Acórdão nº 398/12.8TBLGS.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução31 de Maio de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. – Relatório.

    O AA intentou contra BB acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo que: “a) - seja proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial da Ré faltosa, transferindo o direito de propriedade das fracções autónomas que aquela prometeu vender ao AA, dos prédios construídos nos lotes 4.1, 4.2 e 4.3 do Loteamento Municipal de …, freguesia de … do AA, designadamente: - no lote 4.1, as fracções autónomas J e L (ambos apartamentos T3), correspondentes ao 1.º A e ao 1.º B, respectivamente, com as descrições 2117-J e 2117-L; - no lote 4.2, as fracções autónomas A (T4), B (T2) e F (T3) correspondentes ao r/c A, ao r/c B, e ao 1.º C, respectivamente com as descrições 2118-A, 2118-B e 2118-F; - no lote 4.3 as fracções autónomas A (T2), B (t3), E (T2) e G (T3), correspondentes ao r/c A, ao r/c B, ao r/c E e ao 1.º B, respectivamente, com as descrições 2119-A, 2118-B, 2119-E e 2119-G; b) - condenar-se a Ré a entregar ao AA o montante do débito garantido correspondente a cada fracção autónoma, prometida vender, para expurgação das hipotecas registadas a favor do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, uma para garantia do capital de € l.771. 257, 00, juros e despesas com o montante máximo assegurado de € 2.235.326, 33, e a outra para garantia do capital de € 249.533,00, juros e despesas, com o montante máximo assegurado de € 314.910,65, acrescido dos respectivos juros, vencidos e vincendos até ao seu integral pagamento, as quais se encontram registadas na Conservatória do Registo Predial de …, sob as apresentações 41 de 2007/12/13 e 28, de 2008/06/30.

    Em alternativa e para o caso da impossibilidade de cumprimento por parte da Ré, c) condenar-se a Ré a indemnizar o AA, pela quantia de € 581.886, 74, correspondente ao dobro da quantia que este lhe entregou aquando da escritura a título de sinal, acrescida de juros de mora, á taxa legal, vencidos e vincendos, até integral pagamento.

    Na contestação – cfr. fls. 82 a 85 – a demandada defende-se por excepção – inidoneidade do pedido alternativo; excepção de não cumprimento (exceptio non adempli contratus) – e por impugnação (artigos 36 a 38).

    Na réplica – cfr. fls. 91 a 95 - a demandante contravém contra as deduzidas excepções e pede a condenação da demandada como litigante de má-fé (artigos 31 e 32).

    No despacho saneador – cfr. fls. 115 a 119 – foram julgadas improcedentes as excepções deduzidas e relegou para a apreciação do juiz de julgamento a decisão sobre a oportunidade e prazo da consignação em depósito do preço em falta, seguido de despacho de condensação com a selecção dos factos assentes e controvertidos.

    Após audiência de discussão e julgamento – cfr. fls. 183 e 184 – foi proferido despacho interlocutório – cfr. fls. 187 -, a ordenar ao Autor a consignação em depósito do preço em dívida, no prazo de vinte dias, e à Ré, no mesmo prazo, a junção aos autos da licença de utilização, o certificado energético, e certidão actualizada do registo predial das fracções prometidas vender.

    Tendo decorrido os referidos prazos, os autos voltaram para a prolação da sentença, com os elementos documentais cuja junção foi ordenada à Ré, e não tendo o Autor consignado em depósito o preço em dívida.

    Proferida a sentença – cfr. fls. 267 a 281 – foi a acção julgada improcedente por não provada e, em consequência, absolveu a Ré da totalidade dos pedidos formulados.

    Interposto recurso de apelação – cfr. fls. 287 292 – o tribunal de apelação por acórdão de 24 de Setembro de 2015 – cfr. fls. 310 a 327 – veio a decidir manter a decisão apelada.

    Em dissensão com o julgado interpôs recurso (de revista excepcional) para este Supremo Tribunal, que por acórdão de 23-02-2016 (cfr. fls. 363 a 368), decidido admitir a revista, com a fundamentação que a seguir queda expressa: “(…) O próprio douto acórdão da Relação reconhece que existe um conflito jurisprudencial, além das duas teses doutrinais referidas nos autos: - A fls. 11 e 12, invoca o Acórdão do STJ de 8 de Julho de 2003, que decidiu que a "consignação em depósito da prestação a que se refere o nº 5 do art. 830º do Cód Civil deve ser feita imediatamente antes da prolação da sentença, mediante despacho judicial a fixar prazo para tal depósito", que se terá baseado (além do texto do preceito legal) na posição de Pires de Lima e Antunes Varela e I. Galvão Teles (respectivamente, Código Civil Anotado, Vol. II, 2ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1981, p. 93; Direito das Obrigações, T ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1997, p. 137).

    - A fls. 12, menciona o Acórdão do STJ de 1 de Julho de 2004, proferido no Processo n° 04B1774 - citado pelo recorrente, como o acórdão refere -, referindo que este Acórdão do STJ decidiu de maneira diferente: "0 prazo estabelecido pelo juiz de fI instância para a consignação em depósito conta-se do trânsito em julgado da decisão final que dê ganho de causa ao autor, o que poderá vir a acontecer apenas nos tribunais superiores".

    - Na mesma folha, refere, neste mesmo último sentido, o acórdão da Relação de Coimbra de 17 de Dezembro de 2008, ao decidir que "a sentença a proferir na acção de execução específica deve fazer depender o reconhecimento do direito à execução específica da consignação em depósito da prestação devida pelo requerente, em prazo na sentença fixado (contado da data do respectivo trânsito) ".

    "E também estão em causa interesses de particular relevância social. Como consta da matéria de facto provada - 1.2 -, a Ré prometeu vender ao Autor e este prometeu comprar nove apartamentos a construir nos prédios identificados nos autos, destinados ao alojamento de agregados familiares em situação de carência económica.

    A prevalecer a tese defendida na sentença da 1ª instância, acolhida na Relação, o Autor, ou seja, o AA, ficaria obrigado a prescindir de uma elevada quantia (no caso subjudice, €136.896,79), durante meses, quiçá anos, até ao trânsito em julgado da sentença, e sem sequer direito a juros ou a qualquer outra contrapartida financeira. E sem poder acolher a nove agregados familiares em situação de carência económica, ou aplicar esse dinheiro noutros fins sociais relevantes, mais a mais em época de crise, enquanto aguardava pelo trânsito em julgado de decisão que lhe fosse favorável.

    Assim, encontra-se igualmente preenchido o pressuposto previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 672.º do CPC." Finalmente, verifica-se que "o douto acórdão recorrido está em contradição com o Acórdão do STJ de 1 de Julho de 2004, proferido no Processo nº 04B1774, a cuja transcrição parcial, na parte que interessa, acima se procedeu: "0 prazo estabelecido pelo juiz de 1ª instância para a consignação em depósito conta-se do trânsito em julgado da decisão final que dê ganho de causa ao autor, o que poderá vir a acontecer apenas nos tribunais superiores" Aliás, poder-se-ia considerar ainda outro acórdão-fundamento, aquele outro referido pelo douto acórdão recorrido, o acórdão da Relação de Coimbra de 17 de Dezembro de 2008, ao decidir que "a sentença a proferir na acção de execução específica deve fazer depender o reconhecimento do direito à execução específica da consignação em depósito da prestação devida pelo requerente, em prazo na sentença fixado (contado da data do respectivo trânsito) " Dúvidas não ocorrem de que existe dupla conforme, na medida em que a Relação confirmou integralmente o decidido em 1 a instância, por razões idênticas, como resulta do consignado em 1.

    Cumpre ver se ocorrem os pressupostos da revista excepcional das alíneas a), b), e c) do nº 1 do art. 672º do C. P. Civil, uma vez que o recorrente a todos invocou.

    Note-se que tais pressupostos não são cumulativos, pelo que a verificação de um deles prejudica a apreciação dos restantes.

    Começando pelo da alínea a), o da relevância jurídica, temos que esta pode ser definida como decorrendo da existência de um debate doutrinal ou jurisprudencial sobre a questão em recurso, que se apresenta como questão frequente. Ou então como decorrendo de uma questão nova e pouco versada. O que tudo aconselha, para uma melhor aplicação da justiça, uma prolação reiterada de decisões judiciais.

    Ora, no caso dos autos, são manifestas as divergências jurisprudenciais, tendo em conta as decisões contraditórias referidas não só pelo recorrente, como também no acórdão recorrido.

    Deste modo, é útil para a aplicação da justiça que a reapreciação judicial do tema permita aplanar as ditas divergências jurisprudenciais.

    Com o que se verifica o pressuposto da relevância jurídica, ficando prejudicada a apreciação dos restantes, devendo, por isso, ser aceite o recurso.

    Pelo exposto, acordam em admitir a revista excepcional.” I.a.) – Quadro Conclusivo.

    “1- A questão em litígio é sobre quando deve começar a ser contado o prazo fixado em 1ª instância para o depósito do preço devido pelo requerente da execução específica, se a partir do despacho que o fixa, portanto antes de a sentença ser proferida, se só depois do trânsito em julgado da decisão final que dê ganho de causa ao autor.

    2- A revista excepcional é admitida nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 672º do CPC.

    3- Embora esta enumeração não exija que se verifiquem todos os pressupostos elencados nas referidas alíneas, todos eles se verificam no caso sub judice.

    4- A apreciação desta questão tem relevância jurídica, sendo claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

    5- O próprio douto acórdão da Relação reconhece que existe um conflito jurisprudencial, além das duas teses doutrinais referidas nos autos: A fls. 11 e 12, invoca o Acórdão do STJ, de 8 de Julho de 2003, que decidiu que a "consignação em depósito da prestação a que se refere o nº 5 do art. 830º do Cód. Civil deve ser feita imediatamente antes da prolação da sentença, mediante despacho judicial a fixar prazo para tal depósito”, que se terá baseado (além do texto do preceito legal) na posição de Pires de Lima e Antunes Varela e I. Galvão Teles (respectivamente, Código Civil...

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