Acórdão nº 690/13.4TVPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelSEBASTIÃO PÓVOAS
Data da Resolução05 de Maio de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA, BB, CC e DD intentaram acção, com processo comum contra “Companhia de Seguros .... S.A.” e “...., S.A.”.

Pediram que: Se declarasse excluída (por inexistente) das condições particulares do seguro de vida celebrado entre a 1ª R., como seguradora, a 2ª R. como tomadora do seguro, e EE, como segurada, a cláusula que considerava extinto o seguro quando esta atingisse 70 anos de idade, devendo considerar-se que o contrato de seguro tem o prazo de 25 anos a contar de 13.03.2002 e se mantinha válido à data da morte da pessoa segura; a condenação da 1ª R (Companhia de Seguros ..., S.A) a pagar à 2ª R. (..., SA), a quantia que ainda se encontre em dívida do empréstimo referido na petição inicial na data em que for proferida a decisão final com trânsito em julgado, e que é actualmente de € 47.233,10; a condenação da 1ª R. a pagar às AA. a quantia de € 6.465,32 acrescida das prestações mensais que se vencerem, e estas pagarem para amortização do mesmo empréstimo, acrescida de juros à taxa legal desde a citação.

Caso não seja possível apurar os valores referidos acima pedidos, deverá a sua liquidação fazer-se em execução de sentença.

* As RR. contestaram.

A seguradora alegou que, nos termos das condições particulares da apólice, as garantias cessavam, no caso de morte, no termo da anuidade em que a segurada completasse 70 anos, tendo o contrato sido anulado por limite de idade em 01-01-2012; que a segurada foi devidamente elucidada do conteúdo das cláusulas contratuais; e que a segurada recebeu uma carta dando-lhe conta da cessação do contrato, a qual não mereceu oposição por parte dela.

A ... alegou que, na data de adesão ao seguro, explicou à mutuária as condições gerais e particulares do seguro e que destas constava que as garantias do seguro cessavam quando a cliente atingisse os 70 anos.

Ambas concluíram pela improcedência da acção.

* Na 1.ª Instância foi proferida Sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo as Rés do pedido.

As Autoras interpuseram recurso para a Relação do Porto que confirmou a decisão recorrida.

Perante a situação de dupla conforme, as Autoras pediram revista excepcional, admitida pelo Colectivo/Formação a que se refere o n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, que entendeu estar presente o requisito da alínea a) do n.º 1 do mesmo preceito (relevância jurídica a tornar a apreciação da questão em causa “claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.”) E concluíram a sua alegação, quanto ao mérito, nos termos seguintes: 1.ª- Como regra, o Supremo Tribunal de Justiça não aprecia matéria de facto.

  1. - A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça quanto à matéria de facto apenas pode ocorrer quando, na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais, tenha havido ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova ou ainda quando ocorram contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito (art°s 674°, n° 3 e 682 do CPC).

  2. - O acórdão recorrido não respeitou a força probatória de alguns meios de prova (documentos) constantes dos autos e os factos que foram considerados provados e não provados contêm contradições entre si que não permitem uma decisão jurídica do pleito.

  3. - As questões referidas na conclusão anterior colocam-se, aliás, no âmbito das questões de direito da esfera da competência do Supremo Tribunal de Justiça.

  4. - Os factos que foram considerados provados pelo douto acórdão recorrido são os que se encontram transcritos na parte expositiva desta revista. Esses factos são os mesmos que foram considerados provados pela também douta sentença da 1ª instância.

  5. - As Recorrentes impugnaram alguns desses factos, sem que a impugnação tenha tido provimento.

  6. - Este Supremo Tribunal apenas pode apreciar se, em relação a alguns desses factos impugnados, foram observadas as regras do direito probatório material) art° 634°, n° 2 CPC) ou ordenar a ampliação dessa matéria (art° 682° CPC) 8ª- Dessa apreciação faz parte apreciar o percurso de raciocínio da fundamentação das respostas e analisar se esse percurso é coerente e lógico em relação ao resultado obtido. É uma questão de direito.

  7. - No caso dos autos não se pode abstrair das circunstâncias concretas em que o seguro foi celebrado e da pessoa concreta que é a segurada.

  8. - Para averiguar se foi cumprido, nos termos legais, o dever de informação, é necessário analisar a postura da generalidade dos cidadãos perante este tipo de contratos e conhecer a realidade humana e social em que se envolve este género de contratos.

  9. - Como resulta dos factos provados, EE pretendeu contrair junto da ... um empréstimo de 15.000.000$00 para construção de habitação, tendo-se para tal dirigido a uma agência desse banco. Este informou-a de que o empréstimo pretendido foi concedido pelo prazo de 25 anos.

  10. - Nessa altura, a ... entregou-lhe uma comunicação escrita donde constavam os documentos necessários para ser celebrado o empréstimo, e constava a exigência de um seguro de vida. Desse documento constava ainda a oferta de alguns tipos de seguros, incluindo um seguro de vida - grupo (pelo valor do empréstimo) 13ª- Esse documento faz prova plena quanto às declarações dele constantes e esses factos devem considerar-se provados (art° 376° CC) 14ª- Para um declaratário normal essa declaração queria dizer que o empréstimo só era efectivamente concedido se a candidata a mutuária celebrasse um contrato de seguro de vida pelo montante do empréstimo. Por isso, e face a esse documento, devia ter sido provado que o seguro de vida era obrigatório para a concessão do empréstimo.

  11. - É do conhecimento da generalidade das pessoas que a concessão dos empréstimos para habitação se processam dessa forma e que é o banco quem trata do em préstimo e do seguro. Aliás, os bancos tinham "associados" a si uma seguradora que fazia parte do mesmo grupo económico, como acontecia no caso dos autos de acordo com os factos provados.

  12. - Por outro lado, vivia-se uma época de "oferta" de crédito e incentivo ao mesmo por parte dos bancos.

  13. - Foi neste contexto e nestas circunstâncias que foi celebrado o contrato de seguro de vida com EE.

  14. - Foi considerado provado (facto n° 12) que o contrato de seguro a que EE aderiu se rege pelas condições particulares cuja cópia está junta a fls. 46 a 50. Esse documento foi junto pelas RR. e é uma confissão de que eram essas as cláusulas. No entanto, esse documento é datado de 30 de Outubro de 2009 e a adesão ao seguro por EE ocorreu em 2002. Por isso tendo em conta esse documento esse facto não devia ter sido provado.

  15. - O douto acórdão recorrido considerou que a data não significava que as condições particulares não sejam as expressas no documento junto a fls. 46/50. Não se compreende esta fundamentação e, muito menos se compreende que nenhuma das RR. tenha juntado as condições particulares contemporâneas da celebração do seguro, apesar de as AA. terem levantado essa questão.

  16. - Por outro lado há uma contradição nas respostas dadas a esta questão das condições particulares que inviabilizam a decisão jurídica. Vem provado (facto n° 17) que, na altura da subscrição da proposta de adesão, nenhuma das RR. entregou a EE as condições gerais e especiais do referido seguro de vida. E vem provado (facto n° 19) que depois de ter recebido e aceite a proposta de adesão a 1ª R. enviou, em data não apurada, as condições particulares que constituem o documento de fls. 46 a 50. Ora, se este documento tem a data de 30 de Outubro de 2009, não podia ter sido enviado em 2002 (quando foi celebrado o seguro).

  17. - Por outro lado, a 1ª R. não alegou que tivesse enviado esse documento das condições particulares. E se tivesse enviado não só teria alegado, como teria juntado cópia da carta a enviá-las.

  18. - Consta como provado (facto n° 11) que EE subscreveu a proposta de adesão que se encontra a fls. 110, à qual se encontrava anexada a nota informativa de fls. 111 e que lhe foi entregue.

  19. - Esse documento de "Boletim de Adesão" foi junto aos autos pela 2ª R. CGD e foi também junto aos autos (a pedido das AA.) pela 1.ª R. .... Nenhum desses documentos tem data e esses documentos não são coincidentes, excepto quanto à 1ª página. As várias discrepâncias constam da parte expositiva das alegações e que se consideram reproduzidas.

  20. - Não há nenhuma rubrica na “Nota Informativa” comprovativa de EE a ter recebido e esta já não está viva para poder contradizer a funcionária da 2ª R. que foi testemunha. Também não há na Nota Informativa qualquer elemento que possa provar se a mesma é contemporânea do "Boletim de Adesão" ou das condições particulares de 2009.

  21. - Não se compreende que, tendo EE 61 anos na data da subscrição do seguro, lhe tenha sido proposto um seguro com cobertura para invalidez permanente por doença cujos efeitos cessavam aos 60 anos. E também não se compreende que tenha proposto um seguro para garantir um empréstimo de 25 anos cuja cobertura de invalidez permanente por acidente cessava os efeitos aos 65 anos e por morte aos 70 anos.

  22. - A boa fé contratual impunha não só um especial cuidado de informação ou que não se exigisse o seguro. E só não será assim se, na altura não tivessem sido dadas as referidas informações.

  23. - Todavia, o que foi aceite é que EE subscreveu o "Boletim de Adesão". É esse documento (e apenas...

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