retribuição da cl. 74ª, nº 7, devendo repor as diferenças derivadas dessa não contabilização aos trabalhadores filiados nos Sindicato Autor que auferem diuturnidades; d) sendo os valores ou diferenças a repor a liquidar (se necessário) em execução de sentença.” Notificada desta decisão, apelou a R, tendo o Tribunal da Relação do Porto julgado procedente a apelação, e revogando a sentença recorrida, absolveu a Ré da instância por ilegitimidade do A.

Interposta revista por este, foi esta concedida pelo acórdão deste Supremo Tribunal de 22 de Abril de 2015, que revogando a decisão recorrida, declarou que o A é parte legítima, determinando-se que os autos voltassem à Relação para conhecer das demais questões suscitadas no recurso de apelação.

Voltando os autos à Relação, esta proferiu acórdão a confirmar a sentença recorrida. Ainda irresignada, interpôs a R revista excepcional, que foi admitida pela Formação a que se refere o nº 3 do artigo 672º do CPC.

E tendo a recorrente alegado, rematou com as seguintes conclusões: “Aplicação de normas suspensas durante o período de suspensão: I. A cl. Clª. 40.ª do CCT celebrado entre a CC e a DD, que dispõe sobre acréscimos de pagamento de trabalho suplementar superiores aos estabelecidos pelo Código do Trabalho, foi suspensa pelo Art. 7.º da Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho; II. O objecto da norma que suspende outra norma é a própria norma que irá ficar suspensa, e que, por isso, fica suspensa. a norma que a suspendeu projecta-se noutra norma: uma norma suspensa deixa de ter eficácia durante o período da sua suspensão.

  1. Se uma norma suspensa deixa de ter eficácia, a actividade do intérprete de descobrir perante a panóplia de efeitos possíveis da norma quais os que estão suspensos e quais os que não estão é um total contra-senso: não estamos a determinar os efeitos de uma revogação tácita, uma norma suspensa é ineficaz, não produz efeitos nenhuns e pela mesma razão que uma lâmpada apagada não pode produzir luz alguma: se a norma pudesse produzir efeitos não estava suspensa e se a lâmpada pudesse produzir luz não estava apagada.

  2. Por isso a conclusão 3 do sumário do acórdão recorrido, forçosamente errada porque ilógica, a suspensão aplica-se a normas e não a efeitos de normas.

    CASO SE NÃO ENTENDA TER OCORRIDO SUSPENSÃO DE NORMAS: A remissão para fórmulas de cálculo: V. Porque a cl.ª 74.ª/7 remete para uma cláusula, que é uma norma, sem mais, a remissão é formal porque estamos perante normas regulamentares com carácter geral e abstracto, que haveremos de interpretar de modo actualista, sem querer cristalizar o sentido histórico das normas, para lá até do momento em que estas deixem de vigorar: a remissão é dinâmica, o regime para que remete em cada momento é o que em cada momento vigorar.

  3. Todavia, como se referiu supra, uma remissão (estática ou dinâmica, é indiferente) para uma norma suspensa é uma remissão para algo que, naquele momento, não existe, é uma remissão para o nada.

    A proibição de revogação de normas: VII. Não tendo o Art. 7.º da Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho, que põe em causa o suposto princípio da irredutibilidade da retribuição, sido considerado pelo TC inconstitucional, não se deverá procurar o efeito que resultaria da sua declaração como inconstitucional, alegando a violação de normas infraconstituicionais a que se dê um valor hierárquico superior a outras da mesma fonte.

    Concretamente, VIII. A irredutibilidade da retribuição é uma norma ordinária constante do Código do Trabalho, com o mesmo valor hierárquico que qualquer outra norma do Código do Trabalho, e como ela, visa regular relações contratuais entre privados e não a feitura de lei por órgãos de soberania, pelo que não conseguimos acompanhar a conclusão 4) do sumário do douto acórdão que admite que uma norma do CT (no caso, o Art. 268.º do CT) possa violar uma outra norma do CT (no caso, o Art. 129.º do CT).

  4. Normas de valor hierárquico semelhante, que além do mais se encontram no mesmo diploma, nunca violam outras normas com o mesmo valor hierárquico ou com valor hierárquico inferior.

  5. Da sucessão de normas contraditórias de igual valor hierárquico, não se se diz em caso algum, que a norma nova viola a antiga e que portanto não poderá ser aplicada XI. A sucessão de normas contraditórias de igual valor hierárquico chama-se revogação.

    Incidência das diuturnidades: XII. Contendo o Art. 262.º uma norma supletiva “1. Quando disposição legal, convencional ou contratual não disponha em contrário […]” (sic.), havendo norma convencional que especialmente regula o cálculo da Clª. 74/7, será essa a norma aplicável, a qual é contrária – distinta, se se preferir – da norma geral do Art. 262.º.

  6. No apuramento da cl. 74ª, nº 7, ou da remuneração de trabalho suplementar, não se tem em conta, o valor das diuturnidades porque a Cl.ª 74/7 é regulada por IRC que estabelece uma fórmula própria de cálculo daquela prestação, sendo que o cálculo das duas primeiras horas de trabalho suplementar assenta na retribuição horária conforme Art. 271.º do CT, não integra diuturnidades e apenas faz uso da retribuição correspondente à actividade do trabalhador no período normal de trabalho e do número de horas, equivalendo assim ao conceito restrito de “retribuição base” descrito no Art. 262.º, n.º 2, a) do CT. E, XIV. O cálculo das duas primeiras horas de trabalho suplementar assenta na retribuição horária conforme Art. 271.º do CT, não integra diuturnidades e apenas faz uso da retribuição correspondente à actividade do trabalhador no período normal de trabalho e do número de horas, equivalendo assim ao conceito restrito de “retribuição base” descrito no Art. 262º, nº 2, a) do CT.

  7. Isentar os trabalhadores TIR de uma regra que se aplica a todos os seus colegas que trabalham no plano interno resultaria numa quebra de igualdade: precisamente a que levou o Tribunal Constitucional a invalidar a supressão de subsídios (apenas) na função pública, pelo que se não poderia interpretar tal norma dessa...

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